A força-tarefa do Ministério Público que investiga a tragédia causada pelo rompimento da barragem de rejeito de minério B1 vai denunciar até 15 pessoas pelos crimes de homicídio com dolo eventual, lesões corporais graves e danos ambientais. São elas o presidente Fábio Schvartsman e o diretor-executivo da Vale, Peter Poppinga, ambos afastados, a responsável técnica pela barragem, Cristina Malheiros, e outros 11 empregados da mineradora. Outros dois funcionários da alemã TÜV SÜD, empresa responsável pelo laudo de segurança e estabilidade, completam a lista.
— As evidências são claras, as provas saltam aos olhos, há provas muito contundentes no sentido de que a situação de risco era conhecida, sem contar a relação promíscua entre a empresa de auditoria e a empresa auditada — afirma uma fonte da força-tarefa que prepara a denúncia.
O GLOBO apurou que a denúncia será oferecida à Justiça num prazo de 90 dias, tão logo sejam finalizados os laudos periciais e a revisão das mídias apreendidas nas operações de buscas e apreensão e quebras de sigilos.
Durante o trabalho de investigação da força-tarefa formada pelo Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Polícia Civil e Polícia Federal , além das comissões parlamentares de inquérito do Congresso e da Assembleia Legilsativa de Minas Gerais (ALMG), mais de 500 pessoas foram ouvidas e milhares de mídias eletrônicas foram recolhidas para análise. Hoje, dez policiais trabalham de maneira incessante na obtenção de mais informações que possam servir como provas.
— O uso de documentos falsos na apresentação da declaração de condição de estabilidade, os chamados DCEs, não deixa dúvida quanto à negligência da mineradora e da empresa contratada para fazer a auditoria da barragem — afirma o delegado da Polícia Federal responsável pelo caso, Luiz Augusto Pessoa Nogueira.
No entanto, o crime de falsidade documental a ser apresentado na denúncia pode se tornar uma “pedra no sapato” da força-tarefa e abrir uma disputa pela competência do caso entre os ministérios públicos federal e estadual. Há um entendimento de que, por ter sido enviada a um ente federal, no caso a Agência Nacional de Mineração (ANM), a declaração de estabilidade feita pela TÜV SÜD à Vale deixaria a competência da denúncia ao MPF. A disputa pelo oferecimento da denúncia poderia acabar em instâncias superiores, o que acabaria atrasando o processo penal.
Há desconfiança por parte das famílias das vítimas que temem uma judicialização do caso como aconteceu com Mariana em 2016, marcada por uma queda de braço entre os MPs que só atrasou a conclusão do processo.
Tanto o MPF quanto o MPE negam que haja uma disputa. Os coordenadores da força-tarefa dos MPs, José Adércio Leite Sampaio (federal) e Andressa Lanchotti (estadual), negam que haja qualquer disputa pela denúncia e que seguem em sintonia para o desfecho do caso.
Procurada, a Vale diz que as causas do rompimento ainda estão sendo investigadas e que tem apresentado todos os documentos e informações solicitados e, “como maior interessada na apuração dos fatos, continuará contribuindo com as investigações.”
Embora os trabalhos da força-tarefa tenham começado no mesmo dia da tragédia, no dia 25 de janeiro, os parlamentares do Congresso demoraram alguns meses para instalar as comissões de inquérito e dar início às investigações das causas do rompimento da barragem.
O Senado instalou em meados de março sua CPI, composta por 11 senadores titulares e outros 7 suplentes e apresentou quatro meses depois o relatório final com a proposta de indiciamento de 1 4 pessoas, entre elas o presidente da Vale Fábio Schvartsman.
Para conseguir aprovar seu parecer, o relator no Senado, Carlos Viana (PSD-MG), decidiu agravar o pedido de indiciamento que enquadrava os envolvidos em homicídio culposo para dolo eventual, ou seja, afirmando que eles tinham ciência dos problemas na barragem.
Um dos pontos principais do relatório é a apresentação de projetos de leis para alteração do Código Penal, que hoje não possui uma legislação específica que enquadre crimes ambientais de tal magnitude como foi Mariana e agora Brumadinho.
— Vamos apresentar projetos sobre segurança de barragens, crimes ambientais e tributação. Para que o vácuo legal seja preenchido e pediremos o fim das barragens de rejeitos no país em 10 anos — afirma.
De acordo com Viana, a questão-chave que demonstra a ciência da alta cúpula da Vale na tragédia é o conflito de interesses entre a mineradora e a TUV SUD, que emitiu um laudo falso de segurança.
— Ficou claro para nós da comissão que houve manipulação de dados. Nós vamos agora apresentar uma proposta para que a Agência Nacional de Mineração (ANM) faça a contratação das empresas de auditoria e não use mais esse modelo da Vale.
As penas para homicídio doloso preveem pena de seis a 20 anos enquanto a punição para homicídio culposo é menor e tem chance de prestação de serviço para casos primários.
Já na Câmara, a CPI só foi instalada somente três meses depois do acidente e ainda não tem prazo para apresentar o relatório final.
— Não temos dúvidas sobre o dolo eventual, queremos que essas pessoas sejam julgadas no tribunal do júri — afirma o presidente da CPO, deputado Jùlio Delgado (PSB-MG).
Em Minas Gerais, a Asssembleia Legislativa também ainda não apresentou seu relatório final, mas já trabalha para concluí-lo nos próximos dias.
De acordo com o relator da comissão, deputado André Quintão (PT-MG), estamos lendo mais alguns documentos para chegar “no andar de cima” das empresas.
— A tendência é irmos na mesma linha das comissões do Congresso e indiciar os envolvidos pelo crime de dolo eventual — afirma.
A conclusão do inquérito por parte da Polícia Civil vai embasar a decisão do Ministério Público de enquadrar os responsáveis no crime de dolo eventual.
— Estamos na fase final para apresentar o inquérito. Assim que recebermos os laudos da perícia feita pelo instituto de criminalística vamos apresentar a conclusão de inquérito. A tendência é que nosso pedido aponte no relatório final a acusação de homicídio doloso eventual, além de vários crimes ambientais — afirma o delegado da Polícia Civil que coordena as investigações, Bruno Tascas.
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