Acionistas denunciam falta de diálogo e de transparência em Assembleia Geral Ordinária da Vale

Representantes da empresa cortaram as falas dos acionistas divergentes em diversos momentos da reunião

“Nosso compromisso é gerar prosperidade com respeito pelas pessoas e pelo meio ambiente.” Esta é uma das principais missões estampadas no site da empresa Vale S.A, multinacional brasileira e uma das maiores empresas de mineração do mundo. Porém,não é desta forma que companhia vem atuando na prática, de acordo com populações que vivem em territórios impactados por seus empreendimentos e por uma parcela dos investidores da própria Vale.

No dia 25 de abril, oito acionistas críticos, membros da Articulação Internacional de Atingidos e Atingidas pela Vale participaram, pelo sexto ano consecutivo, da Assembleia Geral Ordinária da empresa, realizada no Rio de Janeiro. Ao participar da assembleia, os acionistas críticos tinham o propósito de elucidar contradições entre o discurso de responsabilidade socioambiental da empresa e a realidade de graves impactos ambientais e violações de direitos humanos cometidas em seus projetos. Porém, ao invés desta reunião ser o lugar para se debater as principais ações da empresa, os acionistas relataram puro autoritarismo e silenciamento por parte dos representantes da companhia ao longo de toda a reunião com seus investidores.

Segundo os acionistas críticos que participaram da assembleia, existe um abismo entre os discursos e as reais práticas da empresa e, durante a reunião, isto se tornou ainda mais visível. A todo o momento, os representantes da Vale tentaram cortar as falas daqueles investidores que queriam debater mais a fundo as propostas e mostrar as contradições das pautas, não havendo, assim, qualquer abertura para diálogos. Além disso, os acionistas destacaram uma grande falta de transparência na forma como a empresa lida com seus investidores. Por exemplo, quando a mesa foi perguntada sobre o relatório das causas do deslizamento da barragem em Mariana, o representante da Samarco afirmou que o relatório final, mesmo após quase seis meses do ocorrido, ainda não estava pronto. E o Sr. Clovis Torres Junior, Consultor Geral da Vale, disse que não sabe se, quando finalizado, o relatório será disponibilizado para os acionistas.Apesar disso, a Vale já se apressa para licenciar outras três barragens em Minas Gerias com a utilização da mesma tecnologia empregada na barragem de Mariana.

Os membros da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale resolveram participar desta assembleia, como uma forma de confrontar e questionar, de forma corporativa, as ações da Vale, dando voz aos diversos grupos de atingidospelos projetos da empresa. “Quando decidimos entrar em uma assembleia de acionistas, esta é uma forma de incidir sobre o mundo corporativo para que a empresa minimamente eleve os seus padrões de respeito aos direitos humanos”, explica MelisandraTrentin, coordenadora da Justiça Global e integrante da Articulação dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

Para que este objetivo fosse alcançado, as críticas deveriam ser realizadas dentro das regras do mundo corporativo. Desta forma, os oito acionistas presentes na assembleia, membros da Articulação, produziram votos críticos, apresentados verbalmente e por escrito, à postura da Vale nas questões que seriam discutidas na reunião.Destacando assim, como a violação de direitos humanos e a falta de responsabilidade ambiental têm gerado sérios prejuízos para populações locais e seus territórios, como também para a própria empresa, tanto em termos financeiros, jurídicos e de desgastes na sua imagem.

Vários acionistas trataram do desastre no Rio Doce provocado pela Samarco, parceria da Vale com a australiana BHP Billiton. A advogada Isabela Corby falou sobre a falta de coerência da empresa ao declarar em seu Relatório de Administração e Demonstrações Financeiras de 2015 que o desastre de Mariana não impactou o fluxo de caixa da empresa, mas, ao mesmo tempo, suas propagandas e seus canais oficiais afirmam que a companhia vem apoiando, desde o início, as ações de reparação da Samarco. “Como a empresa pode apoiar as ações de reparações sem gastar qualquer capital e sem apresentar nenhum impacto em seu caixa?”, indagou Isabela.Já Raphaela Lopes comentou em seu voto sobre o acordo entre a Samarco, Vale e BHP e o estado brasileiro para indenização das vítimas de Mariana. Segundo ela, no Relatório de Administração e Demonstrações Financeiras de 2015, afirma-se que este acordo já vale a partir do momento da assinatura, o que ilude os acionistas, visto que tal acordo ainda precisa ser homologado pelo Juiz da 12° Vara Federal de Minas Gerais, para ser considerado um acordo vinculante.

Durante a assembleia, o caso da mega-barragem de Belo Monte no rio Xingu, na qual a Vale é sócia da concessionária Norte Energia, S.A. (NESA), foi lembrado pelo acionista Brent Millikan. Segundo ele, a Vale foi alertada diversas vezes sobre os altíssimos riscos socioambientais, jurídicos, financeiros e de reputação do empreendimento, antes mesmo de sua decisão de se tornar sócia da NESA. “Hoje, essas alertas se concretizam em consequências desastrosas para os povos indígenas, ribeirinhos, pescadores e outras populações do Xingu, que não são mitigadas ou compensadas por condicionantes de licenças ambientais”, afirmou Brent. O acionista ainda cobrou os diretores da Vale sobre o envolvimento da Norte Energia em grandes esquemas de corrupção em Belo Monte, relevados pelas investigações da Operação Lava Jato, e sobre as evidências crescentes da inviabilidade econômica do empreendimento, o que vêm gerando prejuízos para os acionistas e a sociedade brasileira em geral.

Carolina Campos, outra acionista crítica, questionou a nova proposta de remuneração dos administradores e dos membros do conselho fiscal que pediu a fixação, como verba global, do montante de até R$90.372.853,00(noventa milhões, trezentos e setenta e dois mil, oitocentos e cinquenta e três reais) a serem distribuídos aos membros do Conselho de Administração, do Conselho Fiscal e da Diretoria. Segundo ela, a proposta é incoerente com a situação financeira atual da empresa, “É vergonhoso que apenas um de nossos diretores receba 848 mil reais/mês (sem benefícios) enquanto vidas, comunidades e cidades inteiras foram e continuam sendo destruídas e aniquiladas por nossas atividades”, declarou Carolina. A acionista propôs ainda que 90% do montante previsto para remuneração de diretores e membros do Conselho Fiscal da Vale fosse realocado para um fundo especial de reparação e recuperação socioambiental do desastre de Marina, e ainda, para investimentos em tecnologias alternativas que, embora mais caras, sejam mais seguras para as comunidades e o meio ambiente.

A advogada Juliana Xavier também votou contra a nova proposta de remuneração dos administradores e dos membros do conselho fiscal, atentando para o fato de que enquanto se aumenta os salários de apenas 34 funcionários da empresa, os operários dos projetos da companhia no Brasil e no mundo estão indignados com suas remunerações. Os trabalhadores vêm sofrendo com uma política da diminuição salarial produzida pela Vale, com o corte do “bônus de remuneração variável” e a falta de concessão de qualquer reajuste na remuneração no final de 2015. Segundo Juliana, tais fatos vêm gerando um descontentamento generalizado dos operários que já organizaram diversos protestos contra a empresa no começo de 2016.

Segundo os acionistas críticos, modo de condução que a empresa opta por privilegiar em suas operações, implementando cortes de custo a qualquer preço, vem gerando consequências para a companhia, como é o caso da atual situação do Corredor Carajás. A Estrada de Ferro Carajás (EFC) é uma ferrovia operada pela Vale S.A, estratégica para as operações da empresa, que percorre 892 km ligando os municípios de São Luís, Santa Inês, Açailândia, Marabá e Parauapebas. Atualmente, devido às práticas da empresa que visam aumentar a produção com redução de custos, vem acontecendo umacirramento dos conflitosna região entre policiais e trabalhadores, acompanhados das populações das comunidades afetadas, que reivindicam seus direitos sobre os trilhos. Esta tensão, além de prejudicar a saúde e o bem estar dos trabalhadores, impede também o fluxo normal dos minérios pela ferrovia, o que atinge diretamente o lucro da empresa. A própria companhia reconhece em seus formulários, os riscos de paralisação de operações decorrentes de protestos, porém, nada faz para melhorar a realidade dos trabalhadores de suas minas.

No final da assembleia, o conjunto de acionistas críticos, ligados a Articulação de Atingidos e Atingidas pela Vale, apresentou uma Moção pedindo a renúncia de todos os membros da Diretoria Executiva, do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal da Vale que ocupavam os referidos cargos em 05 de novembro passado, data do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão em Mariana. Segundo os acionistas, considerando “os atos comissivos e omissivos de todos aqueles que provocaram ou que poderiam ter agido para evitar a maior tragédia ambiental da história do nosso país, causadas pelo rompimento da barragem do Fundão”, inclusive decisões de intensificar a produção enquanto cortava-se gastos na segurança, que foram determinantes para a ocorrência daquela tragédia, assim como a reação dos administradores da Vale ao desastre que, além de atrasada, foi repleta de erros que acabaram por desgastar ainda mais a imagem da empresa perante a opinião pública, fica evidente a “imprescindibilidade de uma reforma completa e imediata na Diretoria Executiva e nos Conselhos de Administração e Fiscal desta companhia”.

Através dessas e de outras criticas e propostas, os acionistas ligados a Articulação Internacional de Atingidos e Atingidas pela Vale procuraram intervir na tramitação habitual nas discussões e votações da assembleia anual da empresa – tipicamente limitada a assuntos meramente administrativos e financeiros – e trazer para a discussão questões essenciais referentes à responsabilidade socioambiental, dando voz aos movimentos sociais que representam, incentivando outros acionistas a refletirem sobre a necessidade de mudanças urgentes nas políticas e práticas da empresa.

Porém, para os acionistas críticos, ao participar da assembleia, fica evidente que a empresa não está interessada em receber as denúncias dos atingidos ou mudar suas práticas dando maior importância aos direitos humanos e aos impactos ambientais negativos que suas ações podem acarretar. Nem mesmo quando os movimentos sociais optam por seguir pelo caminho institucional, comprando ações e se apresentando como investidores da companhia, a empresa tenta os ouvir. Mas, segundo relatos, os membros da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidos pela Vale não se intimidaram e, mesmo com o microfone desligado, os acionistas críticos insistiram em registrar suas criticas e propostas de mudança profunda nas políticas e práticas da empresa.

Apesar do pouco espaço e da ausência de resposta e providências da empresa com relação às suas denúncias, os acionistas críticos consideram a sua participação na Assembleia Geral dos Acionistas da Vale de extrema importância. Para eles, é necessário que as populações atingidas pelos projetos da Vale nos territórios tenham sua voz garantida nas Assembleias. Além disso, os acionistas críticos se preocupam com as lacunas e omissões dos relatórios produzidos pela Vale e consideram primordial que os demais acionistas tenham conhecimento da forma real como a empresa vem operando nos territórios. Essas informações estão diretamente relacionadas com a magnitude dos riscos e incertezas envolvidos nos investimentos desses acionistas, de modo que a falta de informação e as omissões, nesse caso, interferem diretamente nas suas perspectivas de ganhos.

Além da intervenção na assembleia, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale realizou também um ato, no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, dia 25, que aconteceu simultaneamente com a Assembleia Geral Ordinária da empresa e reuniu cerca de 50 pessoas. O ato contou com intervenções culturais, performance teatral, exposição de fotos sobre o desastre de Mariana/Bacia do Rio Doce e também com uma aula pública com professores de universidades e institutos estaduais e federais do Rio de Janeiro, que, em conjunto com representantes de movimentos sociais como MST (Movimento dos Sem Terra) e MAB (Movimentos dos Atingidos por Barragens), falaram sobre os recentes projetos da Vale e seus contextos.

O ato teve ainda a presença de lideranças do povo Krenak, grupo indígena brasileiro oriundo do vale do Rio Doce. Douglas e Geovani Krenak falaram sobre os impactos que o seu povo tem sofrido com o rompimento da barragem do Fundão, que não afetou apenas as cidades ao longo do rio, mas também as comunidades que dependiam da água do Rio Doce. “Estamos passando por uma dificuldade muito grande, porque água é vida”, afirma Douglas. “A gente tinha o rio como o nosso pai e a nossa mãe. Ele que dava o sustento, que dava a comida e o lazer. E hoje o nosso povo está sendo proibido de fazer coisas que os nossos antepassados fizeram”, afirmou Geovani Kreknak. Além deles, atingidos das ações da Vale na Bacia do Rio Doce também apresentaram seus depoimentos sobre os impactos negativos em seu cotidiano, causados por ações da empresa.

Depois do ato na carioca, membros da Articulação dos Atingidos e Atingidos pela Vale, caminharam até a antiga sede da empresa, na Rua Graça Aranha, no centro do Rio de Janeiro, onde grafitaram, desenharam e escreveram palavras de ordem nos tapumes pretos que protegem a sua sede, prédio que, atualmente, não está sendo utilizado pela empresa.

Foto: Rosilene Miliotti / FASE

Com esse conjunto de ações, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidos pela Vale procurou chamar atenção para os principais casos de violação de diretos cometidos pela Vale no Brasil e no mundo. Um dia de protestos representando o grito preso na garganta daqueles que sofrem diretamente com as ações da empresa e que são tão pouco ouvidos por ela.

Leia os votos na integra dos acionistas críticos da Vale https://goo.gl/vz5rq0

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