Acompanhe ao longo dos próximos dias a divulgação dos 6 votos apresentados pelas acionistas críticas durante Assembleia de Acionistas da Vale, realizada em 28 de abril. Na postagem de hoje, conheça a íntegra do segundo voto, sobre o descomissionamento de barragens. Segundo dados do relatório de 2022 apresentado pela Vale aos seus acionistas, houve uma redução de recursos de mais de 46% para o Programa de Descaracterização de Barragens em comparação com 2021. Apenas 12 das 30 estruturas a montante da Vale foram descaracterizadas até o momento, o que corresponde a apenas 40% do total de barragens da empresa. A construção de barragens a montante, mais barata e menos segura, foi a mesma utilizada nas barragens de Mariana e Brumadinho, que se romperam em 2015 e 2019, respectivamente, matando centenas de pessoas, animais e contaminando cursos d’água de forma permanente. Ainda que não priorizada pela companhia, a descaracterização é urgente para as comunidades e para a conformidade da Lei Mar de Lama Nunca Mais, Lei Estadual 23.291/2019. Quando sancionada, a lei determinou prazo de três anos para que as mineradoras concluíssem a mudança de estrutura de barragens construídas sob método a montante, o que não foi cumprido pela Vale. Como punição por descumprir o prazo legal, a companhia terá de desembolsar R$ 236,7 milhões a título de danos coletivos. Leia o primeiro voto divulgado aqui. Para saber mais sobre o acionismo crítico praticado pela Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, acesse este link.
ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DE ACIONISTAS DA VALE S.A. 2023
Rio de Janeiro, 28 de abril de 2023.
Voto pela REPROVAÇÃO do relatório e das contas da administração e demonstrações financeiras referentes ao exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2022, pelas razões que seguem.
O relatório da administração reportou significativa redução de despesas operacionais. A redução está relacionada, especialmente, à descaracterização de barragens e ao descomissionamento de ativos. Todavia, é de se estranhar a abrupta redução de 46,4% para o Programa de Descaracterização, em comparação a 2021. Afinal, apenas 12 das 30 estruturas a montante da Vale foram descaracterizadas até o momento – o que corresponde a apenas de 40% do total de barragens da companhia.
Ainda que não priorizada pela companhia, a descaracterização é urgente para as comunidades e para a conformidade da Lei Mar de Lama Nunca Mais, Lei Estadual 23.291/2019. Quando sancionada, a lei determinou prazo de três anos para que as mineradoras concluíssem a mudança de estrutura de barragens construídas sob método a montante, o que não foi cumprido pela Vale.
Como punição por descumprir o prazo legal, a companhia terá de desembolsar R$ 236,7 milhões a título de danos coletivos. O valor foi pactuado num Termo de Compromisso firmado com o Estado de Minas Gerais, FEAM e Ministério Públicos Federal e do Estado.
A situação que deveria ter sido, no mínimo, reportada com transparência nos documentos apresentados à Assembleia de Acionistas. O relatório da Administração, por sua vez, apenas menciona que foi necessário realizar “provisão adicional de R$ 375 milhões” para a descaracterização das barragens. A administração, todavia, não presta maiores informações sobre estágio de descaracterização de cada uma das barragens a montante – nem no seu site institucional ESG, nem nos Relatórios.
Diante disso, cabe perguntar: como ficarão os provisionamentos para cumprimento das obrigações de descomissionamento das barragens? Os valores reduzidos são suficientes para atender às exigências da Lei Mar de Lama Nunca Mais? Há, todavia, mais 5 barragens a serem descaracterizadas só em Itabira. Como isso tem sido feito em cada território?
Há denúncias nos territórios de Itabira e de Antônio Pereira sobre os impactos que as obras de descaracterização têm causado às comunidades próximas. Sobram indícios de que os moradores da área vizinha ao complexo de mineração de Itabira, do Sistema Pontal, podem vir a ser removidos de suas casas em função das obras de descaracterização de barragens e diques. Mas não há transparência das informações a respeito.
Em 2022, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Vale por perda de estabilidade e elevação do risco de rompimento das estruturas, em processo de descaracterização. A execução de obras de engenharia para descomissionamento das barragens e diques agravaram o risco de ruptura. Pelo menos quatro bairros da área urbana de Itabira podem ser afetados[1]. A população vive em insegurança constante, enquanto as provisões para a estabilidade das barragens durante a descaracterização não aparecem no Relatório.
Em sentido similar, as obras de descomissionamento da barragem Doutor, da mina de Timbopeba, tiveram início em fevereiro de 2020, mas o vertedouro construído com a função de descarregar a água e garantir a segurança da estrutura desmoronou em outubro de 2021, após as chuvas[2]. Depois do incidente, os moradores de Antônio Pereira, distrito Ouro Preto, seguem inseguros com relação às obras construídas pela empresa. Algo que indica que o descomissionamento sem preocupação com o bem-estar da população local atingida também pode ser brutal, violar direitos e gerar prejuízos ao caixa e à imagem corporativa da mineradora – já tão combalida pelos rompimentos.
Por fim, peço que a presente declaração de voto seja devidamente numerada, autenticada e arquivada junto à ata da presente assembleia, conforme disposto na Lei n° 6.404/1976 – Lei das S.A.s, artigo 130, § 1o, “a” e “b”; e que a resposta escrita a estas considerações e indagações não ultrapassem o prazo de 30 (trinta) dias corridos.
[1] www.hojeemdia.com.br/minas/descaracterizac-o-de-barragens-da-vale-em-itabira-pode-provocar-remoc-o-de-moradores-1.896465
[2] https://guaicuy.org.br/moradores-de-antonio-pereira-denunciam-vale-por-inseguranca-em-obras-de-descomissionamento-de-barragem/