Assembleia da Vale: voto crítico aponta que empresa não provisiona recursos para reparar danos causados a comunidades

Acompanhe ao longo dos próximos dias a divulgação dos votos apresentados pelas acionistas críticas durante Assembleia de Acionistas da Vale, realizada em 28 de abril. Na postagem de hoje, conheça a íntegra do voto sobre a comunidade Piquiá de Baixo, em Açailândia, Maranhão, impactada pelas atividades da mineradora e de siderúrgicas. Por causa da poluição do ar e das águas, a comunidade está sendo obrigada a construir um novo bairro e se mudar para ter qualidade de vida. As casas estão sendo construídas por meio de programa habitacional do governo federal, o que gera para as famílias um endividamento de anos a fio para pagar o financiamento da casa junto à Caixa Econômica Federal. A Vale, responsável pelos danos, não fez nenhum movimento para garantir que as famílias não se endividassem e nem continuassem com o passivo de décadas de poluição e violação de direitos. Para saber mais sobre o acionismo crítico praticado pela Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, acesse este link.

ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DE ACIONISTAS DA VALE S.A. 2023

Rio de Janeiro, 28 de abril de 2023.

Ponto de Pauta: 2.1 “a” e “c”: Sendo “a” condições financeiras e patrimoniais gerais e “c”, capacidade de pagamento em relação aos compromissos financeiros assumidos.

Voto pela REPROVAÇÃO do Relatório da Administração 2022.

Venho por meio desta declaração expor o meu voto de NÃO aprovação do relatório da administração e demonstrações financeiras referentes ao exercício social de 2022 pelas seguintes razões:

Em 2022, a empresa Vale S.A., por ter o minério de ferro de maior teor e melhor qualidade do mercado exportador, e apesar das quedas de valor no minério no mercado, lucrou R$ 95.924.397.532,48 (noventa e cinco bilhões, novecentos e vinte e quatro milhões, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e trinta e dois reais e quarenta e oito centavos), valor muito menor que o apresentado no exercício anterior. No item 2.1 “a” e “c” (pgs. 6 e 7), o relatório apresenta as condições financeiras e patrimoniais, assim como a capacidade financeira de pagamento em relação aos compromissos financeiros assumidos, trazendo neste contexto o conceito de dívida líquida expandida, que inclui em seu cálculo, além das obrigações contratadas com instituições financeiras, também as obrigações de entregar caixa a terceiros fora do seu processo operacional regular, mais especificamente os passivos relacionados ao evento de Brumadinho, Samarco e Fundação Renova.

No entanto, há outros compromissos da empresa com outros territórios, como o caso do bairro de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia – Maranhão. A Vale S.A, apesar de ter aportado valor para o início das obras de reassentamento, não fez nenhum movimento para que acontecesse a reparação integral dos danos decorrentes das operações de mineração e siderurgia que atinge o bairro diretamente há décadas, nos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para os danos causados aos moradores e à coletividade. A empresa precisa realizar as provisões de recursos adequadas, o que não está sendo feito e por isso não consta em suas demonstrações financeiras.

Piquiá de Baixo é um bairro urbano com aproximadamente 1.100 moradores. Há mais de uma década as famílias do bairro têm lutado por direitos básicos e essenciais, como moradia digna, saneamento básico e viver em um local com melhor qualidade do ar, entre outros. Depois de tantos anos de luta, provavelmente neste ano, os moradores do bairro realizarão sua mudança para outro lugar, o bairro Piquiá da Conquista, no próprio município de Açailândia (MA). Ressalta-se que os moradores foram forçados a mudar devido à situação a que foram submetidos e às condições inóspitas de vida no bairro original.

As moradias no novo bairro foram construídas a partir do programa Minha Casa Minha Vida. Como é de conhecimento, na implantação do programa as famílias beneficiárias contraem débitos de financiamento por dezenas de anos com a Caixa Econômica Federal, gerando assim um passivo financeiro aos moradores de Piquiá de Baixo. Com a proposta são novamente penalizados com as operações da empresa. Isso contraria os princípios orientadores da ONU para empresas e direitos humanos, especialmente o princípio que se refere à obrigação de agir com “diligência devida” (princípio 15) em relação a toda a cadeia de valor.

Enquanto acionistas é importante atentar para os inúmeros problemas que a empresa vem causando aos territórios decorrentes da mineração e siderurgia.

Assim como em Brumadinho, em Minas Gerais, o bairro de Piquiá de Baixo sofreu e sofre diariamente com os impactos de poluição do ar e das águas, que causam doenças que levam à morte em função das atividades da mineração.

Portanto, faço os seguintes questionamentos:

– O Valor provisionado para reparar os danos em Brumadinho e Mariana serão suficientes para promover a reparação integral, sem gerar novos ônus às famílias impactadas, como no caso de Piquiá de Baixo?

– A Vale S/A tem previsão de aporte de valores para promover a reparação integral aos moradores de Piquiá de Baixo, qual seja, liquidar a dívida destes de moradia no Programa Minha Casa Minha Vida, o que condiz com a correta reparação integral?

A incerteza com esses dois pontos, que se constituem um não cumprimento de princípios internacionais sobre direitos humanos e empresas e não respeito a valores da empresa, acarreta insegurança jurídica aos investidores.

Por esses motivos é que reprovo o relatório da administração e as demonstrações financeiras do exercício de 2022, ora em apreciação.

Peço, por fim, que a presente declaração de voto, nas suas versões em português e inglês, seja devidamente numerada, autenticada e arquivada junto à ata da presente assembleia, conforme disposto na Lei das S.A.s, artigo 130, § 1º., “a” e “b”.

Aguardo resposta escrita a essas considerações em um prazo não superior a 30 (trinta) dias.

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