Assembleia de acionistas da Vale: falta de transparência em dados sobre acidentes e ações para evitá-los
Família é obrigada a esperar a passagem do trem da Vale, que atravessa a comunidade e impede o direito de ir e vir das pessoas. Atropelamentos com mutilações e mortes são registrados todos os anos. Foto: Felipe Larozza

No dia 26/04, acionistas críticas da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) participaram da assembleia anual da Vale para denunciar aos demais acionistas as violações de direitos cometidas pela mineradora. Cada acionista crítica comprou pelo menos uma ação da empresa para ter o direito de voz e voto na assembleia e assim reprovar os dados apresentados pela mineradora.

Hoje vamos divulgar a íntegra do terceiro dos cinco votos apresentados pelas acionistas críticas provando que, em muitos aspectos, o discurso da empresa é apenas isso: um discurso que serve para ludibriar toda a população e seguir encobrindo as mesmas violações que já vitimaram e vitimam milhares de pessoas todos os dias. Para conhecer os votos um e dois, clique aqui e aqui.

O terceiro voto denuncia, entre outras violações, a omissão de informações sobre os acidentes – especialmente atropelamentos – provocados pelos trens da Estrada de Ferro Carajás, de propriedade da Vale, que transporta minério de ferro entre o Pará e o Maranhão. A ferrovia atravessa 22 municípios, sendo quatro no Pará e 18 no Maranhão. Em muitos trechos a estrutura logística corta territórios de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, causando atropelamentos de pessoas e animais, tendo como resultado mortes e mutilações.

“Fazendo um recorte sobre acidentes ocorridos relacionado às operações da empresa, tem-se que na Estrada de Ferro Carajás, estrutura logística utilizada pela empresa Vale S/A para transporte de minério de ferro para exportação entre os estados do Pará e Maranhão, entre 2018 e 2022 foram registrados 37 casos de atropelamentos, de acordo com dados da ANTT. São dados muito preocupantes, tendo-se em vista que diversas são as comunidades perpassadas pela ferrovia. A empresa concessionária da ferrovia é obrigada a reportar de acordo com Resolução da própria Agência as informações relativas aos acidentes ocorridos, no entanto, fica adstrita apenas a números, sem detalhamento do procedimento de apuração, investigação das causas, tampouco as medidas tomadas para a segurança.”

Leia abaixo o voto na íntegra.

Se quiser saber mais sobre a estratégia de denúncia do acionismo crítico, baixe nossa publicação “Acionistas Críticos: os 10 anos de atuação da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale”, de 2020. Hoje já são 14 anos que as acionistas críticas utilizam estratégias de contra-narrativa para apresentar seus votos contrários às decisões da Vale que reforçam ou promovem crimes e violações de direitos humanos.


Voto 3

ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA DE ACIONISTAS DA VALE S.A. 2024

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024.

AUSÊNCIA DE TRANSPARÊNCIA NA DIVULGAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DOS DADOS DOS ACIDENTES.

Voto pela NÃO aprovação do Relatório da Administração 2023.

Ponto Específico: No item correspondente ao tema Nossa Sustentabilidade com relação aos dados sociais.

Venho por meio desta declaração expor o meu voto de não aprovação do relatório da administração e demonstrações financeiras referentes ao exercício social de 2023 pelas seguintes razões:

É de interesse como acionista e investidora desta empresa obter informações claras e objetivas sobre a questão de segurança das operações da empresa, tanto do ponto de vista ocupacional quanto o risco a terceiros, uma vez que, como observado nos últimos anos, há uma grande variação dos valores das ações à medida que são reportados e denunciados acidentes ocorridos relacionados às operações da empresa. Explico.

Na página 31 do relatório administrativo são apresentados os dados dos acidentes com membros da comunidade. Segundo a empresa, em 2023 foram registrados 105 acidentes com membros de comunidades que resultaram em 11 fatalidades – 31% a menos em comparação com 2022 –, e 115 ferimentos não fatais. A empresa informa que houve um aumento geral de 18% de 2022 para 2023, considerando tanto lesões fatais quanto não fatais. A preocupação aqui se apresenta com relação ao modo como são feitas essas apurações de acidentes, quais medidas estão sendo realizadas para evitá-los e de que modo a empresa tem reportado para as agências reguladoras, a exemplo da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Fazendo um recorte sobre acidentes ocorridos relacionado às operações da empresa, tem-se que na Estrada de Ferro Carajás, estrutura logística utilizada pela empresa Vale S/A para transporte de minério de ferro para exportação entre os estados do Pará e Maranhão, entre 2018 e 2022 foram registrados 37 casos de atropelamentos, de acordo com dados da ANTT. São dados muito preocupantes, tendo-se em vista que diversas são as comunidades perpassadas pela ferrovia.[1]

No período de 2018 a 2022, a média de atropelamentos na Estrada de Ferro Carajás foi de 7.4/ ano, o que comparado com a média dos cinco anos anteriores (2013-2017), que foi de 6.2/ano, representa um aumento de 16,2%.

A empresa concessionária da ferrovia é obrigada a reportar de acordo com Resolução da própria Agência as informações relativas aos acidentes ocorridos, no entanto, fica adstrita apenas a números, sem detalhamento do procedimento de apuração, investigação das causas, tampouco as medidas tomadas para a segurança.

Desse modo, não é transparente como a empresa trata esses casos, nem como pretende evitá-los, atuando de modo que não se repitam.

Nas cidades que possuem as estruturas de barragens observa-se a mesma insegurança e falta de transparência com relação às investigações e medidas que serão tomadas para garantir a não repetição dos casos de rompimento, como ocorrem nas cidades de Mariana e Brumadinho, Minas Gerais. Pelo contrário: criou-se um verdadeiro terrorismo de barragens, colocando as pessoas em seus territórios em estado de constante alerta de socorro, levando grande sensação de medo a elas, que por vezes deixam seus territórios, o que causa o adoecimento diversas vezes relatado.

A Vale S.A alega plena conformidade com o Padrão Global da Indústria para Gestão de Rejeitos (GISTM) para todas as estruturas de armazenamento de rejeitos (EARs), e alega ter concluído 43% do Programa de Descaracterização de Barragens a Montante desde 2019, totalizando 13 estruturas eliminadas. No entanto, de acordo com estudos e notícias, ainda existem 38 barragens a montante, três destas em nível máximo de emergência, sendo que de acordo com previsão de lei estadual, a determinação era de que as barragens fossem todas descaracterizadas até fevereiro de 2022, o que não foi cumprido, e a empresa foi multada em R$ 425 milhões de reais, assinando um termo de acordo que estende o prazo até 2035[2].

Assim, tem-se uma situação de extrema fragilidade, imprevisibilidade e, sobretudo falta de transparência com toda a sociedade, comunidades e territórios atingidos, assim como com os acionistas, que se veem em situação precária de segurança jurídica dos negócios.

Diante desse cenário, questiona-se à empresa:

  1. A Vale S/A tem em sua plataforma meios que disponibilize acesso às investigações dos acidentes?
  2. A empresa Vale S/A possui um plano de segurança para que chegue ao número zero de acidentes ocorridos com membros da comunidade?
  3. Pensando no Valor Respeito às comunidades, como estas são informadas e têm seus interesses respeitados com relação aos reportes realizados? E quanto à insegurança e acidentes que acontecem em seus territórios devido à logística das operações da empresa e ou empresas ligadas a sua cadeia de produção?

Assim, devido à falta de transparência sobre quais serão os investimentos e a dissonância com seus valores e diretrizes é que reprovo o relatório da administração e as demonstrações financeiras do exercício de 2023, ora em apreciação.

Peço, por fim, que a presente declaração de voto nas versões em português e em inglês sejam devidamente numeradas, autenticadas e arquivadas junto às atas da presente assembleia, conforme disposto na Lei das Sociedades Anônimas (Lei Federal n. 6404/1976), artigo 130, § 1º., “a” e “b”.   

Aguardo resposta escrita a essas considerações em um prazo não superior a 30 (trinta) dias. 


[1] https://dados.antt.gov.br/dataset/relatorio-de-acompanhamento-de-acidentes-ferroviarios-raaf

[2] https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/02/28/minas-gerais-ainda-tem-38-barragens-a-montante-tres-estao-em-nivel-maximo-de-emergencia.ghtml

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