Assembleia de acionistas da Vale: omissão de informações sobre obrigação de reparação em Brumadinho
Protesto de atingidos e atingidas pelo crime da Vale na bacia do Rio Paraopeba ocupam a BR 262, em Juatuba, MG, em 25 de janeiro de 2021, dois anos após o crime da empresa em Brumadinho. Foto: Nadia Nicolau / Midia NINJA

No dia 26/04, acionistas críticas da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) participaram da assembleia anual da Vale para denunciar aos demais acionistas as violações de direitos cometidas pela mineradora. Cada acionista crítica comprou pelo menos uma ação da empresa para ter o direito de voz e voto na assembleia e assim reprovar os dados apresentados pela mineradora.

Hoje vamos divulgar a íntegra do segundo dos cinco votos apresentados pelas acionistas críticas provando que, em muitos aspectos, o discurso da empresa é apenas isso: um discurso que serve para ludibriar toda a população e seguir encobrindo as mesmas violações que já vitimaram e vitimam milhares de pessoas todos os dias. Para conhecer o primeiro voto, clique aqui.

Este segundo voto denuncia, entre outras violações, a omissão de informações sobre as ações de reparação executadas diretamente pela Vale a longo prazo no contexto do crime cometido em Brumadinho (MG). “Ao mensurar as despesas decorrentes do rompimento das barragens de rejeito B-1, B-IV e B-IVA, a empresa Vale S.A. também deixou de detalhar a respeito da sua condenação em razão dos danos individuais homogêneos, obrigação que não foi contemplada pelo Acordo global que versou sobre os danos coletivos”, diz trecho do voto crítico.

Leia abaixo o voto na íntegra.

Se quiser saber mais sobre a estratégia de denúncia do acionismo crítico, baixe nossa publicação “Acionistas Críticos: os 10 anos de atuação da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale”, de 2020. Hoje já são 14 anos que as acionistas críticas utilizam estratégias de contra-narrativa para apresentar seus votos contrários às decisões da Vale que reforçam ou promovem crimes e violações de direitos humanos.


Voto 2

Dívida líquida expandida e provisionamentos: passivos relacionados à reparação em Brumadinho e à gestão de segurança de barragens em Minas Gerais

Voto pela NÃO APROVAÇÃO do relatório e das contas da administração e demonstrações financeiras referentes ao exercício social de 2023, pelas razões apresentadas abaixo.

Considerando a referência da dívida líquida expandida de U$$ 16,2 bilhões informada pela Vale S.A. em seu balanço sólido do Relatório da Administração 2023, a empresa mencionou que houve um aumento de U$$ 2,0 bilhões motivado pelo potencial do Acordo global de reparação, pactuado em fevereiro de 2021 entre a empresa, as Instituições de Justiça e o Estado de Minas Gerais[1], diante da sua obrigação de reparar os danos socioambientais coletivos em razão do desastre causado pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG. Ademais, apresentou que as despesas reservadas à reparação dos respectivos danos possuem uma previsão de declínio a partir de 2026.[2]

Diante dos processos de reparação em curso em razão do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, situada no Complexo do Paraopeba do Sistema Sul da Vale S.A., colapso das barragens B-I, B-IV e B-IVA ocorrido em 25 de janeiro de 2019, fica explícita a imprevisibilidade das despesas da empresa Vale S.A. por diversas razões, sobretudo ao considerarmos as ações judiciais ainda sem decisão de mérito, bem como as ações de reparação executadas diretamente pela empresa a longo prazo, informações que são omitidas no Relatório. A título de exemplo, uma operação de risco vigente foi a liberação pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais (SEMAD), em 2019, da cava da mina Córrego do Feijão para depósito de mais de 7 milhões de m³ de rejeitos de minério pela Vale S..A, que teve origem com os rompimentos. A licença emitida que liberou a atividade foi suspensa por decisão da Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2021, sendo liberada em setembro do mesmo ano, sem a licença ambiental completa e antes da apresentação do estudo de impacto ambiental conclusivo sobre a caracterização do rejeito pela empresa, o qual é exigido no Acordo global. Há um aquífero confinado abaixo da cava, interligando aos poços artesianos[3], entretanto, com essa operação, a Vale S.A. potencializou um risco iminente para as comunidades do Tejuco (2km), Córrego do Feijão (2,8) e para a cidade de Mário Campos, cidade limítrofe de Brumadinho. Não há transparência da empresa sobre o risco de contaminação das águas subterrâneas em razão do depósito do rejeito de minério na cava e, se comprovado, o Acordo Global exige que a empresa Vale S.A. precisará remediar os impactos que causar, uma vez que várias comunidades poderão ser atingidas. Essa hipótese tem implicado diretamente na paralisação da produção agrícola de diversas propriedades rurais dependentes do abastecimento hídrico para o seu sustento, causando perdas imensuráveis para a economia local em razão do desastre socioambiental, configurando-se como danos supervenientes ao colapso. O monitoramento da empresa é precário e não há publicidade das informações da operação, ou mesmo divulgação dos estudos de avaliação de risco à saúde humana e risco ecológico que são produzidos pelo grupo EPA.

De forma complementar, ao mensurar as despesas decorrentes do rompimento das barragens de rejeito B-1, B-IV e B-IVA, a empresa Vale S.A. também deixou de detalhar a respeito da sua condenação em razão dos danos individuais homogêneos, obrigação que não foi contemplada pelo Acordo global que versou sobre os danos coletivos. Trata-se da Ação Civil Pública processo nº 5071521-44.2019.8.13.0024, que tramita na 2ª Vara da Fazenda Públicas e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, na qual em 19 de dezembro de 2023 foi instaurado o início da fase de liquidação de sentença, ou seja, de resolução coletiva das indenizações patrimoniais e extrapatrimoniais sofridas individualmente pelas pessoas atingidas em razão do rompimento das barragens, obrigação de pagar da Vale S.A. enquanto ré na referida ação judicial. Além disso, por meio da inversão do ônus da prova, a empresa deverá comprovar quando o dano não tiver sido de sua autoria, baseado nos relatórios técnicos dos peritos que ainda estão sendo produzidos e serão apresentados no decorrer do processo judicial.[4]

Portanto, ambos os casos demonstram que  a Vale S.A. deixou de apresentar aos acionistas informações sobre as imprevisibilidades dos processos de reparação em curso, em razão do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão. Configuram-se incertezas futuras para os acionistas, se considerarmos os custos e as despesas totais que poderão ampliar sua dívida líquida expandida atual motivada pelo potencial risco de suas operações e das decisões processuais em que a Vale S.A. configura como ré.

Não obstante, na página 27 do Relatório da Administração 2023, a Vale S.A. menciona que tem como ambição alcançar zero fatalidades com a melhoria na segurança e gestão de barragens, visando até 2025 eliminar as barragens que estão no nível de emergência 3. Confirma que está em conformidade com o Padrão Global da Indústria para Gestão de Rejeitos (GISTM) para todas as estruturas de armazenamento de rejeitos (EARs), e que vem executando o Programa de Descaracterização de Barragens a Montante desde 2019. Este programa teve um dispêndio total de R$8,1 bilhões entre 2019 e 2023, e o saldo de provisões para o programa em 2023 totalizou R$16,7 bilhões. Entretanto, a empresa omite em seu Relatório o risco reputacional da empresa e sua responsabilização em casos de novos colapsos de barragens.

A Vale. S.A. tornou-se réu na Ação Penal nº 1003479-21.2023.4.06.3800, diante da denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais pelo colapso das barragens B-I, B-IV e B-IVA, da mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019, a qual imputou aos acusados os crimes de homicídio doloso duplamente qualificado, por 270 vezes, bem como crimes contra a fauna, flora e de poluição, sendo 16 pessoas naturais indiciadas, das quais 11 são funcionários da empresa Tüv Süd[5].

Após a conclusão das investigações sobre o caso criminal em curso, a Promotoria apontou o conluio entre a empresa Vale S.A e a empresa Tüv Süd, comprovando a emissão de uma declaração falsa de estabilidade da barragem B-I. Além disso, de que o objetivo da empresa foi esconder a situação de instabilidade da barragem e manter as operações de suas atividades, omitindo aos trabalhadores e trabalhadoras sobre as simulações de segurança realizadas pela empresa antes do rompimento. Conforme as provas processuais, a Vale S.A. foi responsável pelo colapso e tinha conhecimento de que a sirene não funcionaria neste caso, não tendo as pessoas tempo para se salvarem. Essas informações foram reveladas em janeiro de 2023, após a remessa da ação penal para a 2ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Belo Horizonte do Tribunal Regional Federal da 6ª Região.

Outro cenário de insegurança para os acionistas é a situação da barragem a montante Forquilha III[6], da mina da Fábrica, situada na divisa das cidades de Itabirito e Ouro Preto, em Minas Gerais, com 77 metros de altura e represa 19,47 milhões de m³ de rejeito, classificada como nível 3 de emergência segundo a Resolução ANM nº 95/2022.

Em 15 de março de 2024 técnicos da Vale S.A. detectaram uma anomalia em um dos 131 drenos da barragem Forquilha III. A consultoria Aecom, contratada pela empresa, emitiu um laudo no dia 21 de março, recomendando a paralisação das atividades de descaracterização da barragem até a conclusão do diagnóstico da situação atual, sendo a anomalia classificada com pontuação 10, a mais grave possível.[7] É pública a informação de que em caso de rompimento, o material verterá para o Ribeirão Mata-porcos, sentido a Itabirito, passando pela cidade e chegando ao Rio das Velhas. Ao cair no Velhas, a lama seguirá até a Estação de Tratamento de Água (ETA) Bela Fama, da Copasa, localizada em Honório Bicalho, distrito de Nova Lima, que abastece 2,4 milhões de pessoas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e 70% da população da capital. A captação de Bela Fama é feita a fio d’água, sem reservatórios, e a contaminação do rio poderá inviabilizar totalmente sua operação. Levando em conta a gestão deste complexo, qual o custo para a empresa Vale S.A. de um novo desastre?

Cumpre informar que a empresa somente comunicou às autoridades competentes sobre a anomalia no dia 04 de abril de 2024, mas reportou ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais que havia comunicado aos órgãos competentes sobre a anomalia de forma imediata. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, enquanto órgão fiscalizador das ações preventivas e de segurança adotadas pela empresa, atestou diversas vezes que medidas adotadas nesta operação são insuficientes para conter um novo desastre. Além disso, emitiu a Recomendação nº 01/2024 à Vale S.A., no Inquérito Civil n. MPe 04.16.0461.0069745/2024-58, em 26 de março de 2024, em razão de a empresa ter descumprido o art. 17, XIV, da Lei Federal nº 12.334/2010 e 12-A, VI, da Lei Federal nº 12.608/2012, agindo de má-fé e deixando de informar para a Agência Nacional de Mineração (ANM) e para a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), no prazo de 24 horas, sobre a identificação da anomalia no dreno.

Logo, a empresa violou os princípios da boa-fé e da transparência, descumprindo a legislação de regência e o Termo de Compromisso firmado com o MPMG.[8] O documento recomenda à Vale S.A. que cumpra o seu dever de informar à população interessada de forma verídica, tempestiva, completa e de forma acessível, sobre os riscos e condições de segurança da barragem Forquilha III e demais estruturas da mina da Fábrica.

Diante das razões apresentadas, conclui-se que a Vale S.A. omitiu informações no Relatório da Administração 2023 a respeito dos prazos e provisionamentos relativos ao cumprimento das suas obrigações firmadas. A falta de publicidade em seu balanço impossibilita que haja, de fato, por parte dos acionistas, uma reflexão a respeito dos reais impactos a longo prazo. É de extrema relevância que a companhia reveja seus provisionamentos anuais e onde estão os dados pormenorizados. O princípio da transparência deve ser centralidade para a empresa, sobretudo em relação às suas operações de risco e potenciais danos em razão da gestão de seus complexos minerários em operação e das ações de reparação.

Por fim, peço que a presente declaração de voto seja devidamente numerada, autenticada e arquivada junto à ata desta assembleia, conforme disposto na Lei nº 6.404/1976 Lei das S.A.s, nos termos do art. 130, “a” e “b”, e que a resposta escrita a estas considerações e indagações não ultrapassem o prazo de 30 (trinta) dias corridos.

Acionista


[1] Para mais informações sobre o Acordo Global de reparação: https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho/pagina/entenda-o-acordo-judicial-de-reparacao-ao-rompimento-em-brumadinho

[2] Informação na página 26 do Relatório da Administração 2023.

[3]https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/5857-nota-publica-vale-joga-rejeito-do-crime-na-cava-da-mina-do-corrego-do-feijao-mg

[4] https://guaicuy.org.br/nova-decisao-juiz-indenizacao-avanca/

[5] Observatório das Ações Penais sobre a tragédia em Brumadinho. Acesso em: https://obspenalbrumadinho.com.br/

[6] https://barragens.mpmg.mp.br/barragem-forquilha-iii/

[7] https://manuelzao.ufmg.br/barragem-da-vale-em-emergencia-apresenta-anomalia/

[8]https://www.mpmg.mp.br/data/files/E5/72/CE/0C/5EEAE810314F44E8760849A8/Recomendacao%20Vale%20Forquilha%20III.pdf

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