Conheci o advogado Danilo Chammas em 2011, quando a Pública dava seus primeiros passos. Formado em Direito pela PUC-SP, com experiência em litígios internacionais, ele havia acabado de concluir o Mestrado na Universidade de Ottawa. Podia escolher a cidade e o emprego que quisesse; mas Danilo quis morar em Açailândia, no interior do Maranhão, e trabalhar em uma pequena organização de defesa de direitos humanos, a Justiça nos Trilhos, que atua ao longo da Estrada de Ferro Carajás, a ferrovia da Vale na Amazônia.
Com mais de 900 quilômetros de extensão – das minas de ferro na Floresta Nacional de Carajás, no Pará, ao porto de exportação do minério em São Luís do Maranhão – a ferrovia corta 27 municípios, 22 áreas de conservação ambiental, terras indígenas, quilombolas e assentamentos de reforma agrária. Além da poluição do ar e da água causada pela exploração mineral, os moradores dessas comunidades têm sua vida marcada pelo barulho ensurdecedor da passagem diária de 35 trens compostos por 330 vagões repletos de minério de ferro – “que construiu metade de Xangai”, como ouvi de um executivo chinês. Os atropelamentos são comuns – os trilhos não têm proteção nem passarelas para travessia – assim como os protestos que interrompem a circulação dos trens; esses respondidos com processos movidos pela companhia contra os manifestantes.
É para esse povo, coberto pela fuligem das guseiras, que Danilo Chammas trabalha, e não apenas no Maranhão. A Justiça nos Trilhos é um dos motores da Articulação dos Atingidos e Atingidas pela Vale, fundada em 2010, quando a maioria dos brasileiros ignoravam que a multinacional brasileira violava direitos de indígenas – os Xikrin do sudeste do Pará, por exemplo, perderam o rio para a contaminação provocada pela exploração de níquel -, ribeirinhos, trabalhadores e agricultores familiares no Brasil, no Canadá, na África – recentemente a Vale foi condenada por violações de direitos em reassentamentos de comunidades em Moçambique.
Muito antes dos crimes cometidos pela companhia em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, esses militantes já denunciavam o absoluto descaso da companhia pela vida, além de práticas ilegais, como a espionagem de movimentos sociais e jornalistas. E o faziam de forma inteligente: cientes da cobertura preconceituosa da imprensa em relação aos movimentos sociais, eles aprenderam a se fazer ouvir frequentando as assembleias dos acionistas – eles compraram pequenas quantidades de ações para poder participar – e denunciando aos investidores a realidade que não aparece nos coloridos relatórios de Sustentabilidade distribuídos pela empresa a esses mesmos acionistas. Tive o prazer de participar de uma dessas assembleias e ver a contrariedade dos executivos da companhia por terem de incluir nas atas os relatos de violações de direitos e de destruição do meio ambiente documentados pelos militantes.
Por tudo isso, confesso que senti uma ponta de orgulho quando vi Danilo e sua colega Carolina Moura Campos, da Articulação de Atingidos e Atingidas pela Vale, acompanhados de familiares de vítimas de Brumadinho, ocuparem as primeiras páginas dos jornais alemães na semana passada. As fotos mostravam a frente da empresa Tuv Sud – aquela que deu o laudo atestando a estabilidade da barragem de Brumadinho – ocupada pelos ativistas cobertos de lama com uma placa com os dizeres: “Contra os Lucros Inescrupulosos” em alemão e por uma exposição de retratos das vítimas da companhia. Acabaram sendo recebidos pelos diretores da empresa.
O grupo – que está percorrendo diversos países e vai à ONU e ao Parlamento Europeu – também entrou com uma queixa-crime contra a companhia na Alemanha e, junto com uma coalizão de mais de 70 organizações e sindicatos, trabalha para a aprovação no Parlamento alemão da “Lei da Cadeia Logística” para responsabilizar todas empresas que atuam na cadeia de produção pelas violações de direitos humanos que ocorrem na ponta – ali no Maranhão, no Pará, em Moçambique, onde for.
Apesar do ceticismo inevitável de meus 40 anos de profissão, gente como Danilo Chammas enche meu coração de esperança. É para contar suas histórias que vale a pena continuar a trabalhar.