Brumadinho 5 meses depois

Vagner Diniz seria avô do pequeno Lorenzo. Sua nora, Fernanda Damian de Almeida, estava grávida de 5 meses. A chegada do novo membro da família estava prevista para maio, mas os planos foram interrompidos por um dos maiores desastres humanitários e ambientais do século: o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. A tragédia tirou 246 vidas, entre elas a da nora grávida e dos dois enteados de Vagner, que cinco meses depois tenta transformar o luto em luta. Além dos mortos, 24 pessoas ainda estão desaparecidas.

Uma das formas que Vagner encontrou para cobrar das autoridades o mínimo de justiça foi a criação de uma mobilização online, pedindo que a empresa responsável pela catástrofe, a Vale, faça um memorial para que o crime de Brumadinho nunca seja esquecido. Aberto na plataforma Change.org, o abaixo-assinado se une a outros três, que juntos somam mais de 1 milhão de apoiadores exigindo que a mineradora seja responsabilizada civil e criminalmente, que outras barragens comprometidas sejam fechadas e que haja uma investigação ampla dos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos minerários do país.

VAGNER DINIZ, COM A ENTEADA, A ESPOSA HELENA TALIBERTI E O ENTEADO (FOTO: REDE SOCIAL)

“A vida vale mais do que o lucro. Desculpem-nos por tirar-lhes a vida!”. Esses são os dizeres que o engenheiro Vagner e os membros da Associação de Amigos de Brumadinho querem ver pelos próximos 20 anos em memoriais fixados na entrada principal das sedes e filiais da Vale no Brasil e no mundo. “Vidas humanas não são minério de ferro! Nenhum lucro justifica a morte de 270 pessoas!”, destaca o texto da petição. “Não vamos deixar que este crime passe batido!”

Além dos memoriais, que deverão contar com fotografias das vítimas em mural envidraçado, o pedido de reparação moral inclui que durante 20 anos os executivos da Vale que presidirem assembleias de acionistas leiam o seguinte texto antes de iniciar as reuniões: “A vida vale mais do que o lucro. Às vítimas de Brumadinho, desculpem-nos por tirar-lhes a vida. Peço um minuto de silêncio em respeito aos mortos de Brumadinho, convidando todos a ficarem em pé”.

“Essa é uma primeira de uma série de petições que vamos fazer no sentido de pressionar a Vale a cumprir o seu papel como empresa que deve responsabilidade não só aos familiares das vítimas como também à sociedade”, destaca o engenheiro. Vagner é padrasto de Camila Taliberti e Luiz Taliberti, mortos na tragédia. O rapaz morava na Austrália e passava férias em Brumadinho, com a companheira gestante e sua irmã, que morava em São Paulo. Eles estavam hospedados na pousada Nova Esperança quando a barragem se rompeu.

“É um show de horror essa história. É inacreditável tudo o que você passa e ainda mais quando você, como parente de vítima, querendo informação é colocado no terreno do criminoso e o criminoso controla as informações”, comenta Vagner sobre os 16 dias que passou em Brumadinho aguardando a localização dos corpos de seus familiares. “Quem é que pode nos contar como é que nós chegamos a esse ponto de acontecer tudo isso que aconteceu, a ponto de morrerem 270 pessoas”, completa o engenheiro que mora em São Paulo.

A luta por reparação judicial

Nesta quarta-feira 26, exatamente um dia depois do desastre completar cinco meses, Vagner participou da primeira audiência do processo que sua família e os parentes de sua nora movem contra a Vale. Na reunião, apresentaram os pedidos de reparação moral e proposta indenizatória (10 milhões de reais por vítima), que não foram aceitos pelo advogado da mineradora.

“Foi patética a participação da Vale”, definiu o pai de consideração Camila e Luiz Taliberti. O engenheiro explica que a empresa não apresentou nenhuma contraproposta, querendo que o processo fosse interrompido por 30 dias para um acordo, sem apresentar, entretanto, quais seriam as bases desse acordo. Quanto ao pedido de construção do memorial, segundo Vagner, o advogado da Vale respondeu que o assunto ainda não tinha sido discutido em conselho.

“Não temos nenhum interesse de enriquecer com as mortes dos nossos próprios filhos, não precisamos disso”, enfatiza Vagner, explicando que o valor pedido foi baseado em cálculos de relatórios da própria empresa mineradora para casos de acidentes com rompimento de barragens. Vagner, que não tem outros filhos, lembra que Camila e Luiz eram muito “grudados”, embora morassem em países diferentes. Ele era arquiteto e estava numa carreira “meteórica” na Austrália, ela era advogada e vivia em São Paulo.

Vagner espera que a justiça seja feita a partir da prisão e punição dos culpados, da memória da tragédia e não esquecimento por parte da Vale e da punição financeira de acordo com o poder econômico que a empresa possui. “O luto é um processo em que você tem que se ressignificar, se entender como uma outra pessoa. Você não vai ser nunca mais a mesma pessoa. Tem que buscar o que você vai ser a partir de agora. É um processo bem difícil, o mais difícil”, finaliza.

“O povo está farto de impunidade”

Mesmo sem nenhuma ligação com as vítimas, o advogado cível e tributarista Pedro Nunes Barros, de 29 anos, criou uma das maiores mobilizações por justiça a Brumadinho. Seu abaixo-assinado, também hospedado na Change.org, acumula mais de 487 mil assinaturas. Em março, o advogado, que mora no Rio de Janeiro, foi até o Ministério Público de Minas Gerais entregar parte das assinaturas coletadas à promotora Luciana de Paula, que integra a força-tarefa responsável pelas investigações da catástrofe de Brumadinho.

“Creio que compartilho uma indignação que é coletiva de muitos cidadãos brasileiros e o senso de que a gente tem o dever de não deixar as instituições responsáveis pela defesa dos direitos coletivos se esquecerem e deixarem passar batido um desastre como esse”, cometa Pedro. Para o advogado, as medidas tomadas pela Vale nesses cinco meses têm sido insuficientes. “Eu creio que para uma empresa bilionária, ela poderia estar fazendo muito mais”, diz, ressaltando que a mineradora tem um faturamento líquido de “alguns bilhões de reais” por ano.

O ADVOGADO PEDRO BARROS ENTREGANDO PARTE DAS ASSINATURAS AO MP (FOTO: YAHISBEL ADAMES/CHANGE.ORG)

A mobilização criada por Pedro partiu, de acordo com ele, da indignação da Vale não ter tomado nenhuma precaução depois do rompimento da barragem no município mineiro de Mariana, em 2015. “Não existe outra justiça possível se não a reparação integral”, comenta o advogado. “Espero que essa mobilização a favor de Brumadinho passe a mensagem de que o povo está farto de impunidade”, acrescenta Pedro, desejando quebrar a ideia de que normas de proteção ambiental são inconvenientes e entraves ao desenvolvimento nacional.

“Eu espero que essa mobilização passe a mensagem de que não existe desenvolvimento nacional que seja mais importante do que a preservação da vida e da dignidade”, conclui.

O outro lado

A equipe da Change.org entrou em contato com os assessores de imprensa da Vale para saber o posicionamento da empresa quanto ao pedido de reparação moral contido no abaixo-assinado. A mineradora, entretanto, limitou-se à seguinte nota: Desde o dia 25 de janeiro, a Vale está trabalhando intensamente na reparação ao meio ambiente e aos atingidos. A empresa assegura que continuará intensificando sua atuação nesse sentido.

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