O defensor público da comarca de Santa Cruz, Christiano Paiva, e o perito da Defensoria, Adacto Otoni, estiveram na manhã desta quarta (9) na região da Reta João XXIII, no bairro, para uma inspeção in loco que verificou alguns dos impactos da instalação e operação da siderúrgica Ternium Brasil (antiga TKCSA) na vida da comunidade. A visita se deve a disputa judicial entre a companhia e moradores em torno da responsabilidade da empresa por danos à saúde humana e ambiental, aos modos de vida, além de prejuízos financeiros causados pela siderúrgica ítalo-argentina.
Hoje estão em curso 238 ações de famílias do lugar visando responsabilizar a empresa por, basicamente, três tipos de consequências de sua instalação: poluição atmosférica, impactos estruturais causados pela linha férrea e alagamentos ocorridos na época da chegada da Ternium (TKCSA), há 14 anos. A decisão da Justiça deverá considerar um laudo técnico feito por um especialista designado pelo juiz do caso. As duas partes – a empresa e os moradores – também contam, cada qual com um assistente técnico que deve garantir a imparcialidade do laudo.
De acordo com o despacho do juiz Livingstone dos Santos Silva, em 2018, as perícias podem ser acompanhados pelos técnicos das duas partes. O defensor, o assistente técnico e os moradores responsáveis pelo acompanhamento foram avisados em apenas uma das visitas do perito designado pelo juiz. Na diligência que chegou ao conhecimento dos moradores, ocorrida em 18 de dezembro de 2018, havia o acordo de que as partes se encontrariam às 9h para dali seguirem até os locais. Três moradores e o assistente técnico da Defensoria Pública esperaram por cerca de uma hora e meia no local combinado, até que decidiram ir embora. Surpreendentemente, um outro morador recebeu o perito designado pelo juiz, acompanhado por dois pesquisadores da PUC-Rio, pouco tempo depois e avisou aos demais. Só assim representantes da comunidade puderam acompanhar diligência.
Desta vez, o foco da inspeção do assistente técnico da defesa foi ouvir os moradores diretamente atingidos e checar inconsistências e falhas de procedimento no laudo técnico do perito designado pelo juiz, que já está pronto. Apresentar um parecer sobre as conclusões deste documento é o papel do defensor público.
O perito que assessora a defensoria, o engenheiro ambiental Adacto Otoni, destacou suas primeiras impressões. “Nós constatamos que esse desvio de 90 graus do Canal de São Fernando gerou um bruto assoreamento. Inclusive vemos uma ilha de dejetos e lodo, comprovando visualmente que o desvio vai agravar os problemas de inundação”, comentou. Otoni ainda observou que algumas das casas próximas ao canal, que sofrem com os alagamentos, foram construídas pela CEHAB – Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro, indicando que o desvio era que havia sido mal projetado. “Será que a CEHAB é que fez o projeto errado?”, questionou, com base em uma constatação do laudo feito pelo perito designado pelo juiz, que diz que as inundações foram causadas por moradias construídas em locais indevidos.
Poeira escura e danos à estrutura das casas
A poeira escura que se sedimenta sobre tudo na Reta João XXIII também indica que a Ternium tem liberado na atmosfera um material que pode ser nocivo à saúde dos moradores. É o que relatam alguns deles. “Tenho laudos médicos que dizem que devido ao pó da CSA estou com alergia. Meu rosto comicha, tenho muita dor e inflamações nos ouvidos”, contou Rosemery Duarte, que há anos convive com a siderúrgica na vizinhança.
Problemas respiratórios também são comuns entre as pessoas que vivem no local. “Além dos problemas oftalmológicos e dermatológicos tem também problemas respiratórios, por causa desse pó que cai 24h por dia na gente, na nossa comida. Na verdade, essa convivência afeta nossa saúde em geral”, revela a moradora Margareth dos Reis.
A siderúrgica sustenta, entretanto, que suas emissões têm sido absolutamente inofensivas tanto para o meio ambiente quanto para os moradores. “Há indícios de que há emissões que estão poluindo o entorno porque não é normal você ter uma poeira preta como esta”, observou Otoni. Ele ainda visitou o interior de casas com paredes danificadas pela linha férrea utilizada no transporte de minério. “Quando o trem passa vazio, treme pouco. Agora quando ele passa com a carga completa, treme tudo. Pode ser a hora de noite ou do dia que for. Nossa casa fica tremendo”, contou Salvina Barbosa da Silva, moradora que vive ao lado da linha de trem que transporta minério para a empresa e chegou a conhecer a comunidade sem a presença da Ternium.
Apesar de exaustos os moradores seguem na luta por seus direitos, por reparação e pelo fechamento da siderúrgica. Segundo a coordenadora do Pacs, Marina Praça – que também acompanhou a inspeção -, a reparação deve ser o ponto de partida para um desfecho justo.
“As ações que estão agora em processo de perícia são de quase 10 anos atrás e os moradores não aguentam mais. É muita injustiça e impunidade legitimadas pelo Estado brasileiro e fluminense. O mínimo seria que os moradores recebessem alguma indenização após anos de impactos, violações ambientais, de direitos humanos e, principalmente, à saúde. O caso Ternium é bem simbólico de que o lucro vem das vidas. Para lucrar se expropria vidas, corpos e bens comuns. Em processo de total impunidade. Pode tudo, vale tudo e ai de quem reclamar!”, comentou Praça.
Após a inspeção o especialista da Defensoria pública e o defensor vão elaborar um parecer a respeito do laudo e de sua metodologia. Os moradores seguem mobilizados e o Pacs de olho.