Comunidades da Indonésia pedem ajuda ao Brasil para impedir violações da Vale

O Brasil e o mundo sabem do potencial de destruição da Vale. As imagens da lama despejada pela empresa sobre Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, ficaram internacionalmente conhecidas quando a barragem de Fundão e a barragem I, da mina Córrego do Feijão, se romperam em 2015 e 2019, respectivamente.

Mas para além dos grandes crimes da empresa em território nacional, há as violências diárias cometidas por ela contra povos e comunidades impactados por suas atividades ao redor do mundo. No episódio #18 do podcast Vozes que Vale(M)!, vamos levar vocês a uma vila na Ilha de Sulawesi, na Indonésia, para ouvir o pedido de ajuda de agricultores e agricultoras que tentam proteger seus modos de vida, seu sustento e a floresta de mais uma tentativa da Vale de violar o ventre da terra para dar lucro a seus acionistas.

Comunidades tradicionais ameaçadas pela extração de níquel

Na parte sul da Ilha de Sulawesi fica o segundo maior lago da Indonésia, o Lago Towuti. É um lago milenar, com mais de 560 quilômetros quadrados de superfície, quase 200 metros de profundidade e pelo menos 26 espécies endêmicas.

Na margem leste do lago fica a comunidade Loeha Raya, formada por cinco vilas. A comunidade é margeada por três grandes montanhas que, junto com o lago, formam um fértil ecossistema de floresta tropical, que abriga flora e fauna exuberantes, além de dezenas de nascentes que deságuam no Lago Towuti.

Todas essas condições naturais trouxeram sempre muita fartura às famílias de Loeha Raya, que vivem da pesca e também do cultivo e comercialização de pimenta.

Hoje, toda esta riqueza e prosperidade estão ameaçadas pela empresa PT Vale Indonésia, que pretende expandir a exploração de níquel avançando sobre as áreas de cultivo e reserva da comunidade.

Décadas de exploração

A história de exploração massiva de níquel pela Vale na Ilha de Sulawesi começou em 1968, por meio de acordos de concessão entre o governo e a empresa. Hoje, a companhia possui concessão de exploração de uma área de mais de 118 mil hectares na ilha como um todo, e outros 70 mil hectares na parte Sul de Sulawesi, onde está a comunidade Loeha Raya.

A Indonésia é o maior produtor de níquel do mundo, com cerca de 20% da participação global. Nos últimos cinco anos, a expansão tem sido intensa, e inclui a construção de cerca de 19 fundições de níquel. A PT Vale Indonésia é a maior e mais antiga empresa de mineração de níquel do país.

O projeto de expansão da Vale recai sobre a Montanha Lumereo, ou Bloco Tanamalia, uma das três montanhas que margeiam a comunidade e onde estão as plantações de pimenta pertencentes a milhares de agricultores que cultivam nestas áreas há gerações. A empresa nunca consultou a população sobre o empreendimento, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Se a ambição da Vale for adiante, os impactos para as famílias e o ambiente serão irreparáveis.

Perda da produção e comércio locais

Cerca de 90% dos membros da comunidade trabalham nas plantações de pimenta, com uma produção anual de 20 mil toneladas. Com a perda das áreas de produção para a mineração, toda uma economia será destruída, desde quem planta até quem colhe e vende. Com a redução do produto no mercado e a demanda em constante crescimento, os preços irão aumentar, afetando também a ampla comercialização do produto.

Com a derrubada da floresta tropical para a instalação do projeto, a poluição do ar, das águas, a eliminação de nascentes e o impacto profundo no solo levarão à morte a flora e a fauna endêmicas, e também o ecossistema do Lago Towuti.

A perda da cobertura florestal vai exacerbar a atual crise climática. O calor geotérmico aumentará, seguido por secas e crises de água e alimentos como impactos de longo prazo da mineração.

Além disso, a dragagem em áreas mais altas da montanha tem o potencial de causar deslizamentos de terra, especialmente durante a estação chuvosa.

Os conflitos sociais em torno da área do projeto também podem prejudicar a coesão social da comunidade, com efeitos piores sobre mulheres e meninas. A disputa por terras, a falta de trabalho, de alimento, de água e de perspectivas sociais levarão à vigilância e violência por parte dos agentes de segurança da empresa, ao crescimento de conflitos internos e externos, e à violência doméstica e de gênero contra mulheres e meninas.

Resistência da comunidade

A comunidade de Loeha Raya não está inerte. Organizados em associações e fóruns, seus membros têm feito protestos nas ruas e solicitado ao presidente do país, Joko Widodo, e aos executivos da Vale, Vale Canadá e da Sumitomo Metal Mining, que são acionistas da PT Vale Indonésia, que não avancem com a expansão sobre a Montanha Lumereo, e que respeitem direitos socioambientais, especialmente os das mulheres.

Há relatos de que funcionários e policiais a mando da Vale têm ameaçado agricultores e agricultoras, dizendo que se eles se juntarem aos protestos serão presos, e suas plantações serão apropriadas pela empresa.

No ano passado, três pessoas de comunidades impactadas pela Vale que protestavam por respeito aos seus direitos foram presas após tumulto iniciado por seguranças privados da empresa. Outras quatro pessoas foram espancadas.

De acordo com o integrante de uma organização local, há temor sobre os riscos que a comunidade sofre ao protestar. Mas há, também, esperança no apoio à luta vindo de diversos lugares, inclusive de grupos e entidades do Brasil, como a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

“A presença da Vale está prejudicando a vida das pessoas ao redor das montanhas Lumereo, ou do Bloco Tanamalia, especialmente a vida dos produtores de pimenta e das mulheres. Além disso, o futuro das gerações e do ecossistema da floresta tropical, que é o habitat da flora e fauna endêmicas de Sulawesi. Se a Vale continuar a minerar nas Montanhas Lumereo ou no Bloco Tanamalia, o habitat da flora e da fauna endêmicas de Sulawesi será destruído e a comunidade, especialmente as mulheres, sofrerá. No momento, o apoio das pessoas no Brasil, especialmente das ONGs brasileiras, é muito, muito importante e necessário para a preservação do ecossistema da floresta tropical nas montanhas, das vidas dos produtores de pimenta e das mulheres ao redor das montanhas Lumereo, que estão atualmente ameaçadas pela expansão da mina de níquel da PT Vale Indonésia”, afirmou o integrante da organização local, cujo nome será mantido em sigilo por segurança.

Neste momento, a comunidade está se organizando para enviar denúncias a órgãos internacionais, e também ao governo brasileiro, berço onde nasceu a Vale, e onde começou seu histórico de décadas de violência e destruição.

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