Comunidades Quilombolas interditam Estrada de Ferro Carajás, operada pela Vale, no Maranhão

Entre as principais reivindicações, a titulação dos territórios quilombolas: manifestantes acusam empresa de criar obstáculos para o reconhecimento de seus territórios e denunciam a demora do poder público em relação aos processos de regularização fundiária das áreas. 

Na manhã desta terça-feira, 23 de setembro, membros de várias comunidades quilombolas do interior do Maranhão interditaram a Estrada de Ferro Carajás, na altura do município de Itapecuru, que fica a cerca de 90 km de São Luís.

Além de Itapecuru, estão presentes comunidades quilombolas dos municípios de Santa Rita, Miranda do Norte e Anajatuba.

Presentes na interdição, membros das comunidades de todas as idades, entre eles estudantes dos ensinos fundamental e médio.

Os manifestantes se queixam dos impactos causados pela empresa Vale em seus territórios, bem como dos obstáculos à titulação, muitos deles interpostos pela própria empresa, segundo apontam os membros das comunidades quilombolas, e outros, resultantes da falta de estrutura nos órgãos fundiários, notadamente o Incra, Instituto federal que deveria ser responsável pelo processo, bem como o Iterma, no âmbito do Estado do Maranhão.

Além disso, denunciam a má vontade do Estado em resolver a questão. As comunidades cujos processos de titulação estão em estágio avançado, “empacaram” nos órgãos fundiários, o que demonstra que a questão não é tratada com a seriedade exigida, pelos governos federal, estadual e mesmo em nível municipal, como se houvesse um conluio para criar obstáculos aos territórios.

Territórios denunciam impactos da Vale e morosidade do poder público

Na esfera federal, eles denunciam que toda vez que procuram o Incra para saber quando finalmente a questão da regularização fundiária estará resolvida, ouvem sempre que não há previsão, pois faltam recursos e estrutura. “Para as comunidades é assim, sempre falta recurso e estrutura? Por que só quando é para resolver o nosso problema que é assim?”, denunciam, e apontam: “Só sairemos daqui quando resolvermos esse nosso problema. Não dá mais para ficar ouvindo sempre essa mesma conversa”. A alegada falta de estrutura também é acionada em relação aos demais problemas dos territórios, seja pelas prefeituras, seja ainda pelo governo estadual: nunca se tem recurso para saúde e educação nas comunidades, por exemplo.

“Nem bem interditamos a ferrovia e imediatamente apareceu um carro sem identificação, com uma pessoa que também não se identificou, procurando saber quem estava causando prejuízo à Vale. Ora, aqui não é coisa de uma pessoa só. São várias comunidades, de vários municípios atingidos por essa empresa, que entra nas nossas terras, que entra nos nossos territórios, destruindo tudo. São várias pessoas, com vários problemas causados por ela. Não é coisa de uma pessoa só ou de uma liderança. São nossos territórios, nos quais ela entra em nossas áreas e sai destruindo e devastando tudo, nossas terras, nossas travessias. Com o desmatamento causado, as terras ficam sem prestar para a colheita. A água fica barrenta. A passagem dos trens provoca rachaduras nas casas das pessoas, nas escolas, nos postos de saúde. Até nossa travessia atrapalha, até para levar um doente para o hospital. Se for caso de morte, a pessoa morre”, desabafam participantes do movimento.

Os manifestantes indignaram-se com a acusação de quem são eles que estão perseguindo a Vale, e denunciam que na verdade são eles os atingidos pela empresa e pelas parcerias que esta estabelece com agentes que prejudicam as comunidades, como fazendeiros e latifundiários que tem se instalados não apenas nas proximidades, mas em muitos casos em áreas pertencentes aos seus territórios. Os obstáculos à titulação das áreas quilombolas têm favorecido o latifúndio e o agronegócio no interior do Maranhão, numa parceria de cumplicidade entre a mineradora e esses agentes: eles contribuem com os ataques da Vale aos territórios, que se intensificaram com o processo de duplicação da ferrovia, e a presença da Vale e sua força junto aos órgãos que deveriam titular as áreas fortalece, por sua vez, a presença de grileiros, fazendeiros, plantadores de eucalipto e sojicultores.

Mesmo nos casos de melhorias que deveriam ser feitas pela Vale nas áreas das comunidades em razão de serem cortadas pelos seus trens não são devidamente observadas pela empresa. Os trens carregados de minério passam pelas áreas durante todo o dia: são doze trens indo em direção à Serra dos Carajás, no Pará, e doze voltando, carregados de minério, em direção ao Porto de Ponta da Madeira, em São Luís;  as composições foram ampliadas para mais de 330 vagões, cujos impactos vão desde o barulho, interrupção das passagens a rachaduras nas construções, entre outros, como os já citados. Próximo ao local de interdição pelos manifestantes, há uma das travessias colocadas pela empresa, onde podem ser observados vários problemas, apontados pelos comunitários: iluminação que não funciona, rachaduras na passagem, que denuncia a falta de qualidade na edificação, e outros defeitos, entre os quais a não existência de cancelas para bloquear o caminho durante a passagem dos trens, o que compromete  a segurança dos moradores das áreas impactadas pelas atividades da empresa.

Além do carro que trouxe a pessoa não identificada que abordou os comunitários em nome da Vale, querendo saber quem estaria “perseguindo a empresa”, minutos depois apareceu outro veículo, que ficou estacionado a certa distância. Dessa vez, ninguém se aproximou dos manifestantes, logo de início. Mais uma vez, nenhuma identificação no veículo, cuja placa estava praticamente recoberta pela poeira (ainda assim, dava para identificar como sendo registrado na cidade de Marabá, no estado do Pará). Depois de perceberem o veículo, algumas pessoas aproximam-se e fotografam. Dele sai um indivíduo trajando macacão igual aos utilizados nas empresas que prestam serviços à Vale. Percebendo que estava sendo observado, ele também aponta sua câmera fotográfica, faz registros, entra no carro e sai em disparada. Os manifestantes dizem não ser incomum esse tipo de patrulhamento promovido pela empresa.

Os presentes ao ato avisam que somente deixarão a ferrovia livre quando a titulação de suas terras for resolvida. Além disso, divulgaram Carta Denúncia para chamar a atenção da sociedade para as várias violações de direitos patrocinadas pela Vale nas comunidades atingidas por suas atividades.

Publicado em Terça, 23 September 2014

Fonte: Escrito por Claudio Castro

CARTA DENÚNCIA

CARTA DENÚNCIA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ITAPECURU, SANTA RITA, ANAJATUBA E MIRANDA

Itapecuru-Mirim (MA), 23 de setembro de 2014

Desde que nossos antepassados foram sequestrados da África e trazidos para o Brasil para servir de mão de obra para o homem branco e construir esse país, que se tornou nosso também, temos lutado pelo reconhecimento e concretização de nossos direitos. Não faz nem um século que esses direitos começaram a ser reconhecidos legalmente no Artigo 68º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e nos artigos nº 215 e nº 216, ambos da Constituição Federal, na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Decreto nº 4.887/2003, na Instrução Normativa n° 49 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/ Ministério do Desenvolvimento Agrário), nas Portarias nº 127 e nº 342 de 2008, e na Portaria da Fundação Cultural Palmares n° 98/2007. No entanto, reconhecer direitos não basta para assegurá-los, é preciso exercitá-los!

A política fundiária do Brasil é inexpressiva em relação à regularização dos territórios quilombolas. Por outro lado, para os interesses do agronegócio, da mineração, do hidronegócio, de projetos eletrointensivos, essa mesma política é dinâmica e eficaz. Orçamento e quadro técnico necessários para a realização dos procedimentos referentes à regularização fundiária dos nossos territórios são reduzidos. Atualmente, o Incra possui 1.290 processos abertos para regularização de terras quilombolas. 88% desses processos não possui sequer RTID, ou seja, não estão nem na primeira etapa do processo. Apenas 0,12% do território nacional possui titulação de terras quilombolas! Enquanto os demais estabelecimentos agropecuários representam cerca de 40%!

No Maranhão, existem 527 comunidades quilombolas, distribuídas em 134 municípios, concentradas principalmente nas regiões da Baixada Ocidental, da Baixada Oriental, do Munim, de Itapecuru, do Mearim, de Gurupi e do Baixo Parnaíba. A população quilombola do Estado é composta por 1.362.567 de pessoas, correspondendo à quase 340 mil famílias. Em dez anos  somente 11 portarias foram publicadas. A lentidão do Estado favorece o extermínio das comunidades quilombolas que são enredadas em conflitos fundiários gerados por atores diversos.

Como fato desta afirmação, diversos foram os despejos de comunidades quilombolas, bem como o assassinato de suas lideranças. Ademais, grandes projetos agropecuários e da mineração atingem violentamente comunidades quilombolas. Mais recentemente, um trabalhador rural quilombola foi atropelado pelo trem da Vale, no quilombo Jaibara dos Nogueiras, em Itapecuru-Mirim.  que está sendo duplicada sem discussão com os afetados e a sociedade. Na comunidade de Mata de São Benedito, a empresa Florestas Brasileiras polui o único açude da comunidade.

É preciso ainda afirmar que o sucateamento dos órgãos estadual e federal responsáveis pela reforma agrária no estado, Instituto de Colonização e Terras do Maranhão – ITERMA e INCRA, traduzem a omissão e a falta de comprometimento dos Governos (estadual e federal) com a reforma agrária e com as normas constitucionais que determinam a titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas.

Do mesmo modo, é desesperador presenciar a omissão do Poder Judiciário do Estado diante de tanta injustiça! Até quando esperaremos que a Justiça Maranhense assuma de uma vez por todas a sua responsabilidade social? Como podemos negar a ação determinante do Judiciário no acirramento dos conflitos agrários e urbanos ao conceder liminares de reintegração de posse sem o menor critério valorativo? Quantos magistrados neste estado já colocaram um pé sobre uma área de conflito? Quantos já foram ver de perto os estragos causados pelo grande capital, que paga para “enterrar” os maranhenses? Por que o Tribunal de Justiça do Maranhão não julga os responsáveis pelas mortes de camponeses no estado?

Nos livros falam que há dois séculos fomos libertados. Como pode haver libertação quando o que nos é fundamental para a nossa reprodução material, cultural, ambiental, econômica, política e social não está em nossas mãos?

Nossa forma de ser e viver está intrinsecamente relacionada ao território, se o território não está livre, nós também não estamos!

Assinam esta carta:

Buragir (Itapecuru)

Benfica (Itapecuru)

Cachoeira (Itapecuru)

Data Mocambo(Itapecuru)

Estopa (Itapecuru)

Jeibara dos Nogueiras (Itapecuru)

Joaquim Maria (Miranda do Norte)

Jiquiri  (Itapecuru)

Mandioca (Itapecuru)

Mata de São Benedito I (Itapecuru)

Mata de São Benedito III (Itapecuru)

Monge Belo (Itapecuru)

Moreira (Itapecuru)

Oiteiro dos Nogueiras (Itapecuru)

Retiro São João da Mata (Anajatuba)

Ribeiro (Itapecuru)

Santa Maria dos Pretos (Itapecuru)

Santa Maria dos Pinheiros (Itapecuru)

Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru)

São Bento (Itapecuru)

Vila Nova (Santa Rita)

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