Conversas Cidadãs debate impactos da mineração: ‘A gente não sabe quando a nossa Chernobyl vai ser admitida’

O projeto Conversas Cidadãs, série de debates realizada pelo Goethe-Institut Porto Alegre em parceria com o Sul21, debateu na noite desta terça-feira (6) os impactos socioambientais de grandes projetos de mineração que estão em processo de licenciamento ambiental no Rio Grande do Sul.

O evento foi iniciado com a estreia de um mini documentário produzido pelo Sul21 sobre a mineração, resultado de reportagens realizadas nos últimos dois anos no Estado. O vídeo de 15 minutos mostra a mobilização de comunidades que serão atingidas pelos impactos de grandes projetos de mineração, no extremo sul do Estado e também na Região Metropolitana de Porto Alegre.

Primeira palestrante do evento, Michele Ramos, integrante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), destacou em sua fala que o Rio Grande do Sul é uma “nova fronteira mineral” que está na mira da exploração de grandes grupos mineradores nacionais e estrangeiros. Ela afirmou que há, atualmente, 166 projetos de mineração em andamento, seja em fase de autorização de pesquisa ou de pedido de concessão de lavras. Desses, há quatro grandes projetos em processo de licenciamento ambiental: Caçapava do Sul (cobre, zinco e titânio), Lavras do Sul (rocha fosfáltica), São José do Norte (titânio) e na Região Metropolitana de Porto Alegre (carvão).

Contudo, o número de possíveis minas a serem exploradas no RS seria muito maior. Michele salientou que a Agência Nacional de Mineração aponta a existência de 22 mil áreas com potencial para serem exploradas pela mineração no Estado. “Tem quatro projetos em fase de licenciamento, mas todo o entorno já está mapeado para expansão futura”, afirmou.

Michele afirmou que o Rio Grande do Sul hoje não é um dos principais estados mineradores do País — a liderança em atividade de mineração hoje é do Pará, seguido por Minas Gerais, Bahia e Goiás, disse –, mas ponderou que esse cenário pode mudar a médio prazo. “O que ocorre é que esses estados já têm um nível de mineração consolidado, com as mineradoras extraindo em ritmo elevado. Nos próximos 15 ou 20 anos, podemos ter o RS como um dos principais estados mineradores do Brasil, ficando atrás apenas de Pará e Minas. Então, a situação é bastante preocupante”, disse.

A ativista chamou atenção para o fato de que a comunidade de São José do Norte, por exemplo, corre o risco de ver as economias agrícolas e da pesca artesanal prejudicadas com a instalação de uma mina à beira da Lagoa dos Patos. Da mesma forma, as cidades de Eldorado e Charqueadas, onde pretende se instalar uma mina de carvão em uma área de assentamento da reforma agrária e de pequenos produtores, pode sofrer perdas para a atividade agrícola que hoje é responsável por parte da produção que alimenta as feiras de hortifrutigranjeiros da Capital. “As comunidades estão em luta porque entendem que já tem um nível de organização econômica e cultural”, disse.

Na mesma linha, Juliana Mazurana, assessora programática da área de justiça socioambiental da Fundação Luterana de Diaconia, alertou que apenas os quatro projetos de mineração mais próximos de saírem do papel no RS já causarão um grande impacto ambiental e socioeconômico, especialmente no que diz respeito aos povos tradicionais.

Juliana destacou que a maior parte dos projetos de mineração está na área de preservação do Bioma Pampa e junto a nascentes de rios. Três dos projetos impactam diretamente a Lagoa dos Patos. Áreas de reserva de Mata Atlântica também serão afetadas. “Todos os projetos de mineração se sobrepõem a áreas prioritárias de conservação da biodiversidade”, afirmou.

Além disso, destacou que irá afetar povos e comunidades tradicionais que costumam contribuir para a preservação ambiental, uma vez que possuem sistemas de produção agrodiversos, têm preocupação com a conservação da água e o manejo sustentável dos ecossistemas, bem como geram renda a partir da biodiversidade.

Ela salientou que há uma concentração de comunidades indígenas nos arredores da Mina Guaíba e na região do Rio Camaquã. “No Brasil, se imagina que o RS não tenha comunidades indígenas. A gente tem que afirmar cada vez mais que tem sim”, disse. Juliana apontou que há 118 terras indígenas em 87 municípios do RS — 40 delas só em um raio de 100 km da Mina Guaíba –, 167 comunidades quilombolas em 85 municípios e mais de 40 colônias de pescadores artesanais, grande parte deles em áreas potencialmente atingíveis por projetos de mineração.

Disputa de narrativas

Última a falar no evento, Tatiana Ribeiro, professora e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (Gepsa) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOR), abordou os impactos da mineração em Minas Gerais. De acordo com ela, há sempre uma disputa de narrativa envolvendo esse tipo de projeto. De um lado, as empresas e suas promessas de geração de emprego e de desenvolvimento, que acabam “seduzindo” muitas pessoas. E, de outro, a narrativa das pessoas atingidas, que apontam para a criação de situações de dependência econômica, de deslocamento forçado, desterritorialização, contaminação e intoxicação.

“É inevitável que haja dois lados, porque estamos falando de interesses opostos. [Sobre os desastres ambientais que ocorreram em Minas Gerais]. De um lado, a empresa sabe que tem responsabilidade civil, que deve responder pelas danos, mas quer resolver da maneira mais econômica para ela. Do outro, as comunidades atingidas querem reparação integral. Não é possível conciliar quando falamos de interesses opostos, então falamos de um campo de disputa”, disse Tatiana.

Ela ponderou que essa disputa de narrativas começa, por exemplo, quando se define se os recentes rompimentos de barragens em Minas Gerais são acidentes ou crimes ambientais. “Não é um desastre de Mariana, é um desastre da Samarco que ocorreu em Mariana e afetou toda a bacia do Rio Doce. Ele não iniciou no dia 5 de novembro de 2015, ele começou quando foi aprovada a licença para que ela fosse construída acima de uma comunidade. E ele é um desastre que continua acontecendo e ainda não foi resolvido”, afirmou.

Tatiana também destacou que, por mais que os governos, como o do Rio Grande do Sul, defendam que projetos de mineração podem realizar a extração de forma sustentável, a atividade é, por natureza, insustentável. “A mineração é uma atividade em que, se tudo der certo, vai dar ruim. Dando ruim, pode dar muito pior. Como é o caso do rompimento das duas barragens em Minas Gerais”, disse.

Ela afirmou ainda que, para além das mortes, da contaminação do solo e da água, há ainda estragos provocados pelo rompimento das barragens que sequer estão sendo contabilizados. Ela afirmou que um caso que está sendo praticamente invisibilizado é o da cidade de Barra Longa, vizinha ao município de Bento Rodrigues, um dos mais afetados pelo rompimento da barragem do Fundão, em 2015. Ali, um estudo realizado recentemente com 11 moradores constatou contaminação no sangue por metais pesados. “A gente não sabe quando a nossa Chernobyl vai ser admitida”, disse.

Para finalizar, a professora comparou a decisão de autorização de novas barragens a um quadro que viu no próprio Instituto Goethe, palco do debate, que trazia os dizeres: “Eles serravam os galhos em que estavam sentados”. “Mas o efeito vai chegar até para eles”, complementou.

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