“Que bom que a Articulação pensou e ofertou um Curso sobre Comunicação Popular. Que pena que o acesso às tecnologias ainda não é democratizado o que dificultou muito a participação. E que ótimo seria se aqueles que conseguiram participar de todos os encontros puderem replicar a aprendizagem do curso em suas comunidades, e gestarem estratégias de resistência e enfrentamento a Vale e demais mineradoras”, avaliou Ana Gabriela Chaves, ativista do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração de Itabira-MG. Ana foi uma das participantes do curso de Comunicação Popular realizado pela Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) e finalizado na última segunda-feira (30).
O objetivo do curso foi estimular o estudo, reflexão e prática para comunicação local e virtual, considerando as realidades e necessidades das comunidades, das redes e articulações no enfrentamento as violações por megaprojetos. E como Ana mencionou um dos primeiros desafios foi o acesso a uma infraestrutura de internet de qualidade que permitisse manter a conexão por mais de uma hora em uma formação remota. Já que a maior parte dos educandos reside em áreas rurais.
Mesmo com essa dificuldade, tivemos 48 inscrições de pessoas de diversos territórios impactados pela mineração no Brasil. Desse total, a maioria mulheres negras que tiveram a possibilidade de trocar e aperfeiçoar experiências já desenvolvidas em suas localidades durante seis módulos de formação, no período de outubro a novembro deste ano. Os temas discutidos nos encontros remotos foram: produção de conteúdo (som, foto, vídeo, arte gráfica), comunicação estratégica, segurança digital, jornalismo comunitário e investigativo.
“É fundamental para a justiça e democracia uma comunicação autônoma junto à promoção da cultura local. Entendendo a comunicação enquanto direito humano e que deve, pode e já está sendo produzida na defesa dos territórios e na luta contra a implementação de megaempreendimentos”, explica o facilitador do curso, Leandro Bonecini. Genilson Guajajara, um dos educandos, reforça essa perspectiva humana da comunicação, mesmo com os desafios de acesso e conexão com a internet: “O curso foi bom, eu faltei somente dois dias porque aqui na aldeia a internet oscila bastante. Mas aprender as ferramentas e os processos de comunicação é importante para que possamos poder dizer que a natureza precisa da gente, que dependemos dela e ela da gente”.
Genilson participou da localidade de Piçarra Preta, Terra Indígena Rio Pindaré, no município de Bom Jardim (MA). Ele é fotógrafo e integrante do coletivo Pinga Pinga. O grupo reúne 10 jovens de comunidades tradicionais e indígenas da região do Vale do Pindaré. Uma produção feita pelo coletivo – o vídeo “Wyra’u Haw: A grande festa”, que retrata o ritual do povo indígena Guajajara quando a menina entra no ciclo menstrual pela primeira vez e o menino na puberdade, foi um dos estudos de casos de comunicação debatido por todos os participantes no curso.
Para Luzia Nazaré, participante de Mariana – MG, uma das atividades interessantes da formação foi a criação coletiva de um glossário de palavras. “O glossário foi importante porque construímos a partir de nossas falas e linguagens. Quando o povo vem das empresas, povo de fora, com palavras como masterplan, eu não entendo. Só depois que descobri que tinha a ver com mapa. Eles vêm com palavras corporativas e estranhas que não entendemos. A partir do glossário podemos melhorar nossa forma de falar e ensinar para as mineradoras”. A partir do curso, Luzia também participou como apresentadora do podcast Vozes que Vale(m), produzido pela AIAAV, como um exercício sobre produções em áudios.
Silvia Mirian David Alves, educanda de Itabira-MG, divide hoje a apresentação do podcast com Luzia. Segundo ela foi sua primeira experiência em pensar e executar mídias comunicativas e que todo o aprendizado vai ajudar a organizar melhor as ações da diocese do município, já que parte da Pastoral da Comunicação (Pascom) da paróquia de Santo Antônio . “Gostei muito do curso e do conteúdo, os materiais foram excelentes. E a oportunidade de produzir um podcast foi muito bacana. Eu queria continuar”, ressaltou.
Comunicação autônoma na defesa dos territórios
As comunidades de Ana, Genilson, Luzia e Silvia são impactadas de formas diferentes pela atuação da mineradora Vale. A Terra Indígena onde Genilson mora é uma das afetadas pela Estrada de Ferro Carajás. Por ela são transportados minérios de ferro sem qualquer proteção deixando um rastro de destruição. O pó de minério que cai dos vagões polui rios, igarapés, matas e o ar respirado pelas pessoas que estão na área de influência da estrada. Outro problema é o trepidar das locomotivas que provoca rachaduras nas casas.
Já Ana e Silvia residem em Itabira – berço da Vale em Minas Gerais. A mineradora tem 15 barragens no município, das quais cinco ficam próximas do perímetro urbano – entre elas, as duas maiores, Pontal e Itabiruçu. Em alguns bairros, as casas terminam onde começa a represa de rejeitos de minério de ferro. Já Luzia ainda vive um processo de reparação lento e injusto, ainda sem poder voltar para sua casa em Paracatu de Baixo desde 2015, com o rompimento da barragem de Fundão.
Todos eles têm em comum serem atingidos pela Vale, já que não tiveram a livre escolha de querer ou não morar em uma área com atuação intensa de mineração. Contudo, decidiram por estar no caminho de luta produzindo denúncias sobre o direito de resistir. E a comunicação popular é uma aliada neste processo. “Há uma concentração da mídia hegemônica (radiodifusão e internet) que muitas vezes impedem ou silenciam os povos de manifestarem seus modos de ser e conviver com a Abya Ayla (mãe terra). E por isso, a necessidade de conhecer a história da concentração dos meios de comunicação e defender sua democratização”, conclui Leandro.