O desembargador Marcelo Rodrigues, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), deferiu o pedido da Vale para cortar as medidas de ajuda de custo garantidas para a comunidade do Socorro, em Barão de Cocais (MG). Desde que a sirene disparou em fevereiro de 2019, mais de 500 pessoas tiveram que sair de suas casas, menos de um mês após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho. As medidas emergenciais foram conquistadas para que as famílias tivessem dignidade e condições de sobreviver enquanto não retornassem para suas casas.
A evacuação do território inviabilizou que as pessoas mantivessem a reprodução de seus modos de vida, tendo que passar a morar em hotéis e casas alugadas pela Vale, sem direito aos seus pertences. A empresa entrou com ação em 14 de setembro solicitando a suspensão das medidas de ajuda de custo e exigindo celeridade no processo de negociação para que ela obtenha a propriedade de todo o território de Socorro.
Em audiência de conciliação no dia 26 de outubro, o juiz da comarca de Barão de Cocais, Luiz Henrique Oliveira, determinou a continuidade do pagamento por mais um ano, permitindo ao término deste período a reavaliação dos fatos e da situação da comunidade. Além disso, o juiz determinou que a decisão fosse levada ao conhecimento dos acionistas da Vale e do mercado em geral, visto a relevância do fato. Não satisfeita, a Vale recorreu no dia 11 de novembro e recebeu decisão favorável do desembargador Marcelo Rodrigues no dia 13, onde determina a suspensão do pagamento de todas as ajudas de custo à comunidade de Socorro.
A moradora da comunidade de Socorro, Elida Couto, explica que as ajudas de custo foram conquistadas para as quatro comunidades que foram evacuadas: Socorro, Tabuleiro, Vila do Gongo e Piteiras. “A maioria das pessoas perderam toda sua fonte de renda com a expulsão da comunidade e hoje a única fonte de renda é essa medida paga por obrigação pela Vale. Essa é uma medida temporária, que tem de ser mantida até que nós retornemos à comunidade ou as negociações com os familiares forem finalizadas”, esclarece Couto.
A liderança da comunidade repudia a decisão do desembargador e denuncia o total desconhecimento que essas consequências podem gerar à população atingida. “Para o desembargador um salário mínimo não faz a menor diferença, mas para a gente que não tem praticamente nada é muito. Tudo que a gente tinha foi roubado pela Vale, então isso para a gente faz muita diferença. A empresa usa a mídia para tentar se passar de boazinha e mascarar a realidade, mas a verdade é que ela negociou com poucas famílias e a ainda não indenizou a maioria”, denuncia Elida.
Para Nickolson Resende, morador da Vila do Gongo, a decisão do desembargador é uma tragédia anunciada. “O desembargador concede uma vitória à mineradora, que nos expulsou de casa, chamando a renda de ‘emergencial’. Mas na verdade ela é uma renda mínima, pois é o mínimo que a Vale tem de fazer já que ela acabou com toda nossa fonte de renda e trabalho nas comunidades. A intenção da empresa é pressionar para que as pessoas aceitem as propostas ridículas que está fazendo e para que ela obtenha toda a propriedade da região de Socorro”, denuncia Resende.
Ainda segundo o morador, a realidade é muito distinta do que a Vale propagandeia na imprensa. “As pessoas evacuadas estão doentes, em depressão, sob stress e sofrendo todos os problemas da cidade que antes não sofriam. Além disso, a Vale tenta nos criminalizar, processando as lideranças das comunidades pelos atos de resistência que fizemos em nossa comunidade. Essa empresa é desumana, não tem decência e mente para a Justiça e toda a sociedade. Mas a Vale pode ficar atenta, pois toda ação gera uma reação e nós não vamos aceitar essa injustiça”, pontua Nickolson.
Para Luiz Paulo Siqueira, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a decisão do desembargador mantém um padrão das decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, constantemente, estão defendendo os interesses das mineradoras no estado.
“Há um padrão nas decisões do TJMG em sempre garantir os interesses do capital mineral. Existem casos que garantem os direitos do conjunto da sociedade, porém, infelizmente, têm sido raro. O desembargador relator da ação não tem a menor noção da realidade das comunidades evacuadas e de todo o terror que a Vale implantou em Barão de Cocais desde fevereiro de 2019. Ele toma uma decisão desse porte dois dias após receber o recurso da Vale, faz questão de citar que é para não prejudicar financeiramente a empresa solicitando, inclusive, que não seja divulgado aos acionistas da Vale a decisão em primeira instância. Há uma coesão nas ações do governo do estado mineiro, da Vale e do poder judiciário. Será preciso todo o empenho da sociedade e de muita luta organizada para superarmos essa conjuntura e impedir as atrocidades que o capital mineral tem realizado em Minas Gerais”, denuncia Siqueira.
INSEGURANÇA – Nesta semana a Vale anunciou que vai evacuar mais de 30 famílias da comunidade de Brumadinho, em Barão de Cocais, devido à elevação do nível de emergência da barragem Norte/Laranjeiras. As famílias da região afirmam que a Vale foi à comunidade no início do ano tentando comprar as propriedades e que, agora, vem com essa novidade avisando que todos têm de sair de suas casas.
“A Vale avisa que vai retirar o povo sem previsão de data para retornar, será que isso não é uma tentativa de tomar o território?”, questiona Elida. “Agora, ancorada na decisão do desembargador, ela tenta colocar medo e desanimar as pessoas, ela quer tomar nosso território assim como tenta tomar a comunidade de Brumadinho nesse momento. Mas nós não vamos abrir mão de nossa comunidade, queremos retomar nossas vidas e o local onde somos felizes, que é o território de Socorro”, finaliza.
A comunidade de Brumadinho e de Socorro estão na rota dos interesses minerários da, não à toa essa pressa em evacuar e dominar o território. Ao que tudo indica, a Vale vai precisar de vários outros desembargadores, pois se depender do povo a retomada do território é a principal luta a ser travada no próximo período.