“Novo ciclo do cobre traz chance para que mineradoras mudem sua imagem, dizem executivos”. Reportagem com esse título foi publicada e bastante replicada na segunda semana de março, noticiando a expectativa dos empresários do setor da mineração sobre o aumento da exploração do cobre, e o que isso pode representar para limpar [ou “mudar”, como diz a reportagem] a imagem a das mineradoras, maiores protagonistas de desastres humanos e ambientais dos últimos tempos.
O título e o que ele indica não poderiam ser mais precisos da atuação de muitas das transnacionais de mineração: ampliam o volume do discurso de “sustentabilidade” na mesma medida em que planejam ampliar o volume e intensidade do saque de bens naturais.
A conta dessa estratégia, é óbvio, não fecha.
Como ser ambientalmente responsável aumentando o saque? Como “respeitar as comunidades locais”, como diz um diretor da Vale na reportagem, se as comunidades e a natureza que as constitui são os saqueados?
Aliás, a Vale é paradigmática nessa estratégia de dizer uma coisa sempre que pretende fazer – ou faz – o contrário dela.
Assassinou quase 300 pessoas, de uma só vez, nos desastres de Mariana e Brumadinho – sem falar nas que mata a conta gotas com os impactos diários que suas atividades causam; destruiu cursos d’água, casas, comércios, templos religiosos, matou animais, destruiu produções de alimentos, impactou irreversivelmente florestas, águas e modos de vida tradicionais. De uma vez. Sempre soube dos riscos dos desastres, mas não os impediu. E depois que aconteceram, não os reparou – mas não deixou de anunciar a remuneração de seus acionistas.
Uma das soluções [para limpar o nome da empresa] foi criar, em 2021, uma diretoria executiva exclusiva para sustentabilidade.
Sustentabilidade é a palavra coringa de mineradoras e outras empresas que têm, na gênese da sua atuação, a destruição do ambiente e de modos de vida tradicionais. Essa palavra é usada por empresas de forma tão genérica e sem qualquer lastro na realidade que comporta tudo, até o contrário do que significa.
Ao criar a tal diretoria executiva de sustentabilidade, a empresa informou que passou por uma profunda reestruturação nos últimos quatro anos para promover o diálogo com as comunidades e aumentar a escuta ativa nos territórios onde atua.
Quem não sabe que a Vale persegue e processa as lideranças dessas comunidades que denunciam seus crimes?
Quem não sabe que a presença da Vale nas comunidades se dá por meio, muitas vezes, de antropólogos e sociólogos que atuam na desinformação, divisão e cooptação de moradores e lideranças para sufocar dissidências e insurgências contra os desmandos da empresa?
Essas e outras estratégias da transnacional estão bem descritas no relatório “Direitos Humanos e Empresas: a Vale S.A. e as estratégias de dominação, violações e conflitos envolvendo territórios, água, raça e gênero”, publicado em 2019 pela Justiça nos Trilhos.
A Vale, assim como outras mineradoras transnacionais, só podem mesmo fazer alterações nos discursos, porque na prática não é possível. Desastres como os de Mariana e Brumadinho, além de outras tragédias diárias que não ganham destaque na imprensa, não são casualidades, mas sim parte necessária do processo espoliativo capitalista que, para aumentar lucros, maximiza saque e escoamento de bens naturais à custa da violação de direitos humanos e ambientais.
“Indústria, consumidores, todos estamos na direção correta, que é respeitar comunidades locais. Essa é uma oportunidade fantástica de fazer a coisa certa e realmente impulsionar a sustentabilidade”, afirmou o diretor executivo da Vale na reportagem que citamos no início desse post.
O discurso do executivo, primeiro, lança mão de uma falsa simetria entre indústria e consumidores, como se estes ocupassem o mesmo lugar de poder e ação que a indústria. Em segundo lugar, com base nesse falseamento, o executivo, que é a voz da empresa nesse caso, tenta arregimentar para seu campo de atuação esse consumidor sem rosto. A Vale, na verdade, busca cúmplices para sua estratégia de aumento do saque: aumentamos a exploração porque o consumidor pediu, é o que afirma o subtexto. A narrativa de respeito às comunidades e sustentabilidade é apenas o efeito retórico e mágico que procura desviar a atenção do anúncio de mais espoliação planejada pela empresa.
Sustentabilidade é, na boca da Vale e de outras mineradoras transnacionais, uma palavra coringa, mas que não engana ninguém.