Em quatro anos, um tijolo

Às vésperas de completar quatro anos do rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP Billiton, a Fundação/Samarco comemora a colocação do primeiro tijolo da primeira casa do reassentamento de Bento Rodrigues, em Lavoura. Após anos de divergências e de projetos malfeitos pela Fundação, o marco evidencia que o momento não é de comemoração, e sim de luta pelos próximos passos nas obras do novo Bento.

Por Antônio Pereira Gonçalves (Dalua), Marly de Fátima, Marquinhos Muniz e  Mauro Silva
Com o apoio de Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho e Wigde Arcangelo

Pra mim, o primeiro tijolo simbolizou a renovação da minha esperança. Eu já estava desacreditada que isso, um dia, ia acontecer, porque a gente sabe que a empresa gosta muito de enrolar. Então, o primeiro tijolo sendo colocado fez a gente acreditar, deu forças pra continuar lutando. Mas, quando eles me chamaram pra conhecer o lote onde vai ser minha casa, veio uma decepção, pois não era nada daquilo que eu tava imaginando. É um lugar muito feio. Estou lutando pra eles me colocarem em um lugar melhor, onde eu espero ficar.

Marly de Fátima, moradora de Bento Rodrigues

Eu participei do evento, foi muito bonito o pessoal emocionado, todo mundo já esperando. Eu mesmo fiquei muito tempo com esperança, a gente fica naquela felicidade de ver aquilo acontecer. Porém, já tem quase 30 dias que foi colocado o tijolo e eu fui lá na semana passada, tava na metade daquela casa ainda. Eu falei com o pessoal da empresa: “eu não entendo. Porque fez todo aquele evento, tudo aquilo bonito, e não andou?”. Aí eles falaram: “ah, porque nós fizemos aquilo e não tinha a equipe contratada”. Se não tivessem a equipe contratada, acho que não deveria ter também o evento. A gente cria uma expectativa: começou, agora vai andar. Mas não, só começou. Por isso que existe tanto atraso.

Antônio Pereira Gonçalves (Dalua), morador de Bento Rodrigues

As pessoas começaram a ficar doentes, então, para tirar a ansiedade, começaram a fazer as casas. A gente vem acompanhando e, pelo dia que assentou o primeiro tijolo, pouca coisa andou. A Renova chamou a Rede Globo, a comunidade, chamou sei lá mais quem, pra fazer a divulgação, mas a obra mesmo tá muito devagar. Eu vejo que eles agem assim, enrolando pra ganhar tempo. Devolver aquilo que eles tiraram de nós não é somente a casa, foram tantas outras coisas. Indenização justa, por exemplo, porque o que perdemos não tem preço, dinheiro nenhum paga.

Marquinhos Muniz, morador de Bento Rodrigues

A sensação que eu tenho é, ao mesmo tempo, de esperança e de impotência, porque o começo da obra está sendo numa data que já era para ser o final da obra. Se as empresas tivessem realmente se empenhado em fazer aquilo que era proposto, aquilo pelo qual a Fundação Renova foi construída, que era reparar de forma justa e rápida, as coisas teriam acontecido. Mas a gente vê que tem se postergado muito. Decisões que eram pra ser tomadas em conjunto com os atingidos foram tomadas de forma unilateral e em desencontro com os anseios dos atingidos.

Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues

Até a entrega no prazo, a gente tem que prestar bem atenção. Porque uma coisa é entregar no prazo, mas você não pode nunca esquecer da qualidade do serviço. Tá sendo com qualidade? Tá sendo um serviço que você vai se sentir bem dentro daquela obra que tá ali? Eu não me importo se a empresa tá colocando 1, 2, 3, 10, 20 pedreiros pra fazer uma casa. O importante é que ela seja de qualidade, que a pessoa vai se sentir bem vivendo, de acordo com o proprietário da casa.

Antônio Pereira Gonçalves (Dalua), morador de Bento Rodrigues

Eu fico muito ansiosa para voltar pra minha casa, mas eu quero voltar e ficar bem, não quero voltar pra um lugar e continuar me sentindo mal, já chega estar numa casa que não é da gente. Como tá atrasado quatro anos, não me importo se atrasar mais dois ou três anos. Apesar disso, minha ansiedade é muita de voltar tendo minha casa, vou saber esperar com paciência.

Marly de Fátima, moradora de Bento Rodrigues

Nas audiências, a gente vê que as opiniões dos atingidos não são levadas em consideração. Estamos na audiência meramente como instituição figurativa, sem poder de voz. Eu percebo que nós estamos sendo usados para validar algo que já está previamente definido. O que as empresas vêm sempre pregando – isonomia, imparcialidade -, isso não tem acontecido. A gente lamenta, porque é um processo reparatório, não é nada que seja feito a título de bonificação, como se fosse algo que se faz para alegrar as pessoas, por assim dizer. O reassentamento é um ato de reparação por algo que foi retirado de forma criminosa, e essa reparação não tem sido feita de forma justa. A gente lamenta por esse espaço não ser democrático. Mas vamos continuar na luta, a gente não vai desistir.

Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues

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