Diplomata que bateu boca com Jean Wyllys não foi ao encontro com moradores de áreas atingidas pelas barragens, mas esteve presente para apoiar o governo de Donald Trump e oposição venezuelana em outro evento…poucos metros da sala onde as vítimas choravam seus mortos.
Maria Nazareth Farani Azevedo, a embaixadora do Brasil na ONU que na semana passada protagonizou um bate boca com Jean Wyllys, ignorou um evento nas Nações Unidas nesta terça-feira que reunia vítimas das barragens de Brumadinho e Mariana, além de relatores da ONU. Mas instantes antes de o debate sobre a situação no Brasil começar, ela estava em uma outra sala na ONU, poucos passos do local onde as vítimas brasileiras literalmente chovaram seus mortos. Maria Nazareth prestigiava um evento promovido pelo governo de Donald Trump para tratar da crise na Venezuela. O debate americano reunia nomes da oposição de Caracas e fora organizado para denunciar Nicolas Maduro.
A embaixadora não tomou a palavra. Mas tampouco encontrou tempo para sair do evento americano e dar apoio às vítimas brasileiras.
Para a reunião sobre os crimes em Minas Gerais, o governo brasileiro apenas mandou um secretário, um cargo bem abaixo do posto de embaixador na hierarquia no Itamaraty. Na diplomacia, o ato de enviar a uma reunião um funcionário subalterno ou a embaixadora tem um forte significado político.
Mas Maria Nazareth Farani Azevedo não teria de ter optado entre os dois encontros. A reunião sobre a situação da Venezuela terminou às 14.30h do horário de Genebra. Já o evento sobre a situação brasileira começaria exatamente às 14.30h. A distância entre as duas salas era de menos de 3 minutos, no mesmo andar do prédio da ONU.
A embaixadora, que na semana passada afirmou estar aberta ao diálogo, perdeu as lágrimas de Isabel Bento, moradora de Brumadinho. Chorando, a vítima falou da perda de seu irmão, Jonas. “Estamos em luto. Mães não receberam seus filhos para dar um enterro digno. Os funcionários da Vale morreram calados porque não podiam falar nada. A Vale matou meu irmão”, disse.
Para Leo Heller, relator da ONU para o Direito à Água, “o acidente não é culpa de Deus e nem de Newton”. “A narrativa era de que a culpa era de fenômenos físicos. Tanto o governo brasileiro como empresas tem responsabilidades claras em respeitar aos direitos humanos”, disse.
Outro relator da ONU, Baskut Tunkat, também mandou uma mensagem gravada e insistiu que quer visitar o Brasil para avaliar a situação das barragens. Seu pedido tem ocorrido desde o ano passado, sem uma resposta positiva por parte nem do governo de Michel Temer e nem Jair Bolsonaro.
Ao final do encontro, o diplomata enviado pela embaixadora pediu a palavra. Ele manifestou “total solidariedade com vitimas e familiares”. “Nós todos reconhecemos a magnitude da tragédia”, disse. Ele, porém, garantiu que o governo de Bolsonaro está disposto a receber as visitas de relatores e que as missões apenas não ocorreram por conta do período eleitoral no Brasil.
De acordo com ele, as visitas de relatores serão retomadas no segundo semestre do ano. Mas, como há quinze pedidos de missões de especialistas da ONU, a fila promete ser longa. O Itamaraty insiste que não houve um veto à missão para avaliar as barragens. Mas tampouco deu uma data para as visitas.
Procurada, a chancelaria em Brasília apenas respondeu depois que uma primeira versão da matéria havia sido publicada. De acordo com o Itamaraty, “a decisão sobre quem comparece a reuniões pela representação diplomática é corriqueira e atribuição natural dos chefes dos postos na gestão dos recursos humanos do posto”.
Nas últimas duas semanas, Maria Nazareth tampouco esteve presente em eventos públicos na ONU com a viúva de Marielle Franco, Mônica Benício, com indígenas, com defensores de direitos humanos e com o movimento LGBT. Em todos, ela enviou diplomatas subalternos, que leram declarações do compromisso do governo com os direitos humanos.