“Meninos do Trem”, assim é conhecida a problemática do embarque clandestino de crianças e adolescentes nos trens de cargas do Corredor de Carajás. O problema já se tornou um fenômeno e é pesquisado pelo Ministério Público Estadual do Maranhão há mais de 10 anos. Com o objetivo de investigar a responsabilidade da empresa Vale S.A. como concessionária da Estrada de Ferro Carajás (EFC) sobre a segurança do transporte, o MPE, por meio do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOP-IJ), acompanha a pesquisa de um engenheiro canadense por todo o corredor de Carajás.
Com esse estudo pretende-se elaborar um parecer técnico que seja usado como análise crítica do sistema de segurança da empresa Vale. O foco das investigações são os embarques e desembarques clandestinos de crianças e adolescentes, mas a perícia não deixa também de analisar outros problemas ligados a segurança, ou a falta dela, como atropelamentos, interrupção das vias de acesso das comunidades, entre outros.
De acordo com Márcio Thadeu Silva Marques, Promotor da Vara da Infância e da Juventude de São Luís, que acompanha o caso, “há relatos de meninas que abortaram, perderam parte do pé, casos de atropelamento, casos de ferimento, a questão está relacionada também com o trabalho infantil, a exploração sexual, a prática de ato infracional, tráfico de drogas…”.
A pesquisa “Crianças e adolescentes viajando clandestinamente nos trens da Estrada de Ferro Carajás”, realizada pela Agência de Notícias da Infância (MATRACA, 2013) em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Maranhão (CEDCA) denuncia a situação das viagens clandestinas nos municípios cortados pela EFC e esclarece que no período de 2001 a 2012 foram registrados 136 casos de crianças e adolescentes inseridas nessa problemática. Segundo a pesquisa há uma incidência de desrespeito aos direitos desses atores.
Para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), as práticas de segurança realizadas pela empresa Vale seguem as normas estabelecidas. A Promotoria discorda, porque os registros de embarques e desembarques clandestinos não param. “Temos a firme convicção de que o número do problema é bem superior aos 136 casos registrados pela pesquisa feita em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Maranhão envolvendo dados entre 2001 e 2012”, afirmou Márcio Thadeu.
O promotor explica que há um expressivo número de casos que não são localizados, identificados e registrados. A quantidade de crianças e adolescentes em situação de rua em São Luís é um dos efeitos constatados pelo MPE, muitas dessas crianças embarcam nas viagens clandestinas no estado do Pará e desembarcam na capital maranhense.
A partir dessa constatação começou-se a construir uma rede articulada entre a Promotoria da Infância e da Juventude do Maranhão e outras articulações no enfretamento ao problema, como a Rede Justiça nos Trilhos, Ministério Público Federal, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Maranhão, Associação dos Conselheiros e ex-Conselheiros Tutelares do Maranhão, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública Estadual.
Essas instituições iniciaram um trabalho de defesa das crianças e adolescentes e começaram a construir estratégias para uma solução. Em 2006 o Ministério Público, por meio da Promotoria da Infância da comarca de Santa Luzia, moveu uma ação contra a Vale, alegando a responsabilidade da empresa na prevenção do problema. O resultado da ação garantiu uma liminar proibindo o ingresso dessas crianças e adolescentes nos trens de carga, no território de Santa Luzia, sob a pena de multa diária para a empresa Vale de 20 mil reais.
Uma audiência pública sobre o tema foi realizada na Assembleia Legislativa de São Luís, em março de 2012, com a presença de autoridades do sistema de justiça do Pará e do Maranhão e grande visibilidade na imprensa.
Depois da sentença da juíza da comarca de S. Luzia e da audiência que destacou a gravidade, longo de décadas, do problema dos “meninos do trem”, a Vale decidiu negociar um acordo com o MPE para resolução do problema. Foi esse acordo que determinou a realização por parte da empresa de um “Plano de Segurança da EFC” e a contratação de um perito externo que avaliasse as questões de segurança ao longo da ferrovia e o próprio plano da empresa.
“Nunca existiu um plano integrado de gestão e segurança para evitar o fenômeno dos embarques clandestinos de pessoas nos trens de minério” – comenta padre Dário Bossi, da Rede Justiça nos Trilhos. “Chegou-se ao absurdo da empresa Vale comentar a contratação de um perito estrangeiro como sua iniciativa e prova de sua preocupação para com a segurança. Bem sabemos, ao contrário, que se tratou de uma obrigação dentro de um acordo que a empresa aceitou pela conveniência de evitar multas e condenações judiciais, depois de anos que o problema estava sendo investigado e denunciado”.
O especialista canadense que vai produzir o contra-relatório sobre segurança ao longo da EFC é engenheiro ferroviário, com 39 anos de experiência, e encerrou na última sexta-feira (21) uma série de visitas pelo Corredor de Carajás, encontrando em vários municípios os responsáveis pelo sistema de garantias de direitos para crianças e adolescentes, além de movimentos sociais e lideranças comunitárias. “Ele também se reuniu com técnicos da Vale, teve acesso a algumas informações e a ideia é de que tudo isso possa subsidiar o seu parecer, a sua crítica sobre o plano de segurança”, afirmou o promotor Márcio Thadeu.
Nas próximas semanas, o perito canadense entregará ao MPE o parecer final e começará a etapa conclusiva, na qual MPE e Vale deverão redigir um plano eficaz que definitivamente solucione o problema do embarque clandestino de crianças e adolescentes nos trens da EFC e garanta maior segurança para as comunidades atravessadas pela ferrovia.
Outras denúncias sobre impactos provocados pelo barulho, as vibrações do trem e a média de um acidente mortal por mês ao longo da ferrovia poderão se beneficiar da perícia coordenada pelo MPE do Maranhão.
Rede Justiça nos Trilhos