O sol causticante e o calor escaldante que, nesta época do ano, faltam fritar os miolos de quem mora no Sudeste Paraense foram uma mão na roda para os negócios da mineradora Vale. É que, entre outros fatores, devido às condições climáticas, a mineradora apresentou excelente desempenho operacional nas minas de Serra Norte, localizadas no município de Parauapebas, e das quais a empresa retira o melhor minério de ferro do mundo, com teor de hematita que chega a 67%.
É o que diz o “Relatório de Produção 2T14″, divulgado pela Vale na manhã desta quinta-feira (24). O documento, recheado de dados técnicos, é uma fonte inesgotável de informações sobre as perspectivas e os rumos que toma a economia dos municípios que compõem a região de Carajás, notadamente os que dependem exclusivamente da indústria extrativa mineral, como Parauapebas e Canaã dos Carajás.
Ele esmiúça as operações da mineradora em projetos como o Ferro Carajás (minério de ferro) e Mina do Azul (manganês), em Parauapebas; Sossego (cobre), em Canaã dos Carajás; e Salobo (cobre), em Marabá. E pode ser útil a gestores públicos atentos, parlamentares realmente sintonizados com questões socioeconômicas de suas regiões, ambientalistas e entidades de classe, já que, por anunciar com pompa e circunstância que a produção aumenta, deixa lacunas sobre a diminuição da vida-útil do minério, bem como sobre os passivos sociais históricos no vai e vem do trem da Estrada de Ferro Carajás.
SÍNTESE
De acordo com dados do relatório, a produção da Vale no primeiro semestre de 2014 foi de 150,5 milhões de toneladas (Mt) de minério de ferro, superando o mesmo período de 2013 em 15,1 Mt. A Vale quer mais, muito mais. Sua ambiciosa meta é produzir ao longo deste ano um total de 312 Mt da commodity minério de ferro, uma quantidade de metal suficiente para soterrar (ou ‘soferrar’?) um bairro inteiro do tamanho do Rio Verde, em Parauapebas.
OPERAÇÕES EM PARAUAPEBAS
Serra Norte produz 35% do minério de ferro da Vale
Nenhuma das operações da Vale no Brasil, em termos de minério de ferro, foi tão feliz no primeiro semestre quanto o Sistema Norte, encabeçado pelas minas de Parauapebas. O agrupamento de “enes” (N4W e N4E mais N5) foi mal das pernas no primeiro trimestre do ano, produzindo 23,4 Mt, mas nos últimos três meses deu a volta por cima e cravou 29,3 Mt de minério de alto teor, um crescimento de 25,3% no período.
A quantidade de minério de ferro extraída pela Vale em Parauapebas no primeiro semestre deste ano, no total de 52,65 Mt, também coloca no chinelo a produção do ano passado no mesmo período, que foi de 43,51 Mt. É um incremento de 21%, o que, na prática, credencia Serra Norte a ter sua produção máxima ampliada dos atuais 110 milhões de toneladas por ano (Mtpa) para 150 Mtpa, por meio do projeto Adicional 40 Mtpa e, principalmente, da expansão da Capacidade Logística Norte (CLN 150 Mtpa).
No caso do manganês, extraído da Mina do Azul, também em Serra Norte, houve aumento na produção física do segundo trimestre (370 mil toneladas métricas) em relação ao primeiro (332 mil t), dado o uso de produtos recuperados das barragens de rejeitos. Contudo, foi registrada queda de produção na ordem de 17,7% no primeiro semestre (701 mil t) deste ano no confronto com o mesmo semestre do ano passado (853 mil t). A Vale justifica a retração argumentando que uma manutenção de 15 dias nas dependências da mina diminuiu o ritmo de produção.
EXPORTAÇÕES
Na esteira da produção de minérios, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) divulgou o resultado da balança comercial brasileira por município, e lá está Parauapebas, ostentando primeiro lugar em exportação, com 4,28 bilhões de dólares (US$) vendidos em minérios, e primeiro lugar, também, em superávit, com US$ 4,23 bilhões de crédito à conta da Nação. Assim, Parauapebas se sagra, mais uma vez, em meio ao universo de 2.187 municípios exportadores.
O valor das exportações de Parauapebas nos primeiros seis meses deste ano é, no entanto, menor que o apurado no mesmo período do ano passado.
Mas como Parauapebas pode ter vendido menos em dólar em relação a 2013, se produziu e vendeu milhões de toneladas de minérios a mais este ano? A explicação reside na oscilação do preço comercial do minério de ferro, principal commodity de Parauapebas e que responde por 95% das exportações – o resto é manganês.
Nessa cirada, em que a China é a maior compradora do produto parauapebense e em função da qual os preços praticados giram, a “Capital do Minério” exportou cerca de US$ 250 milhões a menos no comparativo com 2013, mas ainda assim se manteve no topo das exportações.
EMPREGOS
Diferentemente dos números bonitos e animadores que florescem e saem de trem das montanhas de ferro ao norte de Carajás, na área urbana de Parauapebas o número de empregos despenca serra abaixo. O contraste interno fica evidente quando todos os dados do primeiro semestre deste ano – da Vale, do MDIC e do Ministério do Trabalho e Emprego – são cruzados.
Conforme os balanços mensais do MTE, o buraco é muito mais em baixo em Parauapebas, para além do que as máquinas que mineram ferro vão deixando. No primeiro semestre deste ano, 14.152 trabalhadores parauapebenses foram despachados, com ou sem justa causa, sendo que apenas 1.951 arranjaram o primeiro emprego.
É um dado lamentavelmente impressionante para um município que, até 2012, batia sucessivos recordes de admissão e de novos contratos de trabalho. Além disso, com os serviços de mineração cada vez mais especializados e com a concorrência direta – e desleal – com Canaã dos Carajás, onde a Vale centraliza esforços e atenções, não há, previsto para este ano, um centavo de real para novos negócios na indústria extrativa com base em Parauapebas.
Por outro lado, se cada fração de minério encontrada e explotada pela Vale fosse dada a um habitante de Parauapebas, cada cidadão ajuntaria 1.580 quilos diários de minério de ferro de excelente teor para vender e, com base nos preços cotados no mercado internacional, seria possível a cada parauapebense abrir um conta para receber, no mínimo, 128 dólares por dia.
Como “bolsa minério” e “pegadinha do malandro” equivalem-se, e como a população municipal não para – nem vai parar – de crescer, muito embora já tenha aumentado a taxas maiores no passado, os desafios são muitos para quem ainda chega atrás de oportunidade, bem como para quem já está e precisa agarrar-se ao que até aqui conseguiu.
O contrassenso entre o aumento da produção de minérios, que é preferível celebrar, e a diminuição de empregos, que é preferível ocultar, é apenas um dos motores que fazem pulsar o acirramento das desigualdades sociais em paraísos de prosperidade despreparados para a exaustão de uma única matriz econômica.
Reportagem especial: André Santos – Colaborador do Portal Pebinha de Açúcar
Publicado em: 25/07/2014
Foto: Arquivo