Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alertaram hoje (5) para a possibilidade de agravamento de doenças crônicas na população de Brumadinho e dos arredores, sobretudo em locais isolados e sem acesso aos serviços de saúde, em decorrência do rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão. A instituição científica, vinculada ao Ministério da Saúde, elaborou um mapa das comunidades cujo acesso pode estar dificultado em decorrência de bloqueios causados pela lama que vazou após a tragédia.
O levantamento revela que cerca de 1.090 domicílios, abrangendo uma população de 3.485 pessoas, podem ser afetados pela falta de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), com dificuldade para obter medicamentos e com o sistema de abastecimento de água obstruído, entre outros problemas. “Sabemos que o SUS está fazendo esforços, mas infelizmente a demanda dentro da área que foi soterrada é tão grande que algumas pessoas podem ser esquecidas”, diz Christovam Barcellos, pesquisador do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz.
Segundo ele, a situação pode levar à desassistência de pessoas que dependam de hemodiálise ou que tenham doenças crônicas como hipertensão e diabetes. “Elas precisam ter cuidado especial, porque o quadro pode se agravar, inclusive com o impacto psicológico do desastre”, alerta.
Dados apresentados pela Fiocruz sobre outra tragédia de grandes proporções, ocorrida em novembro de 2015 na cidade de Mariana (MG), a partir do rompimento da barragem da mineradora Samarco, mostram, curiosamente, uma queda acentuada do número de internações após o episódio. “Isso revela o colapso do sistema de saúde. Muitas vezes, as internações ocorrem por encaminhamento da atenção básica. Isso deixa de funcionar, após as tragédias, para atender as emergências. Até a internação por gravidez, por exemplo, deixa de ocorrer. Algumas pessoas vão ter parto domiciliar improvisado”, diz Barcellos.
Os últimos números divulgados pela Defesa Civil de Minas Gerais aponta para 134 mortos e 199 pessoas desaparecidas. O pesquisador Diego Xavier, que também atua no Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, acredita que profissionais de saúde estão lidando com perdas. “Mesmo se nenhum agente de saúde estiver entre as vítimas, muitos deles tiveram um amigo ou um parente atingido, e que pode ter vindo a óbito. Então, é difícil esperar que essas pessoas consigam manter normalmente suas rotinas de acompanhamento de hipertensos, de grávidas, de diabéticos, de pacientes renais. É impensável que as visitas domiciliares não sofram interrupções”, avalia.
Para os pesquisadores, diante da situação, cabe aos governos e gestores criarem planos capazes de driblar as dificuldades. Eles defendem também que seja cobrado da mineradora Vale uma projeto de reparação que leve em conta melhoras estruturais. Segundo Barcellos, houve sistemas de saneamento danificados pela força da lama, mas em alguns locais eles eram inexistentes. “As medidas não podem ser para retomar as condições anteriores. É para melhorar as condições anteriores. O sistema de saneamento deverá ser construído onde não houver”.
Doenças infecciosas
Outra recomendação mais imediata dos pesquisadores diz respeito à necessidade de controle de vetores de doenças infecciosas. Isso porque o impacto da lama sobre o bioma traz alterações na biodiversidade local. Um impacto sobre predadores poderia favorecer a proliferação de caramujos, transmissores da esquistossomose, e de mosquitos que transmitem, por exemplo, a dengue, a chikungunya e a febre amarela. A preocupação aumenta porque os agentes de saúde que atuavam no combate a endemias também podem ter deixado de cumprir suas funções para atender às emergências.
“É uma área de transmissão de esquistossomose, todo o vale do Rio Paraopeba”, alerta Barcellos. Segundo o pesquisador, há também risco de que as pessoas, com receio de se contaminarem, passem a armazenar água de forma incorreta, facilitando a reprodução do mosquito Aedes Aegypti. O inseto transmite doenças como a dengue, a zika e a chikungunya.
No caso da febre amarela, Barcellos recomenda, como medida preventiva, uma campanha para assegurar a vacinação de toda a população local. Os surtos da doença ocorridos recentemente no Brasil recentemente não envolvem o Aedes Aegypti. Eles têm sido provocados pela transmissão silvestre, que ocorre através da picada dos mosquitos Sabethes e Haemagogus. Pouco mais de um ano após a tragédia de Mariana, especialistas que investigavam o surto de febre amarela em Minas Gerais consideravam improvável uma relação direta entre os dois episódios, mas relacionaram a proliferação da doença com a constante degradação ambiental.
Poeira
Há, ainda, preocupação com novas ocorrências de leptospirose, doença típica de situações de enchentes e inundações, e de doenças respiratórias. “Nesse momento, eu não sei se é melhor chover ou não, porque toda vez que chove a lama é removida e jogada para o rio. Mas do contrário, a lama seca e começa a poeira a se difundir por toda a região”, diz Barcellos.
Para avaliar as condições da água do Rio Paraopeba, o governo de Minas Gerais coletou amostras em 10 pontos e deve divulgar os resultados em 15 dias. O pesquisador Carlos Machado, do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres (Cepedes) da Fiocruz, lembra que além das substâncias presentes no rejeito, a força da lama pode revolver contaminantes que estavam depositados no fundo do rio.
Ele lembra que alumínio, arsênio, cadmio, chumbo, cobre, cromo, ferro, manganês, mercúrio e níquel podem ser nocivos à saúde e que a concentração de metais pode variar de um ponto para outro. “Não é homogênea a contaminação. Isso pode variar muito e exige um monitoramento que não é trivial, é complexo e deve ser feito ao longo dos anos”, diz. Machado defende que a construção de novas barragens seja suspensa. “Até que tenhamos uma legislação decente, digna, que corresponda aos anseios da sociedade brasileira, nenhuma deveria ser construída. Isso a gente chama de prevenção de riscos futuros.