Aconteceu entre os dias 8 e 10 de abril no município de Alcântara, Maranhão, o primeiro intercâmbio de comunidades potencialmente impactadas pelo empreendimento porto-ferroviário Grão-Pará Maranhão (GPM).
O projeto, idealizado por empresários portugueses e que conta com o apoio dos governos federal e do Estado, prevê a construção de um porto sobre o território quilombola Vila Nova, na Ilha do Cajual, que faz parte de Alcântara.
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O território é um dos três que compõem o município, apontado pelo Censo de 2022 como aquele com a maior população quilombola do país. Se implementado, o porto deve extinguir o território, pois ocupará quase 90% de sua superfície em terra.
Além do terminal, o projeto Grão-Pará Maranhão também prevê a construção de uma ferrovia de 520km entre Alcântara e o município de Açailândia, ao sul do estado, conectando-se com a Estrada de Ferro Carajás (EFC), da Vale. A nova ferrovia atravessará quilombos, assentamentos rurais, áreas de proteção ambiental e passará muito próxima de terras indígenas ao longo do seu traçado. A construção da estrutura conta com a parceria da empresa pública alemã Deutsche Bahn (DB).
O objetivo do projeto GPM é, segundo documentos da própria empresa, escoar para a China e países da Europa o minério de ferro extraído pela Vale da mina de Carajás, no Pará, além de soja, combustível, frutas e outras commodities do agronegócio exportador.
Apesar de já ter dois contratos de adesão assinados com o governo federal e de estar em processo de licenciamento, o empreendimento português nunca requereu ao Estado a realização do processo de consulta prévia, livre e informada às comunidades quilombolas e indígenas potencialmente impactadas pelo porto e ferrovia, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Troca de informações servem de alerta
Organizado por Justiça nos Trilhos, Justiça Global – membros da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale -, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e Associação do Território Quilombola de Alcântara (Atequila), o intercâmbio realizado no início de abril reuniu cerca de 30 pessoas, entre membros de organizações e movimentos sociais, representantes de comunidades de Alcântara potencialmente impactadas pelo projeto GPM, e moradoras da comunidade Piquiá de Baixo, em Açailândia, no sul do estado, que há mais de três décadas sofrem os impactos da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da Vale, e de siderúrgicas que se instalaram na região.
As representantes de Piquiá deram seu testemunho sobre os impactos da poluição do ar pelo minério de ferro transportado a céu aberto nos vagões e das descargas de fumaça das siderúrgicas. São décadas de contaminação provocando doenças respiratórias, alergias e mortes, além da contaminação das águas dos rios e as plantações.
Outro impacto é o ruído dos trens e das siderúrgicas, que atrapalha o sono, as aulas, gera angústia, insônia e depressão. A trepidação das composições próximas às casas racham as estruturas das residências, avariam paredes, telhados e portas. Outro problema relatado são os frequentes atropelamentos de pessoas e animais nas ferrovias, causando mutilações e mortes.
Ao todo, cerca de 300 famílias de Piquiá de Baixo, mais de 1200 pessoas, tiveram suas vidas negativamente transformadas com a chegada da EFC e das siderúrgicas literalmente em seus quintais – exatamente como o projeto GPM pretende fazer em Alcântara.
Ao longo de quase uma década e meia os moradores de Piquiá lutaram para ser assentados em um terreno alguns quilômetros distante do local onde as empresas de siderurgia e a EFC se instalaram. Só agora, em 2024, é que as casas do reassentamento estão prontas, após anos de luta, sofrimento e mortes.
“Esse intercâmbio é um momento oportuno para que a gente fale da realidade que nossa comunidade vive, para que essas comunidades [de Alcântara] não sofram aquilo que a gente vem sofrendo. Nosso testemunho é de alerta, e que sirva de inspiração e exemplo para essas comunidades, que elas combatam antes de a empresa chegar ao território”, disse uma das moradoras de Piquiá de Baixo.
“Eu vim trazer o testemunho do que a gente vive para que as pessoas de Alcântara não sofram o que hoje a gente sofre”, reforçou outra moradora.
Para uma das quilombolas de Alcântara presente no encontro, a partilha das histórias de Piquiá de Baixo garantiu informações estratégicas para um processo de conscientização comunitária. “Claro que a gente fica muito preocupado com a situação deles em Piquiá, é triste ver o que eles sofrem lá. Mas isso acende um alerta que futuramente pode ser a gente, ou os nossos descendentes. O intercâmbio é uma forma de a gente intervir e impedir que o empreendimento venha”, disse a quilombola.
Outra moradora de Alcântara disse que desconhecia o projeto, e que mesmo um sobrinho seu de Açailândia tendo informado a ela sobre o GPM, ela não acreditou. “Agora que tô vendo que o projeto está no papel. A gente precisa acreditar que ele não continue, para não impactar nossa comunidade nem a comunidade dos outros”.
Além das trocas de experiências entre moradores de Piquiá e Alcântara, o seminário também contou com a apresentação de dados e mapas de impactos do projeto Grão-Pará Maranhão e com uma palestra sobre a importância da Convenção 169 da OIT para a proteção dos direitos dos povos quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais.
As entidades e movimentos de apoio, em parceria com as comunidades, seguirão realizando outras atividades de formação, além de processos de incidência junto a órgãos públicos dos governos do Maranhão, Brasil e também na Alemanha, já que a empresa pública Deutsche Bahn é parceira na construção da ferrovia do projeto GPM.