As entidades abaixo-assinadas vêm a público manifestar seu repúdio à resposta do governo brasileiro à apresentação do relatório do Grupo da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (“GT”) sobre as violações cometidas por empresas no país. O relatório foi apresentado no último dia 16 de junho no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, após uma missão do GT ao Brasil que passou por Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Mariana, Belo Horizonte e Altamira, de 07 a 16 de dezembro de 2015. O Grupo visitou projetos com casos emblemáticos de violações, tais como Belo Monte, as obras das Olimpíadas no Rio, o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) e Mariana, local do rompimento da barragem de Fundão.1
O GT da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos é um órgão composto por cinco especialistas independentes encarregados de implementar os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, aprovados pelo Conselho em 2011. Os Princípios esclarecem as responsabilidades e papeis de Estados e empresas pela proteção dos direitos humanos e remediação em caso de violações.
Ao invés de reconhecer as falhas e se comprometer a tomar medidas concretas para garantir que projetos de desenvolvimento não sejam realizados às custas dos direitos humanos e ambientais, o governo brasileiro insistiu em negar que tais projetos são absolutamente insustentáveis sob o aspecto socioambiental e que o Estado não tem se revelado minimamente capaz de monitorar, mitigar e reparar os severos impactos causados pelos empreendimentos.
O Grupo de Trabalho conversou diretamente com comunidades afetadas por projetos de infraestrutura, agronegócios e mineração. Suas conclusões e recomendações refletem nada mais do que a realidade daqueles que veem seus direitos reiteradamente violados por obras impostas sem sua participação significativa. A essa mesma conclusão teria chegado o governo se houvesse, de sua parte, uma mínima preocupação em escutar as comunidades afetadas pelos projetos. Esta obrigação deveria ser levada ainda mais a sério uma vez que tais projetos apenas existem porque contam com financiamento público e participação de empresas estatais.
Condenamos com veemência a posição exposta pelo governo brasileiro sobre o não obrigatoriedade de se obter o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), garantido pela Convenção 169 da OIT. É bem estabelecido, no direito internacional dos direitos humanos, que projetos com significativos impactos sobre povos indígenas e tradicionais, tais como os que requeiram reassentamento ou que possam afetar suas culturas, a exemplo de obras como Belo Monte, necessitam do CLPI.
Consideramos incoerente a posição do governo brasileiro em se proclamar como um país que apoia os Princípios Orientadores e ao mesmo tempo se recusar sistematicamente em incorporá- los às leis e políticas públicas domésticas. O próprio relatório do GT da ONU apontou uma série de oportunidades perdidas pelo Brasil na integração dos Princípios ao seu marco jurídico. Exemplos dessas lacunas são a ausência de direitos humanos nos critérios de financiamento do BNDES, a fragilidade da linguagem de Responsabilidade Social Corporativa dos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI) firmados entre o Brasil e países da África e América Latina e a ausência de obrigações de direitos humanos para empresas estatais.
É também ambígua a posição brasileira em reconhecer que os Princípios Orientadores não tratam satisfatoriamente dos remédios efetivos contra abusos cometidos por empresas e ao mesmo tempo rechaçar a crítica do GT de que o instrumento da suspensão de segurança representa um obstáculo ao acesso à justiça. A independência do judiciário para tomar decisões não pode servir de justificativa para que o governo permaneça inerte em rever a regulamentação da Suspensão de Segurança. Esse instrumento, que pode ser invocado em decisão monocrática de presidentes de tribunais, tem servido para reverter decisões favoráveis aos pleitos das comunidades afetadas por projetos de desenvolvimento, além de sentenças que buscam apenas garantir o cumprimento das próprias condicionantes estabelecidas pelos órgãos ambientais.
O dever de garantir a proteção dos direitos humanos e de ofertar remédios efetivos recai principalmente sobre o Estado, ainda que este tenha a obrigação de regular a conduta das empresas para que estas não cometam violações. O governo brasileiro precisa de uma vez por todas assumir suas responsabilidades pela proteção dos direitos humanos no âmbito dos programas e projetos de desenvolvimento.
Aliança dos Rios Panamazônicos
Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – ABIA
Conectas Direitos Humanos
Coração Amazônico
ECOA – Ecologia e Ação
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Instituto Centro de Vida – ICV
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto Madeira Vivo – IMV
International Rivers – Brasil
Justiça Global
Repórter Brasil
1 Veja o relatório do GT da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos de sua missão ao Brasil aqui: http://webtv.un.org/search/clustered-id-wg-on-transnational-corporations-and-sr-on-freedom-of-expression-11thmeeting-32nd-regular-session-of-human-rights-council/4942947563001?term=Dante
Veja a apresentação do relatório pelo Sr. Dante Pesce, coordenador do GT, e a resposta da representante do Governo Brasileiro, Sra. Regina Maria Cordeiro Dunlop aqui: http://webtv.un.org/search/clustered-id-wg-on-transnational-corporationsand-sr-on-freedom-of-expression-11th-meeting-32nd-regular-session-of-human-rightscouncil/4942947563001?term=Dante