Mulheres se reúnem para conversar sobre reabertura de novas minas da Vale no Morro d’Água Quente, distrito de Catas Altas – MG

Não bastasse os crimes da Vale em Mariana e Brumadinho,  que vitimaram 269 pessoas, a empresa agora quer reabrir duas minas no distrito do Morro d’Água Quente da cidade de Catas Altas, Minas Gerais, estado que tem o maior número de barragens interditadas do Brasil. Para dialogar sobre a realidade atual do território, moradores e lideranças de comunidades vizinhas se reuniram no dia 25 pautando, principalmente, a  questão hídrica na região e mulheres se reuniram no dia 26 para elaborar um mapeamento coletivo, por meio de suas histórias de vida, da trajetória da comunidade, dos símbolos, das paisagens e transformações vividas, e da identificação de quais agentes atuam e conflitam sobre eles. 

A Vale segue seu modo de operação na cidade, chega invadindo territórios, implantando seus projetos de morte e colocando o lucro acima da vida. A partir deste mote, o intuito dos encontros era amplificar a luta e construir caminhos coletivos para evitar a reabertura das minas, além de promover uma reflexão sobre os impactos e as  reais intenções da empresa no local. Os momentos contaram com a participação de Marina Praça, educadora popular e coordenadora, e Ana Luisa Queiroz, pesquisadora e assessora técnica, ambas do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) organização parte da Articulação Internacional de Atingidos e Atingidas pela Vale. Elas contribuíram com a construção da crítica ao modo de operação da empresa e com espaço de escuta e diálogo entre mulheres do território. 

A oficina com mulheres do Morro da Àgua Quente, ocorrida no dia 26, teve a intenção de conhecer o território e construir um “mapa de poder” sobre ele, a partir de histórias, vivências e transformações locais, como explica Marina Praça. “A ideia é mapear atores sociais, formas de vida e os impactos dos megaprojetos”, explica. A educadora popular cita ainda a importância de entender os conflitos ambientais e de que maneira eles afetam os corpos femininos. “Isso pode ser visto na sobrecarga de trabalho doméstico e na compreensão do que é cuidado e autocuidado para elas”, complementa.

Durante o bate-papo, alternativas econômicas para a região também foram discutidas, com enfoque para o turismo, que traz diferentes oportunidades para a região, além da ampliação da agroecologia e da economia solidária. A discussão foi de grande importância para mostrar que existem outras possibilidades para além da mineração, informar que o projeto da Vale não inclui geração de empregos, nem mesmo terceirizados, e que a população fica apenas com o ônus da exploração, enquanto a mineradora detém todo o lucro.

No dia anterior (25), marco dos 9 meses do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro do Córrego do Feijão, em Brumadinho, aconteceu o “Café com Prosa” na Câmara Municipal, um evento aberto para toda a comunidade que contou com a presença de moradores(as) e lideranças de comunidades vizinhas. A atividade tinha o objetivo de  pensar os impactos dessa possível expansão da exploração mineral. Durante o encontro, os presentes debateram sobre os cenários implicados no projeto de expansão, os reflexos no abastecimento da água, na saúde dos moradores(as) e na economia da população local, uma vez que acarretará no impedimento de atividades como o turismo de aventura, que é uma forte alternativa de arrecadação para o município.  

Histórico de impactos socioambientais em Catas Altas 

Situada a pouco mais de 120 km de Belo Horizonte, Catas Altas é conhecido por seu conjunto arquitetônico e suas igrejas barrocas. Ao pé da Serra do Caraça, atrai turistas anualmente, interessados em conhecer as belezas naturais da serra e aproveitar a hospitalidade catas-altense. A história do município é marcada pela exploração mineral e pela luta de seus moradores contra a Vale devido aos impactos à população, ao ambiente e ao turismo.

A região sofreu o rompimento de uma barragem de rejeitos da Mina Fazendão, em 2007, atingindo córregos e o Balneário do Morro d’Água Quente – construído pela mineradora como contrapartida pela exploração na região -, que foi destruído e os moradores se viram sem a única área pública estruturada para o lazer. Hoje, depois do reparo, a fonte de água quente que dá nome ao bairro foi altamente impactada, só há resquícios desse patrimônio natural.

Atualmente, os moradores convivem com uma mina que fica a apenas 600 metros da comunidade e são impactados diariamente pela poeira e pelos problemas respiratórios decorrentes dessa realidade. O Morro da Água Quente se vê ainda mais ameaçado com a reabertura das duas novas minas da Vale, localizadas ainda mais perto das casas dos moradores, a aproximadamente 400 metros. Com as três em operação simultaneamente, a comunidade sentiria ainda mais a poluição do ar, além dos impactos físicos sofridos nas casas e na paisagem, marca registrada da região. 

Devido aos desmontes de rocha, todas as casas têm rachaduras. Segundo Sandra Vita, militante do MAM (Movimento Pela Soberania Popular na Mineração) e moradora do Morro d’Água Quente, a comunidade está em luta constante porque a Vale não cumpre com as condicionantes de operação no Pico São Luís e agora tem a possibilidade de ser expandida. Desde 2014, a empresa tem a certidão de conformidade do CODEMA (Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente), mas a população considera essa certidão não deveria ser válida devido a tudo o que aconteceu posteriormente com rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, município vizinho de Catas Altas. Desde 2014, a mineradora vem propondo a reabertura das duas minas paralisadas há mais de 20 anos: a do Tamanduá e a de Almas, usando o mesmo projeto para liberação, sem nenhuma alteração. “O que a gente entende é que essa abertura é ilegítima, assim como todo o processo de pedido de expansão da mina. Estamos numa luta muito grande para que não haja a reativação”, afirma. 

Além disso, Catas Altas é uma região que até bem pouco tempo era rica e abundante, especialmente na questão hídrica, segundo os moradores locais. “Nós tínhamos uma água muito pura e hoje, com esse avanço da mina do Pico São Luís, principalmente depois do rompimento de Fundão, quando a Vale aumentou o volume de exploração, a nossa água diminuiu consideravelmente. Por causa disso, estamos passando por um problema hídrico grave na sede do município. Há escassez e impactos cotidianos no abastecimento”, conta Sandra.

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