Nas aldeias de Maturacá e Ariabu, 56% dos ianomâmis apresentaram índice do metal acima do limite estabelecido pela OMS

Pesquisadora da Escola Politécnica participa de estudo que aponta níveis elevados de mercúrio em crianças e mulheres indígenas.

A reportagem é de Julia Neves, publicada por EPSJV/Fiocruz, 20-08-2019.

São 9,6 milhões de hectares entre os estados de Amazonas e Roraima em uma região rica em minérios. Nela, vivem cerca de 26 mil indígenas ianomâmis que têm sido altamente impactados pela presença de garimpeiros ilegais. Recentemente, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) chamou atenção para os dados preliminares de uma pesquisa inédita que revela a contaminação por mercúrio em mulheres e crianças, das aldeias de Maturacá e Ariabu, localizadas na Região de Maturacá no estado do Amazonas. De acordo com o estudo que analisou amostras de cabelo de quase 300 indivíduos, 56% dos indígenas apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 2 microgramas por grama (ou ppm). Em 4% da população analisada havia concentrações acima de 6 microgramas por grama, considerado o limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde. A partir dessa concentração de mercúrio no cabelo, aumentam as chances de surgirem danos neurológicos graves.

Os resultados desta pesquisa foram apresentados à comunidade indígena no final de julho de 2019, em cumprimento ao acordo firmado entre a coordenação do projeto e às lideranças locais. Este estudo para avaliação da exposição dos ianomâmis ao mercúrio foi um pedido dos próprias lideranças locais, que já desconfiavam da contaminação dos moradores dessa região devido à proximidade aos pontos de garimpo de ouro.

Ainda em fase de publicação, o estudo faz parte de um esforço de investigação mais amplo sobre a situação nutricional de crianças indígenas, intitulada ‘Pesquisa sobre os determinantes sociais da desnutrição de crianças indígenas de até cinco anos do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami’. Financiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e coordenado pelo pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), Paulo Basta, o projeto contou com uma equipe multidisciplinar da Fiocruz e com a parceria da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) e do Instituto Evandro Chagas (IEC).

Especialista em mercúrio, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Ana Claudia Vasconcellos integrou a equipe do estudo e foi a campo durante o mês de fevereiro de 2019. “Aplicamos um questionário e obtivemos informações sobre o histórico de doenças da família, sobre a alimentação das crianças, das mães, de todos em uma maneira geral. Nessas visitas também coletamos as amostras de cabelo, que após serem armazenadas e identificadas, foram encaminhadas para o laboratório de Toxicologia, do Instituto Evandro Chagas”, conta.

E os resultados foram preocupantes. Das amostras de cabelo analisadas, provenientes de 134 mulheres adultas e 144 crianças, as concentrações de mercúrio variaram de 0,08 a 13,87 microgramas por grama (ou ppm). Este valor máximo foi detectado em uma amostra de cabelo de uma criança de apenas três anos. Tal concentração representa cerca de sete vezes mais mercúrio que o limite preconizado pela OMS (2,0 ppm) e o dobro da concentração limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde (6,0 ppm). “No caso de crianças pequenas, de meses a três anos, por exemplo, a exposição ao mercúrio pode estar associada ao consumo de leite materno (que também pode conter mercúrio caso a mãe se alimente de peixes contaminados), mas também pode ser reflexo da exposição intrauterina”, aponta.

No organismo humano, o principal alvo de atuação do mercúrio presente nos peixes ou em outros organismos aquáticos é o sistema nervoso central. “Em grávidas, essa substância ultrapassa a placenta e o risco é muito maior para o feto, que ainda está em formação. O cérebro do feto é muito mais sensível ao mercúrio e pode comprometer a cognição. Essa criança pode ficar com a inteligência comprometida para o resto da vida, ter danos ou perda de visão, da audição e até mesmo na parte motora”, alerta.

Apesar dos altas concentrações de mercúrio encontradas na comunidade, Ana Claudiaressalta que existem outros fatores de risco que podem provocar atrasos cognitivos. “Em Maturacá [AM], mais de 80% das crianças sofrem de desnutrição, que é outro fator que pode provocar perda cognitiva. Então, não é tão simples dizer que aquele desfecho na saúde é com certeza por conta da exposição ao mercúrio. Mas, nesse cenário, nós podemos afirmar que o mercúrio é perigoso, que existe a possibilidade dele provocar perda cognitiva e das funções motoras, auditivas e visuais nas crianças e nos adultos”.

Leia a matéria na íntegra em Instituto Humanitas Unisinos

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