A existência de territórios livres de mineração está sob a ameaça do lobby das mineradoras, que manejam a retórica da liberdade econômica, da suposta ausência de competência dos municípios para editar legislações que imponham limites à mineração e o discurso da mineração como atividade de interesse nacional para defender que seus negócios se sobreponham às normas ambientais e territoriais conquistadas em defesa da sociobiodiversidade local.
Vivenciamos um processo de ruptura política e institucional que está fortemente marcado pelo desmonte das bases democráticas, das políticas públicas e dos direitos sociais, tudo isto em nome de uma agenda das grandes corporações.
Nestes últimos anos, com apoio da incidência do lobby empresarial, foram executadas iniciativas de projetos de lei, atos infra legais, esvaziamentos de políticas públicas, criminalização de servidores e de movimentos populares, com reduções orçamentárias e desestruturação da máquina pública. Este contexto vem intencionalmente acentuando as desigualdades sociais, o racismo e a exploração da natureza, o que agrava os conflitos ambientais e territoriais, promovendo uma política de morte aos povos e aos bens comuns.
O debate de territórios livres de mineração precisa ganhar força na sociedade.
No âmbito do reconhecimento de territórios tradicionais, de iniciativas de proteção da natureza, de preservação dos bens ambientais, em defesa das culturas e economias locais, o projeto foi de redução de conquistas ou mesmo a ausência de vitórias. A política do governo federal incorporou os discursos retrógrados empresariais e extinguiu a demarcação de terras indígenas e unidades de conservação, além de reduzir a titulação de territórios quilombolas e assentamentos rurais. Por outro lado, uma série de medidas foi incorporada para atender ao setor empresarial, em especial as mineradoras e os donos de garimpos, os quais vêm respondendo pelo maior índice de conflitos por água, contaminação ambiental, conflitos com territórios afetados, adoecimento de trabalhadores e populares tradicionais, além dos danos que causam sobre as atividades econômicas que dependem das condições ecológicas para se desenvolver.
Estas medidas vêm, portanto, desqualificando e restringindo as lutas por territórios livres de mineração no país. Tais lutas se configuram por meio de experiências locais de restrição ou proibição da mineração para a defesa de bens públicos e comuns, eleitos como razões políticas, econômicas e culturais para que a atividade não se instale em determinados territórios.
As ameaças a estas experiências podem ser encontradas em um conjunto de ações estatais e empresariais, dentre as quais merecem destaque:
1) O Projeto de Lei 191/2020, de autoria do atual Presidente da República, que libera a mineração e o garimpo em Terras Indígenas, violando a Constituição Federal ao desprezar os direitos territoriais indígenas e seu direito à autodeterminação; ao violar o direito de consulta livre, prévia e informada; ao incluir a autorização para a atividade de garimpo não prevista no texto constitucional; ao criar a figura da autorização provisória em terras não demarcadas, ignorando o caráter originário dos direitos territoriais ou, ainda, ao criar a autorização tácita do Congresso Nacional para a atividade, dentre outros problemas.
2) O Projeto de Lei 5822/19 que autoriza a exploração mineral de pequeno porte em reservas extrativistas, unidades de conservação tradicionalmente ocupadas, onde a mineração é atualmente proibida por força da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação;
3) A proposta do Grupo de Trabalho para elaborar a alteração do Decreto-Lei 227/67 (Código de Mineração), dificultando a criação de novas áreas de proteção ambiental e a luta por territórios livres de mineração, ao retirar a obrigatoriedade da anuência de Estados e Municípios para empreendimentos de mineração, concentrando o poder decisório no ente federal;
4) O Projeto de Lei 3729/2004 que promove um desmonte do licenciamento ambiental, instrumento necessário para a avaliação de riscos de empreendimentos minerários e para a participação popular, desprezando impactos indiretos, retirando exigências legais, criando licenças automáticas por adesão, flexibilizando as etapas do procedimento e reduzindo os casos de exigência de estudos ambientais, dentre outros problemas;
5) A edição da Instrução Normativa nº 112/2021, que regulamenta os procedimentos para a anuência do uso de áreas em projetos de assentamentos do Incra por atividade minerária, de energia e infraestrutura, sem a devida consulta das comunidades assentadas;
6) O Decreto federal nº 10.935/2022 que altera as normas de proteção das cavidades naturais subterrâneas e permite ao órgão ambiental autorizar a destruição de cavernas de máxima relevância por atividades consideradas de utilidade pública, tal como o é a mineração, gerando impactos irreversíveis sobre o patrimônio histórico e espeleológico;
7) O Programa Mineração e Desenvolvimento”, publicado pela Portaria 354/2020, o qual tem como metas: “Promover a regulamentação da mineração em terra indígena”; “Dinamizar a pesquisa e lavra de minerais nucleares”; “Agilizar as outorgas de títulos minerários”; “Realizar a oferta pública de áreas em disponibilidade da ANM”; “Promover a adoção de mecanismos de financiamento para atividades de pesquisa e produção mineral”; “Promover e estimular novos empreendedores e mercados”, incorporando tais metas exclusivamente a partir das demandas do setor econômico minerário;
8) O Decreto federal nº 10.966/2022, que institui o que chamou de “Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala” e equipara o garimpo nesta categoria, a despeito da gravidade dos impactos do garimpo ilegal que representa 72% da atividade dentro de áreas protegidas e vem respondendo por diversos casos de contaminação de territórios indígenas;
9) O Projeto de Lei 571/22, que permite que o presidente da República declare a mineração uma questão de interesse nacional em caso de mudanças no contexto global ou interno, liberando a extração em qualquer área do País, mesmo em unidades de conservação, terras indígenas ou propriedades particulares.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
Estas iniciativas, muito mais que fragilizar a legislação nacional, ampliam a violência e a negligência sobre territórios em luta pela restrição da atividade minerária. Os ataques também se expressam no campo da litigância judicial empresarial. Neste sentido, empresas interessadas na exploração mineral vêm encampando uma série de ações judiciais contra as legislações ambientais locais que criam regras mais protetivas ao ambiente, à saúde e aos povos. A título de exemplo, cabe mencionar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade manejadas contra as leis dos municípios de Muriaé/MG, Lagoa Santa/MG e Nova Orleans/SC que protegiam os territórios contra a instalação mineral.
A desigualdade desta disputa não vem impedindo, no entanto, a mobilização para frear alguns destes ataques. Merece destaque, por exemplo, a revogação do Decreto que extinguia a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), área com mais de 4 milhões de hectares de fundamental importância para a biodiversidade amazônica. No âmbito judicial, merece destaque a anulação das concessões minerais concedidas em territórios indígenas e a aplicação do Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada como razão para suspender a instalação de empreendimentos lesivos ao ambiente e aos povos, a exemplo da anulação do licenciamento ambiental da Mina Guaíba a pedido do Povo Guarani.
Neste cenário de assédio, violência e contaminação dos territórios, insurgimos nossa defesa em favor das experiências de luta por Territórios Livres de Mineração no Brasil, pelo seu caráter emblemático na defesa e salvaguarda da natureza, dos bens comuns, das economias populares e da diversidade sociocultural de nosso povo; no que aporta à transformação do modelo de mineração hoje em curso no país.
Sobre Territórios Livres, acesse: https://territorioslivres.org/alternativas/
Brasília, 10 de maio de 2022