Nota Técnica sobre o rigor científico na avaliação de risco à saúde humana em Mariana (MG)

Tendo tomado conhecimento da decisão do juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte, proferida em 02 de março de 2020, a respeito da metodologia a ser adotada para avaliação de risco à saúde humana no contexto do desastre da Samarco (Vale/BHP Billington), em Mariana-MG, ocorrido em 05 de novembro de 2015, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco vem externar junto ao Ministério Público Federal sua preocupação com as consequências desta decisão sobre a garantia do direito constitucional à saúde das populações afetadas.

O Ministério da Saúde, órgão máximo para a normatização das ações e politicas de saúde no Brasil, estabeleceu, em 2010, através do então Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, da Secretaria de Vigilância em Saúde, as DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DE ESTUDO DE AVALIAÇÃO DE RISCO À SAÚDE HUMANA POR EXPOSIÇÃO A CONTAMINANTES QUÍMICOS [1] – ARSH, definindo a metodologia para avaliação de risco à saúde das populações expostas a contaminantes ambientais a ser adotada no Brasil, como base “para a tomada de decisões e implementação, de maneira sistemática, de articulações e de ações intra e intersetoriais visando à promoção e proteção da saúde, melhorando as condições sociais e de vida”(Op. Cit, p. 1). Inspirada na metodologia desenvolvida pela Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR/CDC) criada nos Estados Unidos da América e difundida pela OPAS/Organização Mundial da Saúde no início dos anos 1990, as diretrizes brasileiras levam “em consideração a realidade políticoinstitucional, jurídica e, principalmente, os direitos e garantias fundamentais do cidadão previstas no Art. 5º., incisos XIV e XXXIII da Constituição Federal, os princípios e diretrizes do SUS (Art. 7º. da Lei nº 8.080/90) e a participação da comunidade conforme a Lei 8.142/90” (Op. Cit, p. 4).

De fato, estudos realizados na região atingida, adotando a metodologia oficial estabelecida pelo Ministério da Saúde, concluíram pela existência de Perigo Urgente à Saúde Pública nos municípios de Mariana e Barra Longa [2], porque comprovaram que “existiu, existe e poderá haver rotas de exposição completas a uma ou mais substâncias carcinogênicas ou com potencial carcinogênico por mecanismo genotóxico” – a exemplo do cádmio, identificado nas análises de solo superficial e de poeira domiciliar; e a “uma ou mais substâncias com efeitos tóxicos sistêmicos em níveis acima dos valores de referência” [3] – o que se aplica por exemplo ao chumbo.

Isto posto, é motivo de apreensão a decisão do referido Juiz a favor da adoção da “metodologia” GAISMA – Gestão Integrada para a Saúde e Meio Ambiente, apresentada pela Fundação Renova em dezembro de 20194 para a realização de mais um estudo sobre os riscos à saúde humana na região atingida. O atual Departamento de Saúde Ambiental, do Trabalhador e Vigilância das Emergências em Saúde Pública do Ministério da Saúde apreciou a proposta GAISMA (Parecer Técnico 01/2020 – DSASTE/SVS/MS) e concluiu por sua inadequação para uma avaliação dos riscos à saúde humana a partir das diretrizes estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde. Entre os limites apontados na metodologia desenvolvida pela Fundação Renova, figura a ausência do conceito de risco adicional à saúde humana como eixo orientador da avaliação. Ao contrário, segundo o DSASTE/SVS/MS, o projeto GAISMA enfatiza a identificação de associações causais diretas entre as substâncias químicas de interesse, as áreas-alvo e o rompimento da barragem de Fundão. Tal abordagem restringe as perspectivas para o reconhecimento e a reparação de agravos futuros, já que tais contaminantes – cádmio, chumbo, cobre, níquel e zinco, todos com rotas de exposição completas e dinamicamente persistentes no ambiente, podem ser responsáveis por agravos à saúde agudos, subagudos e crônicos – o que significa que suas expressões clínicas podem ocorrer anos ou décadas a partir da exposição, que aliás permanece e pode ser contínua no tempo.

Para a Abrasco, a existência de tantos laudos técnicos já realizados no território atingido pelo desastre e posteriormente desqualificados pelas empresas e pela Fundação Renova, além da polêmica criada acerca da metodologia a ser adotada têm servido para postergar as necessárias e urgentes medidas de proteção à saúde da população: atenção e vigilância à saúde; vigilância e monitoramento periódico dos atingidos, segundo protocolo que inclua exames clínicos, laboratoriais e avaliação psicológica; medidas de proteção aos segmentos sociais mais vulneráveis (crianças, gestantes, idosos, portadores de patologias crônicas); programa de informação permanente dos atingidos; além de Vigilância e monitoramento periódico dos compartimentos ambientais, entre outras ações. A postergação destas medidas, preconizadas na ARSH, vem aprofundando o sofrimento social e criando condições para o subdiagnóstico e agravamento dos casos existentes, ao comprometer a identificação precoce e o tratamento adequado das vítimas.

A Abrasco considera que as atribuições da autoridade sanitária competente foram desrespeitadas pela decisão do juiz federal. Desta forma, avalia ser urgente e necessária a adoção fiel e sistemática das DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DE ESTUDO DE AVALIAÇÃO DE RISCO À SAÚDE HUMANA POR EXPOSIÇÃO A CONTAMINANTES QUÍMICOS.

Rio de Janeiro, 13 de abril de 2020.

NOTAS

[1] Disponível em https://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/outubro/24/Avaliacao-de-Risco— Diretrizes-MS.pdf. Acessado em 08 abril 2020.

[2] Tais estudos foram sumariamente desqualificados pelo referido juiz: […] este juízo federal não reconhece e não empresta qualquer validade jurídica aos estudos que já foram realizados, especialmente o “Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana” elaborado pela empresa AMBIOS e/ou “Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana, área piloto de Barra Longa – MG”, elaborado pelo Grupo EPA [Tecnohidro] (Justiça Federal, 2020, p. 07).

[3] AMBIOS. Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana em localidades atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão – MG. 2019, p. 335 e seguintes.

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