Mineração e Covid19 – Cresce casos na Bacia do Rio Doce e imediações

A pandemia da Covid-19 não acabou, apesar de parecer. Os números de casos em Minas Gerais, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, são de mais de 370 mil confirmados e 9,2 mil óbitos, até o dia 11 de novembro, fechamento desta publicação. Boa parte desse total de casos ocorreram em municípios onde há uma intensa atuação da atividade minerária no Estado. O mapa divulgado nesta quinta (12) pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) mostra a diferença no avanço da disseminação do coronavírus entre os municípios que não possuem projetos de mineração e os que concentram intensa atividade minerária. 

Nas cidades onde não há exploração mineral, há poucos ou nenhum caso de pessoas infectadas pela Covid-19, enquanto que nas cidades onde há presença e atividades intensas de mineradoras, foram registrados um crescimento entre março a outubro de 78% da população local infectada. A mineração foi considerada pelo governo federal (Decreto 10.329/2020) como atividade essencial e por isso não foi suspensa durante a pandemia da Covid-19. Isso gerou um cenário de alta contaminação nos territórios que possuem empreendimentos minerários.

A pesquisa analisou a situação de 30 municípios mineiros onde ocorrem atividade minerária, durante o período do dia 4 março, a partir do primeiro caso diagnosticado no estado, até o dia 29 de outubro. Os dados analisados foram extraídos dos boletins epidemiológicos da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e de levantamento em campo do MAM. As secretarias de saúde municipais diminuíram a frequência dos boletins diários com os dados da Covid-19, segundos os pesquisadores, alguns municípios não divulgam mais o número total de infectados e sim os casos totais de diagnosticados com os casos recuperados, o que pode ser um indício de suavizar dados do crescimento de casos. O estudo é realizado pelo MAM, coletivo Margarida Alves e Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) com apoio da Misereor. 

Mesmo com a queda no total geral de números de casos em Minas Gerais, municípios como Nova Lima e Barão de Cocais, por exemplo, mantiveram curva crescente de diagnosticados. De setembro para outubro foram registrados 118 casos a mais em Nova Lima. Já em Barão de Cocais, foram 74, no mesmo período.  Em junho, como já divulgado no resultado parcial pelo MAM, havia na região do Aquífero Ferrífero, onde estão localizados Nova Lima e Barão de Cocais, cerca de 3,3 mil casos de diagnosticados, dois meses após chegou a mais de 17 mil infectados com 243 óbitos e evidências de subnotificação. “A continuidade das atividades da mineração durante a pandemia potencializou a propagação do coronavírus na região mineira do Aquífero Ferrífero e continua em curva crescente em boa parte dos municípios com atividades mais intensas”, afirma Luiz Paulo Siqueira do MAM.

Outro dado que chamou a atenção na pesquisa ainda na região do Aquífero se refere a Itabira. Os casos continuam crescendo mensalmente por lá. Mesmo depois do Ministério Público do Trabalho (MPT) interditar em junho as minas de Conceição, Cauê e Periquito da Vale após inspeção e concluírem  “pela necessidade de interdição parcial da empresa, decorrente do risco grave e iminente à saúde dos trabalhadores”. 

“Para se ter uma ideia a poucas coisas que as mineradoras fizeram foi aumentar a frota de ônibus depois das nossas denúncias no Ministério Público do Trabalho. E é onde teve a primeira morte de um trabalhador da mineração na nossa Base há duas semanas. Há denúncias em todas as empresas Ferro+, LGA, Gerdau Mineração e Vale. A Vale por exemplo, mesmo com todos os protocolos acordados até no MPT de Minas Gerais não são suficientes para conter a transmissão dos Covid-19, isso porque em todas as mineradoras mantiveram a mesma rotação de sua produção, que dessa forma é impossível garantir o distanciamento social do conjunto dos trabalhadores”, nos contou Rafael Ávila, presidente licenciado do sindicato Metabase Inconfidentes. 

No dia 1º de abril deste ano, Cláudio Arlindo Martins faleceu de Covid-19. Ele trabalhava  na empresa MCA Auditoria e Gerenciamento, prestadora de serviço para a Fundação Renova, instituição criada após o crime cometido em Bento Rodrigues, em 2015. Segundo nota da empresa, Cláudio estava trabalhando de forma remota desde o dia 16 de março, juntamente com os demais funcionários, em razão das políticas de contingência adotadas pela MCA e pela Fundação Renova. Cláudio foi o primeiro óbito por Covid-19 em Mariana e o terceiro no quadro geral de vítimas do coronavírus no estado de Minas Gerais.

A AIAAV chegou a lançar a campanha “Mineração não é essencial, a vida sim” reivindicando que a política mineral priorizasse a proteção dos trabalhadores e das comunidades, reconhecendo assim que a vida era essencial. Com isso apontava a necessidade do governo criar mecanismos junto as mineradoras que pudessem dar condições para que as atividades minerais fossem paralisadas, que os salários dos funcionários diretos e terceirizados fossem integralmente mantidos e os impostos do setor recolhidos. Mas mesmo com todos os apontamentos e o mapeamento do crescimento números de casos de covid-19 em territórios minerários, os movimentos de atingidos não foram ouvidos. A atividade minerária segue seu curso parecendo não conviver com a realidade de uma pandemia.

Lucro acima da vida

Enquanto trabalhadores adoeciam e morriam, como foi o caso de Cláudio, a mineradora Vale dobrou o seu lucro durante a crise sanitária mundial. Segundo balanço divulgado pela mineradora no último dia 28 de outubro, a empresa registrou lucro de R$ 15, 6 bilhões no terceiro trimestre deste ano, quase três vezes mais que de abril a junho. E ainda ficou acima do resultado do mesmo período no ano passado, quando o lucro foi de R$ 6,54 bilhões de reais.

A maior parte desse lucro vem da operação de minério de ferro, ou seja, principal mercadoria ou commodities, como é chamado no mercado financeiro, exportada pela mineradora à China. Além disso, apesar de dois crimes ocorridos pela atuação do grupo Vale/Samarco/BHP Billiton, a mineradora garantiu em setembro o pagamento de bônus milionários à sua diretoria. Mesmo diante de perdas, como a própria empresa afirma em seu balanço, com a pandemia da Covid-19, a empresa pagou R$ 19 milhões aos seus executivos como prêmio pelo desempenho de 2019. 

A companhia abre o balanço com o comentário de Eduardo Bartolomeo, Diretor Presidente da Vale: “Ao mesmo tempo em que continuamos firmes no compromisso com a reparação integral de Brumadinho, neste trimestre alcançamos um marco importante na estabilização da nossa produção, com o recorde histórico de produção no Sistema Norte, um grande passo para o de-risking de nossa companhia”. Mas não é isso que está sendo feito. 

Na semana retrasada divulgamos aqui no site da Articulação que a Vale queria acabar com uma das medidas de reparação – o pagamento do auxílio emergencial – aos atingidos e atingidas de Brumadinho e que estava sendo feito um acordão entre a mineradora e o estado de Minas Gerais para injeção de recursos em cofres públicos. A Vale e o Governo de Minas estão usando a crise para garantir mudanças regulatórias que favoreçam o setor às custas das pessoas e do meio ambiente.

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