“Olha ali mais um corpo passando, está vendo? É o dia inteiro assim”, diz Michel Fernandes Guimarães, 31, em reportagem ao El País, enquanto aponta para um helicóptero do Corpo de Bombeiros sobrevoando a casa onde vive, com um saco preto pendurado por uma corda. Ele mora no Córrego do Feijão, uma das comunidades de Brumadinho mais abaladas pelo rompimento da barragem da Vale na sexta-feira da semana passada. Da escada que leva para a laje da habitação, Guimarães assistiu ao momento exato em que o tsunami de lama desceu montanha abaixo. “Minha mãe começou a gritar ‘a barragem da Vale arrebentou”, conta. “Eu corri, e vi a lama arrebentando fio, vidro, levando tudo”. Assim que a enxurrada passou, Guimarães pegou a moto e foi em direção à lama. “Fui atrás do meu irmão”.
Assim que a lama desceu, Guimarães pegou a moto e saiu com um amigo em busca de sobreviventes. O irmão dele, Reinaldo Fernandes Guimarães, 31, e a irmã do amigo trabalhavam na pousada Nova Estância, muito próxima à barragem e que ficou completamente devastada. “Fomos em direção à pousada, mas chegando na lama, já encontramos uma vítima”, conta Guimarães. Ele e o amigo resgataram a mulher que estava afundada nos rejeitos e a deixaram na sombra, esperando o resgate. “Andamos mais um pouco e vimos outra pessoa, com lama até o pescoço, fazendo um sinal com a mão”, diz ele. Era a irmã da primeira vítima, mais uma que eles conseguiram resgatar com vida. Ele conta que ficou com o amigo até por volta das seis da tarde atrás dos irmãos. Mas não encontraram. O irmão se tornaria uma das 142 pessoas que morreram oficialmente na tragédia até o momento e ainda, ao menos 200 desaparecidos.
Foi somente na terça-feira que o resgate encontrou o corpo do irmão de Guimarães –ele foi fazer o reconhecimento no IML. “Ele tem uma tatuagem, mas nem precisei olhar para reconhecer. Meu irmão estava inteiro, era ele mesmo”, diz. “Ele estava com o cabelinho curtinho. Eu nem sabia que ele tinha cortado o cabelo, porque não tinha visto antes. Mas tive sorte, Deus me permitiu enterrar o meu irmão. Muita gente não teve a mesma sorte que eu”.
O enterro digno do irmão, e o cadastro realizado para que a família receba os 100.000 reais que a Vale promete doar aos parentes das vítimas, não confortam a dor de Guimarães. Ainda revoltado com o que ocorreu, recebeu uma visita enquanto conversava com a reportagem. Era o filho mais velho dos proprietários da pousada, que morreram juntamente com seu irmão caçula. Ele não falou com a reportagem, mas deixou um recado para Guimarães. “Tire o ódio do coração. Eu perdi a minha mãe, meu pai e meu irmão. Não tenho mais casa, família e nem dinheiro. E não estou chorando”, disse. “Você precisa ser forte para que a gente faça deste campo de futebol, que hoje está recebendo os corpos, vire um campo de rosas”.