Observatório de ações penais sobre tragédia em Brumadinho disponibiliza documentos do caso e pede conclusão justa do processo

Site organiza e coloca para download processos judiciais e procedimentos administrativos que tramitam no Brasil e na Alemanha. Após cinco anos do crime-tragédia da mineradora Vale e da certificadora Tüv Süd, nenhuma pessoa ou empresa foi punida

Após cinco anos da tragédia-crime em Brumadinho (MG) causada pela mineradora Vale S.A., que matou 272 pessoas em 25 de janeiro de 2019, o sentimento de injustiça, além da dor da perda, atravessa familiares e amigos das vítimas. Até hoje, nenhuma das 16 pessoas e duas empresas acusadas nas ações penais em curso foram punidas. A Vale segue auferindo lucros bilionários ano após ano, e a certificadora Tüv Süd Bureau de Projetos Consultoria LTDA, subsidiária brasileira da alemã Tüv Süd, continua anunciando em seu site “soluções que garantem qualidade, segurança e sustentabilidade para as gerações futuras”, a mesma qualidade e segurança que atestou a estabilidade da barragem que se rompeu.

Nos últimos cinco anos, os esforços na busca por justiça, reparação e não repetição do crime têm partido primordialmente dos familiares das vítimas, apoiados por movimentos e organizações da sociedade civil. Um desses esforços resultou em uma importante ferramenta de luta que será lançada hoje, 22 de janeiro: o site Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia de Brumadinho.

A plataforma online organiza, analisa e disponibiliza para download, em linguagem acessível, os processos judiciais e procedimentos administrativos que tramitam no Brasil e na Alemanha. Uma linha do tempo mostra o passo a passo dos processos, desde que a primeira denúncia foi instaurada no Brasil pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em 21 de janeiro de 2020. Em Munique, na Alemanha, sede da Tüv Süd, a primeira denúncia foi apresentada em outubro de 2019 por cinco mulheres, familiares de vítimas, à promotoria local. O site do Observatório explica os meandros da denúncia e sua tramitação no país europeu.

A cada novo passo nos caminhos processuais, informações e documentos são inseridos na linha do tempo e no acervo do site, garantindo uma plataforma de referência atualizada e permanente.

A plataforma foi criada por um coletivo de organizações e articulações da sociedade interessadas na justiça criminal e na verdade: Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM), Instituto Camila e Luiz Taliberti, Articulação Internacional de Atingidas e Atingidos pela Vale, Instituto Cordilheira, Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER) da Arquidiocese de Belo Horizonte, Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais, Dreikönigsaktion Hilfswerk der Katholischen Jungschar (DKA), da Áustria, e as organizações Misereor e Centro Europeu para os Direitos Humanos e Constitucionais (ECCHR), ambas da Alemanha. O Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia de Brumadinho tem como objetivos monitorar o andamento das ações penais e demais procedimentos que tramitam no Brasil e na Alemanha; facilitar o acesso dos familiares das vítimas e da sociedade às informações públicas e não sigilosas sobre os processos, e constituir um acervo on-line permanente e atualizado.

“A diretoria da AVABRUM acompanhava as ações que saíam na mídia sobre o desdobramento do processo criminal e replicava para os grupos de familiares associados. Depois conseguimos apoio de um projeto de várias organizações nacionais e internacionais e da Igreja Católica que disponibilizou um advogado para fazer o acompanhamento do processo. A AVABRUM veio a ter direito a acompanhar o processo recentemente”, relembra Maria Regina da Silva, mãe da Priscila Elen Silva, uma vítima do crime da Vale.

Para o assessor jurídico da AVABRUM, Danilo Chammas, o acesso aos documentos garante às famílias e à sociedade em geral uma ferramenta importante para se dialogar mais sobre o caso, promover atividades e, assim, interpelar representantes do sistema de justiça, que têm o poder de fazer o caso caminhar mais rapidamente ou não. “Sem o conhecimento dessas informações fica muito difícil algum tipo de ação”, explicou o advogado.

Joias e réus

Um dos destaques do Observatório é a seção dedicada a informar os nomes dos réus e rés das ações penais, e das vítimas feitas por suas ações ou omissões. “Faz-se necessário que essas pessoas sejam conhecidas e é por isso que listamos aqui os nomes e sobrenomes dos réus das ações penais. Entre outras condutas, eles escolheram omitir a informação de que a barragem estava em risco, fato que causou a morte precoce e violenta de 272 vítimas: trabalhadores da mineradora e terceirizadas, turistas e moradores da região”, informa o site.

A divulgação dos nomes, segundo as entidades criadoras da plataforma, está amparada na resolução 121 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que permite a divulgação de dados básicos dos processos eletrônicos na rede mundial de computadores.

As joias são as 272 vítimas fatais do rompimento da barragem de rejeitos no Córrego do Feijão. A palavra joias passou a ser utilizada por seus familiares para se referirem a elas depois que o então presidente da Vale Fabio Schvartsman, durante audiência na Câmara dos Deputados em 14 de fevereiro de 2019 – menos de um mês depois do crime – afirmou que a mineradora é uma “joia brasileira”, e que por isso não podia ser condenada pelo rompimento da barragem, “por maior que tenha sido a tragédia”. Essa fala gerou indignação dos familiares das vítimas, que passaram a chamá-las de Joias.

“O Observatório também ajuda a constituir uma memória, não do fato em si, da tragédia, mas de como as instituições jurídicas brasileiras lidaram com o caso. Isso vai ficar para a história, independentemente de qual for o resultado final do processo. Isso é outra contribuição que pode servir não só para reflexões acerca desse caso, mas para outros casos. Erros que tenham sido cometidos nesse caso não se repitam, e acertos sejam levados em conta por outros. Fazer memória disso é também uma forma de fazer justiça e de homenagear as vítimas”, finalizou o assessor jurídico da AVABRUM.

Lançamento e seminário

Durante a programação que lembra os cinco anos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, a AVABRUM realizará hoje, 22 de janeiro, na Câmara de Vereadores de Brumadinho, o seminário “5 Anos Sem Justiça – Rompimento Barragem da Vale em Brumadinho – 272 mortes.

A atividade reunirá representantes de vítimas de grandes tragédias recentes no Brasil provocadas pela omissão de empresas e que seguem impunes, como a tragédia de Brumadinho, Mariana e Maceió, todas provocadas pela ação de mineradoras, e da Boate Kiss, além de representantes do sistema de justiça: Juíza de Direito Perla Saliba Brito (TJMG); Promotor de Justiça Francisco Generoso (MPMG); Delegado de Polícia Cristiano Campidelli (Polícia Federal); Procurador da República Bruno Nominato (MPF) e Juíza do Trabalho Rosaly Stange Azevedo (Associação Juízas e Juízes para a Democracia).

O objetivo do evento é promover o debate entre os representantes das vítimas e integrantes de órgãos da justiça e da polícia sobre os desafios brasileiros na investigação e responsabilização dos culpados.

O site Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia de Brumadinho será lançado ao longo da realização do seminário.

A participação é livre e gratuita e não é necessária inscrição prévia. O evento, que ocorre das 8h às 17h, será transmitido online pela página do youtube da @avabrumoficial


Foto: Divulgação/Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia de Brumadinho

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