Anualmente, a mineradora Vale, bem como diversas outras companhias que mantém ações no mercado mobiliário, devem convocar uma Assembleia Geral Ordinária, na qual é apresentado o relatório da administração e as demonstrações financeiras, referentes ao exercício social encerrado no ano anterior. Neste Ano, a Vale convocou seus acionistas para a sua Assembleia Anual para o dia 30 de abril sobre o exercício encerrado em 31 de dezembro de 2019.
A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale – AIAAV – adota como uma de suas uma estratégias de intervenção a compra de ações da companhia Vale no mercado, com o intuito de intervir nas assembleias de acionistas sensibilizando outros acionistas através de votos críticos, demonstrando como a atuação da companhia e as decisões tomadas por seus executivos têm um impacto nas vidas das pessoas e comunidades próximas à área de operações e projetos da empresa.
Por conta da pandemia do novo coronavírus, esse ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) instruiu, através de uma normativa, as empresas a facilitarem a participação dos acionistas à distância. Os acionistas críticos que compõem a AIAAV, historicamente haviam informado a Vale em suas assembleias de acionistas nos últimos dez anos sobre as boas práticas nesse sentido existentes no mercado e ano após ano já haviam solicitado, sem sucesso, aa empresa que adotasse esta prática. Seguindo a instrução da CVM, a empresa publicou uma normativa, através da qual afirma haver A opção de envio do voto por escrito, através de um documento disponibilizado com antecedência; bem como a participação on-line por meio e uma plataforma disponibilizada aos acionistas que se inscreverem com antecipação.
Essas assembleias de acionistas são uma boa oportunidade para que possamos levar ao conhecimento dos outros acionistas as violações e impactos decorrentes das operações da empresa”, afirmou a acionista crítica Alexandra Montogomery.
Sobre a metodologia, Alexandra menciona que “nos, acionistas críticos, tomamos nosso tempo para revisar pessoalmente cada um dos documentos disponibilizados pela empresa. Nesta revisão, geralmente podemos identificar pontos frágeis das operações e decisões de investimentos feitas pelos executivos que, muitas vezes não fazem parte da apresentação feita por eles durante a assembleia. Algumas vezes, pudemos indicar que estas decisões eram frágeis e poderiam ter um impacto negativo e, não muito tempo depois, foi possível ao mundo ver que estávamos certos em nossas análises”.
Sobre o andamento da Assembleia, Alexandra comenta: “Sinceramente, não há, de parte da empresa, muita empatia e entusiasmo com a nossa participação. Na minha opinião, isso demonstra uma postura ruim. Afinal, todas as intervenções que fazemos na Assembleia estão baseadas em uma análise dos documentos e da conjuntura na qual atravessamos. Nós assumimos muito mais perdas e dores e ainda assim, pontuamos e compartilhamos. Os executivos da empresa, deveriam haver aprendido, nos últimos dez anos, a lidar com a crítica de maneira construtiva e tomar ações efetivas para a construção de melhores práticas”.
De qualquer forma, os acionistas críticos ligados à AIAAV puderam apresentar seus votos pelo décimo ano consecutivo, todos pela reprovação do relatório da administração e das demonstrações financeiras, referentes ao exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2019.
Os votos
A acionista crítica Michelle Cristina Farias denunciou em seu voto a falta de transparência e diálogo da mineradora com os atingidos e atingidas pelo crime ocorrido em Brumadinho, Minas Gerais. “As comunidades atingidas não sabem quais medidas já estão sendo efetivamente tomadas para descaracterização das barragens na região e para a reparação dos danos, o que inclui, obviamente, as inúmeras perdas materiais e imateriais provocadas pela Vale”, disse.
Farias denunciou ainda a protelação da Vale nos planos de descaracterização de rejeitos de minério, como a que rompeu em Brumadinho em janeiro de 2019.
De todas as barragens de rejeitos que, em janeiro de 2019, a diretoria da empresa anunciou que seriam descaracterizadas até o final do ano, somente uma foi efetivamente descaracterizada. E as outras?”, questionou.
Pelo dito, Farias se posicionou contrária à proposta de remuneração dos diretores apresentados pela companhia. “Está previsto que, em 2020, cada diretor da Vale S.A. receberá remuneração anual global, em média, de R$ 22 milhões e 700 mil reais, enquanto às famílias das/os 259 trabalhadoras e trabalhadores mortas/os devido ao desastre-crime do rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho-MG, receberam, mediante acordos, indenizações ínfimas, cujos valores estão entre R$ 150 mil e R$ 500 mil reais”.
Quem também questionou os repasses dirigidos à remuneração de administradores e membros do conselho fiscal da mineradora foi a acionista crítica Luciana Tasse Ferreira.
“Seria um disparate aprovar, nesta Assembleia, um aumento tão expressivo da remuneração dos administradores e Conselho Fiscal, correspondente a um aumento de quase 100% na remuneração da Diretoria Executiva (R$ 170.337.685,00) e de 56% na remuneração do Conselho de Administração (R$ 15.470.230,00). Tenho a convicção de que os Administradores deveriam ter qualquer remuneração suspensa, até que a reparação das pessoas atingidas e dos territórios acontecesse de maneira integral”, afirmou.
Outra acionista que posicionou contrária à proposta de remuneração apresenta foi Alexandra Montogomery, que fez questão de destacar o processo criminal que corre na justiça contra executivos da mineradora, em razão do crime ocorrido em Brumadinho, em janeiro de 2019.
“Não me parece aceitável, do ponto de vista ético, que suas remunerações variáveis sejam retomadas até que haja a definição final, com trânsito em julgado da sentença criminal que evidencie se cada um destes funcionários não teve sua participação nos crimes apurados”, defendeu.
Além das referências ao crime da mineradora Vale em Brumadinho, Tasse levantou questões relacionadas à atuação da companhia em outro crime, o de Mariana, quando a barragem de Fundão se rompeu, matando 21 pessoas e provocando um dano socioambiental de proporções colossais.
“O descompromisso da Fundação Renova e de suas mantenedoras, Samarco S.A., Vale S.A e BHP Billiton Ltda. com as obrigações estabelecidas para a reparação dos danos causados pelo desastre pode acarretar o aumento expressivo das provisões necessárias para os próximos anos, especialmente se considerarmos que a reparação integral, tanto do ponto de vista socioeconômico, quanto do ponto de vista socioambiental, ainda é um horizonte distante, sobre o qual o MPF tem ciência e provas documentais”.
Tasse questionou ainda a postura da mineradora em relação à pandemia do COVID-19. Se por um lado, a companhia tem feito publicidade da compra de insumos médicos destinados ao combate da propagação do coronavírus, por outro tem se negado a paralisar as atividades minerárias, colocando em risco a vida de seus trabalhadores, familiares e de toda a sociedade.
A Vale S.A. não paralisou suas atividades nas minas e nas barragens no Brasil em razão da pandemia do Covid-19, apesar de tê-lo feito em outros países mais desenvolvidos, como o Canadá. Com isso a Vale S.A. reforça o desprezo com o qual comumente trata seus trabalhadores e as comunidades na qual atua.
A crise gerada pela pandemia do Covid-19 também foi citada no voto da acionista crítica Alexandra Montogomery, destacando o momento de emergência pelo qual passa o mundo, enquanto a diretoria da empresa discute uma remuneração milionária aos seus conselheiros e administradores.
“Não é momento de remunerar seus executivos com valores exorbitantes como os que são apresentados na presente proposta. Sou contra reajustes nas remunerações e pagamento de remuneração variável até que se definam as responsabilidades criminais pela tragédia em Mariana e até que o contexto de pandemia que assola o mundo todo seja superado”, destacou.
Outro acionista crítica, Maju do Nascimento Silva, trouxe no voto a denúncia sobre a situação da comunidade Piquiá de Baixo, com pouco mais de mil moradores, no município de Açailândia no Estado do Maranhão. A região enfrenta uma dramática situação decorrente das operações de mineração e siderurgia.
“Os danos decorrentes da poluição, principalmente do ar, têm provocado diversas doenças e complicações de saúde que avançam inclusive para quadros de morte de moradores”, denunciou. “A empresa apesar de ter-se obrigado a aportar recursos para o projeto de reassentamento de 312 famílias residentes em Piquiá de Baixo, age de maneira notoriamente contraditória em seu discurso e política, e se exime de suas responsabilidades ausentando-se de iniciativas realmente capazes de sanar os impactos da cadeia de mineração ao povo de Piquiá”, atestou.
“É urgente e necessário que a Vale S.A. tome medidas para que os recursos necessários para o reassentamento de Piquiá de Baixo sejam garantidos”, concluiu, votando contra a aprovação do relatório.
Bruno César Teixeira relatou diversas situações de risco de rompimento de novas barragens operadas pela Vale em Minas Gerais, como é o caso da barragem Doutor, no distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, e do município de Barão de Cocais. “Convicto estou que as provisões de despesas, se forem minimamente justas as indenizações às famílias desabrigadas pela Vale, (apenas para a região de Ouro Preto, Mariana e Barão de Cocais) irão muito além do previsto, e que os dividendos aos acionistas deveriam estar suspensos até a total reparação de todas as áreas e todas as pessoas afetadas pela Vale”, afirmou.
O impacto é global
Os impactos da atuação da Vale em outros lugares do mundo também foram abordados nos votos dos acionistas críticos. Karina Kato destacou a situação dos atingidos pela mineradora em Moçambique e as demandas apresentadas pelas comunidades e ignoradas pelo relatório apresentado pela diretoria.
“As comunidades atingidas pela ação da Vale em Moçambique exigem casas melhores, compensações devidas pelas roças e barracas de comércio destruídas para a reabilitação da ferrovia, retomada da operação do trem de passageiros diário, nos dois sentidos, reabertura e revitalização das estações que foram fechadas, instalação de passarelas suspensas ou subterrâneas que as possibilitem cruzar a linha férrea a qualquer momento e sem demora e evitem acidentes, e que os vagões de carvão sejam cobertos para que a poeira do carvão não siga adoecendo as pessoas”, concluiu.
A estratégia de compra de ações minoritárias com o objetivo de intervir junto à direção da companhia já leva dez anos. Neste ano, a AIAAV lança um compilado dos votos que marcaram a atuação da articulação junto a mineradora.
Leia o conteúdo completo do relatório “Acionistas Críticos: 10 anos da atuação da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale”.