Quatro anos de Brumadinho: que haja memória, que haja reparação, e que o crime não se repita

Hoje, 25 de janeiro de 2023, completam-se quatro anos do crime da Vale em Brumadinho (MG). Nesta data, em 2019, precisamente às 12:28 da tarde, aconteceu a ruptura da barragem B1, da mina Córrego do Feijão, pertencente à empresa. A Vale sabia, pelo menos desde 2003, dos riscos e fragilidades da barragem. Mesmo assim, não tomou as providências necessárias para evitar o crime-tragédia, e ainda apresentou um laudo falso sobre a estabilidade da estrutura.

Neste crime, a Vale matou 272 pessoas, dilacerou famílias, contaminou o Rio Paraopeba, matou fauna e flora onde despejou sua lama tóxica, prejudicou o abastecimento de água de milhares de pessoas a centenas de quilômetros da barragem rompida, destruiu modos de vida de ribeirinhos e povos indígenas e criou uma marca de violência indelével na história de Minas Gerais.

Apesar de tudo isso, quatro anos depois, não houve punição nenhum culpado pelo crime, e muito menos reparação às vítimas da empresa. Apenas na última segunda-feira, dia 23 de janeiro, a Justiça Federal aceitou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) e tornou rés 16 pessoas, além da Vale e da TÜV Süd, prestadora de serviço alemã que atestou a estabilidade da barragem.

“Como se permite que a Vale não realize a devida reparação a quem foi vítima do seu crime e não recupere o que é possível recuperar? Como se assinam Acordos judiciais e Termos de Ajustamento de Conduta (TAC´s) sem escutar as pessoas que foram impactadas e a sociedade e que só favorecem a empresa criminosa? Como ainda são concedidas à Vale novas licenças para minerar em Minas Gerais?”, questiona a campanha Janeiro Marrom

Criada em 2020 por dezenas de organizações, movimentos, associações e coletivos nacionais e internacionais, a campanha serve “para lembrar o crime da Vale em Brumadinho e alertar sobre a mineração que mata e assombra pessoas, destrói comunidades e ecossistemas, vidas, fauna, flora, paisagem, qualidade do ar e solo, nascentes, aquíferos e rios e, de forma implacável, avança sobre territórios inviabilizando outras formas de viver, viola direitos e faz uso das mais diversas  estratégias para deixar refém a população.”

Alerta sobre a mineração: a história se repete

Para a Janeiro Marrom só existe uma resposta para a total impunidade da Vale e para a continuidade, sem entraves, das suas atividades em Minas Gerais: “um esquema a favor da empresa criminosa comanda o governo do Estado [mineiro] e todas as instâncias que deveriam garantir justiça.”

Em 2022, uma reportagem do site Intercept Brasil mostrou que o governo de Romeu Zema (Novo), juntamente com o governo federal de Bolsonaro, estavam repetindo a mesma fórmula que gerou o crime-tragédia de Brumadinho em um novo megaprojeto de mineração ao norte de Minas Gerais, desta vez, com a empresa de capital chinês Sul Americana de Metais, a SAM. O complexo minerário que a SAM pretende instalar no estado prevê a construção de barragens de rejeitos 90 vezes maiores do que a que se rompeu em 2019 em Brumadinho matando 272 pessoas. 

As barragens estão previstas para serem construídas a menos de 10 km de comunidades geraizeiras, o que é proibido pela lei Mar de Lama Nunca Mais. Segundo a reportagem, a aprovação do projeto conta com forte lobby da empresa junto ao governo Romeu Zema no sentido de facilitar e viabilizar o processo de licenciamento do complexo, que já tinha sido considerado ambientalmente inviável pelo Ibama. O lobby, segundo mostrou a reportagem, incluiu a participação do ex-secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais Germano Luiz Gomes Vieira. Em 2017, quando era secretário de Meio Ambiente do Estado, Vieira “incorporou sugestões da Vale e assinou norma que reduziu etapas do licenciamento ambiental. A empresa se valeu da medida para fazer alterações na barragem da Mina de Córrego do Feijão”, justamente a que se rompeu em Brumadinho.

Ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos

Em junho de 2022, a Vale foi condenada pelo Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado como co-responsável, junto ao governo brasileiro e outras empresas e organizações – nacionais e estrangeiras -, pelo crime de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos. O TPP é definido como um tribunal internacional de opinião, instituído em 1979 em Roma, na Itália, como um instrumento de apoio e promoção das lutas dos povos em busca e defesa do direito à autodeterminação. O Tribunal existe para suprir a ausência de uma jurisdição internacional competente que se pronuncie sobre os casos de violações contra os povos.

Na sessão realizada em 2022 no Brasil para julgar os crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos, foram analisados 15 casos de violações de direitos socioambientais cometidos por governos e empresas em oito estados da federação onde há Cerrado – Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí e Tocantins. Em Minas, o caso analisado pelo júri do Tribunal foi o da comunidade Cachoeira do Choro, na zona rural de Curvelo, a quase 200 km de Brumadinho. Apesar da distância do local do rompimento da barragem, a comunidade ribeirinha, que dependia do rio Paraopeba para garantir o sustento por meio do turismo, da pesca e da agricultura familiar, foi e é severamente impactada – até hoje – pela contaminação do rio com a lama tóxica da Vale.

Em janeiro de 2022, cerca de 800 famílias de Cachoeira do Choro ficaram sem água para beber, cozinhar, irrigar quintais produtivos e dar de beber a animais. As chuvas que afetaram Minas Gerais naquela época inundaram e destruíram casas; o poço artesiano que abastecia a comunidade ficou embaixo de dois metros de água, e as bombas pararam de funcionar. A Vale, que está obrigada a fornecer água aos ribeirinhos da comunidade, não cumpriu o acordo firmado com a Defensoria Pública do Estado (DPE), segundo Eliana Marques, moradora de Cachoeira do Choro. “A Vale entra na comunidade e escolhe a dedo para quem ela vai dar água. Geralmente ela cede água para os ricos, para os poderosos do lugar, e os pobres ficam sem nada. Os pobres que tiveram o direito [à água] reconhecido, logo depois ela corta esse direito também. Ela não cumpre o que está acordado, ela não fornece água para todos”, declarou Eliana em 2022.

Justiça e solidariedade

O caso de Cachoeira do Choro mostra o alcance e gravidade do crime cometido pela Vale há quatro anos, e a continuidade das violências perpetradas pela empresa contra suas vítimas, incluindo as 272 pessoas mortas e seus familiares, amigos e colegas.

Diante das reiteradas violências da Vale e do quadro de impunidade sistêmica – engendrada pelo governo de Minas Gerais e pelo sistema de justiça -, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) presta sua solidariedade às famílias das 272 pessoas mortas pela empresa, e a todos os viventes – humanos e não humanos – que padecem as consequências da sua presença destrutiva no mundo.

A Articulação reafirma seu compromisso de seguir denunciando os crimes e violações da Vale, dentro e fora do Brasil, e de seguir amplificando as vozes e fomentando as lutas daqueles e daquelas que se recusam a calar diante das injustiças.

Que haja memória, que haja reparação, e que o crime não se repita.

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