Renova estaria ‘enrolando’ tratamento médico para atingidos por barragem da Samarco

Após quase quatro anos, vítimas que tiveram contaminação no corpo comprovada travam luta para conseguir consultas

Há mais de um ano, o Brasil de Fato noticiou a contaminação de onze atingidos pela barragem da Samarco em Barra Longa (MG) com alto níveis de metais pesados (como níquel e arsênio) no sangue. Ainda em 2018, falávamos sobre a dificuldade do acesso a tratamentos de saúde que afligia as vítimas. Até o momento, parece que nada mudou.

“Sinto que estou com meus dias contados”

A pequena Sofia, que tinha 10 meses de vida em novembro de 2015, quando a barragem de Fundão se rompeu na cidade de Mariana e atingiu sua casa em Barra longa, hoje tem 4 anos. Ela luta desde bebê com problemas para respirar, feridas na pele, alergias, febre, diarreia, coceira. A dor que ela costumava ter na perna passou para a cabeça e é tão forte que a faz ter tonteiras, segundo Simone, a mãe. Sofia toma altas doses de corticoide, antitérmicos, usa bombinha e vai ter que fazer nebulização constante.

De acordo com o último exame da criança, cujo resultado foi liberado há um mês, o nível da contaminação do corpo cresceu.

Simone, além de ser mais uma dos outros quatro membros da família com a saúde comprometida pelos metais pesados, está cansada física e psicologicamente. Ela diz não “aguentar mais” o descaso da Fundação Renova [empresa criada pela Samarco para reparação dos danos causados às vítimas], e afirma que a organização deseja vencer os atingidos “pela morte”. “Se a pessoa morrer, fica mais fácil para eles. O gasto é menor. Não sei até quando vou aguentar resistir, sinto que estou com meus dias contados”, desabafa.

Ela declara que para toda consulta ou exame que Sofia tem que fazer é preciso travar uma briga exaustiva com a Renova, às vezes até envolvendo o Ministério Público.

“A gente fica até o último segundo sem saber se vai ter exame, se a Renova vai arcar, nos enrolam até o fim. Outro dia foram liberar já eram altas horas da noite. Tive que sair com Sofia pra outra cidade de madrugada pra chegar na consulta de manhã. Chegamos e tudo fechado, não tinha nada pra ela comer, nenhum leite pra tomar. Nessas a minha pressão aumenta, chega a 22”, relata Simone.

Aline Pacheco, psicóloga da assessoria técnica independente que acompanha as vítimas (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social – AEDAS), explica que nem as solicitações de procedimentos são simples. Antes, cabe à assessoria fazer um ofício e reiterá-lo sempre que necessário. “Não é só o atingido ir lá e requerer, como deveria ser e estava acordado. Nós temos que fazer todo um embasamento técnico para que seja considerado o direito à saúde. Parece que fazem de tudo para cansar, para adoecer famílias que já estão adoecidas. Isso tira a legitimidade de luta dos atingidos”, ressalta.

A psicóloga deixa claro que Sofia e Simone fazem parte de apenas uma das muitas famílias atingidas. “São várias crianças, várias pessoas. É uma cidade inteira [Barra Longa] querendo saber se determinados sintomas se referem a metais pesados ou não, querendo entender. E houve uma mudança completa nos modos de vida, na alimentação, nos vínculos. Claro que reflete na saúde da população”, declara.

Dificuldade no SUS

O Governo de Minas Gerais ainda não estabeleceu protocolos de saúde para os atingidos por barragens no Sistema Único de Saúde (SUS). O que daria às unidades básicas de saúde de todo o estado, por exemplo, mais agilidade e capacidade para lidar com orientações específicas para as vítimas, como quais exames fazer, ou qual profissional e espécie de avaliação médica o paciente precisa.

Posicionamento

Por meio de nota, a Fundação Renova declarou que “suplementa” o município de Barra Longa com 20 profissionais que atuam no SUS e no Sistema Único de Assistência Social (Suas). “A Fundação Renova oferece, ainda, uma ambulância e dois veículos para o atendimento aos atingidos que necessitam se deslocar para atendimento fora do município. Em Mariana e Barra Longa 60 profissionais (médicos e enfermeiros) atuam no reforço ao serviço público de saúde”.

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