Riqueza e pobreza: duas faces da mineração no sudeste do Pará

A atividade mineradora no sudeste paraense, mais especificamente a concentrada no entorno do município de Marabá, centro econômico e administrativo de uma vasta fronteira agrícola amazônica, tem se colocado como elemento importante de reflexão devido aos grandes impactos socioeconômicos, políticos e ambientais que provoca nos municípios da região. Há que se considerar a importância do minério como produto de exportação brasileiro no momento atual da crise econômica pela qual passa o capitalismo mundial.

Inúmeros são os efeitos que a expansão do capitalismo, em nome do que chamam progresso, mas que também poderíamos chamar de morte, traz para essa região: devastação das florestas; aniquilação de comunidades tradicionais (ribeirnhos, extrativistas e povos indígenas entre outros); destruição da agricultura familiar e envenenamento pelos agrotóxicos do agronegócio; processos migratórios que originam urbanizações caóticas e que servem à formação de força de trabalho em condições precarizadas; expansão do narcotráfico eda prostituição infanto-juvenil; alta mortalidade de jovens das periferias, alvos do crime organizado e das milícias, para ficarmos apenas nesses.

Como resposta aos movimentos sociais que se organizam para resistir à cerca de 40 anos de implantação dos grandes projetos e seus efeitos desestruturadores, temos como histórico da região uma prática corriqueira da violência e assassinatos de liderançascom a participação do Estado, como também das empresas privadas e do latifúndio.

Ao tratar sobre as políticas governamentais de apoio à mineração podemos caracterizar o papel do Estado por intermédio de três ações: quanto aos recursos financeiros destinados a impulsionar políticas produtivas excludentes ou geradoras de subempregos; quanto à difusão do arcabouço ideológico necessário para a implantação das políticas (industriais, econômicas, sociais etc.) que ajustam a economia nacional às necessidades do mercado mundial e, por último, quanto à prática institucionalizada/banalizadora da violência e criminalização contra qualquer forma de oposição aos processos que implantam o que tem se chamado de Progresso.

O progresso, tal como se apresenta, traz uma visão de mundo a partir do grande capital localizado nos países que comandam a economia mundial e em processos civilizatórios que reproduzem etnocentrismos já conhecidos nos períodos coloniais. Expressam, conforme descrito pelo filósofo Enrique Dussel,que a civilização moderna é mais desenvolvida e superior o que obriga aos países “civilizados” desenvolverem os mais primitivos, numa falácia desenvolvimentista que busca justificação para todo o tipo de violência e destruição dos “bárbaros” que se opõem ao processo “civilizatório”. Essa dinâmica assume o caráter de “progresso”, no qual as práticas violentas de repressão e extermínio, bem como o rastro de destruição ambiental que deixam, são tidas como sofrimento inevitável, necessário e benéfico diante de um futuro próspero para todos. Dessa forma o progresso (= morte) se apresenta como a única forma possível de reprodução da humanidade e a ele devemos nos conformar.

Os últimos indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que em 30 anos, considerando apenas o município de Marabá, houve um aumento populacional de cerca de 650%, provocado pela atração dos diversos setores produtivos aí instalados e, entre os quais se destaca a Companhia VALE e suas diversas áreas de extração e beneficiamento de minérios. Com origens das mais diversas localidades, grande parte dessa população é de despossuídos de terra e trabalho, compõe uma massa de força de trabalho extremamente precarizada e ocupa bairros periféricos insalubres, totalmente ausentes de políticas sociais que provenham seus moradores de um mínimo de dignidade.

A despeito dos diagnósticos negativos, o capitalismo avança irrefreável nesta região, alheio a estudos de impactos e deixando no seu rastro e como marca no presente, os sinais de destruição e uma aparente “boa inserção do Brasil” na balança comercial, colocando o país, em apelos ufanistas, entre as dez maiores economias do mundo, com grande participação do minério extraído das terras ocupadas pela empresa VALE no sudeste do Pará.

A indústria mineradora e a siderurgia respondem na região por duas grandes frentes de atividades predadoras: a atividade industrial das siderúrgicas, alimentada pelo ferro e pelo carvão,leva, por um lado, a uma intensa atividade madereira e devastação da floresta nativa. Por outro lado, a mineração de lavra tem poluído rios e nascentes e, ao mesmo tempo em que expulsa levas camponesas, comunidades indígenas e ribeirinhas de suas terras, atrai trabalhadores desempregados de outras regiões, contribuindo para uma acelerada e caótica urbanização.

Indicadores revelam que o município de Marabá, que hoje possui cerca de 250 mil habitantes, é o quarto colocado no país em matéria de mortes por violência, especialmente por assassinatos na faixa etária entre 15 e 25 anos do sexo masculino. O município de Itupiranga, com cerca de 50.000 habitantes, se coloca em primeiro lugar nessa mesma estatística (http.www.sangari.com/ mapadaviolencia/pdf2010/). Ambos os municípios estão localizados no sudeste paraense, próximos ao chamado Bico do Papagaio, onde ocorre o encontro dos Rios Tocantins e Araguaia, região conhecida especialmente pelo acirramento dos conflitos agrários, uma vez que os setores agropecuários e do agronegócio se instalaram violentamente nas áreas rurais, provocando a expulsão doscamponeses para os perímetros urbanos. Aos conflitos agrários, somaram-se os dos atingidos pela mineração.

O desafio que se coloca para nós, sociedade diretamente atingida, é promover atividades que envolvam universidades, governos e entidades dos movimentos sociais, sindicatos e populações locais em perspectivas mais abertas e efetivas de estudos e ações referentes aos processos de tomada de decisões sobre o que se pleiteia como desenvolvimento para a região.

Políticas públicas de cunhos universais deve ser pauta de nossas exigências para diminuir o profundo fosso de desigualdades geradas pelo déficit entre as riquezas que daqui são retiradas e o pauperismo que deixam para trás. Entendemos que a relação existente entre o Estado, as empresas e o público em geral deve ser ampliada e aprofundada imediata e permanentemente, de forma que se possam constituir instrumentos dialógicos na implementação de políticas e de programas governamentais para o sul e sudeste do Pará.

Texto de Celia Regina Congilio – Cientista Política, professora da UNIFESSPA de 09 Dezembro 2013

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