Seis meses depois do desastre de Brumadinho, comitês internos de apuração da Vale ainda não apresentaram resultados

RIO – Quase seis meses depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho , em Minas Gerais, as iniciativas de investigação interna tomadas pela companhia não tiveram qualquer conclusão conhecida até agora. O Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração criado no dia 27 de janeiro, dois dias depois da tragédia que resultou em 248 mortos e 22 desaparecidos , não apresentou resultados sobre as falhas de gestão na segurança de barragens pela empresa e se tornou alvo de queixas de falta de transparência por parte de representantes das famílias de vítimas. A Vale também é questionada por investidores, que entraram com ações nos EUA e no Brasil contra a empresa por causa do impacto financeiro do desastre.

O comitê, coordenado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), voltado para as causas do rompimento da barragem, é um dos quatro criados pela mineradora. Cada um tem uma função distinta, como acompanhar as providências relacionadas à assistência aos atingidos e à recuperação do meio ambiente e a redução de riscos nas outras barragens de rejeitos de minério da companhia.

Familiares de vítimas da barragem dizem não terem tido contato com nenhum representante desses grupos até agora. Nem para a busca de informações e nem para a informação do que já foi apurado. Alguns desses atingidos chegaram a comprar ações da Vale para ter o direito de participar da assembleia de acionistas realizada em maio e cobrar informações e providências da cúpula da empresa. Carolina de Moura, integrante do grupo Articulação dos Atingidos e Atingidas pela Vale, lembra que, na ocasião, representantes desses comitês chegaram a procurá-la para iniciar uma conversa. Feita a troca de cartões, nenhum contato evoluiu.

— Depois disso, ninguém dos comitês nos procurou. Não houve sequer um contato. E isso é muito ruim e mostra como a companhia negligencia as vozes dissidentes. Há uma grande falta de transparência. Não houve mudanças na postura arrogante da companhia. Há muita ausência — queixa-se Carolina.

Diferente do comitê responsável por apurar as causas do acidente, e tido como o mais importante na empresa, os outros três grupos têm a função de propor iniciativas para reduzir os impactos à Vale e fiscalizar o pagamento de indenizações às famílias das vítimas, além de ajudar na coordenação do trabalho dos mais de 400 funcionários que foram deslocados para a região de Minas Gerais.

Em nota, a Vale informou que “o Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração (CIEAEA) vem, desde sua instauração, realizando diversas atividades de investigação” e que “tem interagido com as autoridades responsáveis por outras investigações”. Procurada, Ellen Gracie não se pronunciou.

Depois do rompimento da barragem, a Vale se viu obrigada a reestruturar sua gestão. O então presidente Fabio Schvartsman foi substituído por Eduardo Bartolomeo, que assumiu a missão de recuperar a credibilidade da companhia. Uma nova diretoria foi criada, a de Reparação e Desenvolvimento, especialmente para lidar com as consequências do desastre de Brumadinho. Ela é comandada por Marcelo Klein, responsável pelas açõe emergenciais e de suporte a famílias de vítmas que já custaram à Vale R$ 2,3 bilhões desde janeiro, incluindo obras e indenizações morais e trabalhistas.

Acordos e obras

Até o momento, a Vale já fechou acordos definitivos para as indenizações individuais e trabalhistas com mais de cem mil pessoas e deu início às principais obras de remoção dos rejeitos e de recuperação ambiental na região atingida. Também fez doações à prefeitura de Brumadinho e órgãos públicos estaduais. Segundo a empresa, 256 famílias foram alocadas em moradias provisórias.

— A previsão é que os gastos cheguem a R$ 15 bilhões nos próximos cinco anos. Só vamos acabar as ações de reparação quando a última pessoa estiver satisfeita. Queremos escutar as pessoas para saber o que de fato gera valor para a sociedade. No fim de julho, ficará pronto um diagnóstico socioambiental que prevê mais de 20 programas de reparação — afirma Klein.

O custo financeiro da tragédia impactou o balanço e o valor de mercado da Vale, desagradando investidores. Na semana passada, a mineradora se tornou alvo de uma arbitragem aberta na Bolsa de Valores de São Paulo (a B3) por fundos de investimento que têm ações da Vale. Acusam a companhia de divulgar ao mercado informações enganosas sobre a segurança de suas barragens, induzindo investidores a erro. O argumento é similar ao da ação coletiva aberta por investidores estrangeiros na Justiça dos EUA.

No mercado de ações, a mineradora ainda não recuperou o valor de mercado que tinha na véspera do desastre, em janeiro, quando valia R$ 296,7 bilhões. Nos dias após o rompimento da barragem, a empresa chegou a perder R$ 76,9 bilhões em valor na Bolsa. De lá para cá, as ações vêm se recuperando, influenciadas também pela alta no preço do minério, mas ainda estão 6% abaixo do nível anterior à tragédia. Na sexta-feira, o valor de mercado da Vale era de R$ 278,6 bilhões.

A Vale sentiu também no caixa o peso da tragédia. No primeiro trimestres, a empresa teve um prejuízo de US$ 1,64 bilhão, bem diferente do lucro de US$ 1,59 bilhão registrado no mesmo período do ano anterior.

Com a tragédia, houve redução de 11% da produção da empresa no primeiro trimestre, devido à paralisação de Brumadinho e de outras unidades pela Justiça por dúvidas em relação à segurança de outras barragens. Para analistas de mercado, ainda não é possível dimensionar o total de perdas que a Vale contabilizará por causa do desastre de Brumadinho.

— O acidente trouxe impactos profundos para a Vale, para o setor de mineração e em todas as empresas que fazem parte da cadeia do aço no mundo. A expectativa é que sua produção chegue a 350 milhões de toneladas neste ano, abaixo dos 400 milhões que eram esperados se não tivesse ocorrido o acidente. Isso fez o preço do minério de ferro subir no mundo. Antes do acidente, o preço girava na faixa de US$ 65 por tonelada e hoje está cotado a US$ 121,27, praticamente dobrou — disse Pedro Galdi, analista de Investimento da Mirae Asset.

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