Há cerca de um ano e meio, a mineradora Vale anunciou que deixaria de explorar carvão das minas de Moatize e o corredor logístico de Nacala, em Moçambique, e venderia o negócio a outra empresa. A estratégia, conhecida como “desinvestimento”, costuma ser utilizada por empresas transnacionais quando o lucro já não caminha mais para o esperado ou quando as atividades já não estão mais de acordo com os planos futuros da matriz.
O anúncio da saída da Vale do negócio de carvão em Moçambique foi cercado por desinformação e secretismo por parte da mineradora. As populações afetadas pela exploração das minas a céu aberto em Moatize, na província de Tete, temiam que a operação virasse uma estratégia de abandono da Vale de todas as reparações, indenizações e reassentamentos que ela deve por cerca de 15 anos de violações de direitos e violências cometidas contra populações locais, incluindo expropriações, desalojamentos, poluição e desestruturação de modos de vida tradicionais.
Em 25 de abril desse ano, a Vale concluiu a venda para a empresa indiana Vulcan Minerals por cerca de 235 milhões de euros. Hoje, o temor de um ano e meio atrás vem se confirmar no dia a dia das famílias de Moatize, que continuam sofrendo com os mesmos impactos causados pela exploração do carvão, e sem qualquer resposta da Vale, da indiana Vulcan e nem do governo de Moçambique.
No episódio #16 do podcast Vozes que Vale(m)! entrevistamos Samito Farias Tomocene e Jamal Eugénio Esteves, moradores de Moatize e membros da Associação Utchessa, sobre os desafios impostos pela empresa Vulcan na esteira das violações inauguradas pela Vale.
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Máquinas e poluição 24 horas
Primeiro de Maio, Liberdade, Nantchere e Bagamoio são quatro bairros de Moatize altamente impactados pela exploração de carvão em minas a céu aberto iniciadas pela Vale e hoje operadas pela indiana Vulcan.
Poluição sonora e do ar são constantes. As máquinas, segundo Samito Farias Tomocene, que vive em Bagamoio, operam 24 horas por dia, próximas dos bairros e comunidades. Por causa das explosões realizadas nas minas, as casas estão cheias de fissuras e rachaduras. Algumas já desmoronaram, e outras, especialmente nas chuvas, correm risco de cair.
Outro problema enfrentado diz respeito ao reassentamento das famílias, feitos em locais sem infraestrutura básica, como água. Famílias que trabalhavam em olarias e foram retiradas de seus territórios para dar lugar à exploração do carvão reclamam que receberam indenizações injustas, além de terem perdido suas condições de trabalho.
Segundo Samito, o governo não oferece qualquer apoio às comunidades, e permanece ao lado da empresa. A Vulcan, por sua vez, nega a responsabilidade pelas violações, e diz que precisa realizar estudos para averiguar se, de fato, suas operações causam impacto à população de Moatize.
Perda dos locais de trabalho
A Vale chegou em 2008 em Moatize. Em 2011, começou a explorar as minas de carvão. Apesar das promessas de emprego e renda feitas pela mineradora, o que se viu, de fato, foi o desemprego, já que as famílias impactadas, acostumadas ao trabalho nas olarias, na criação de gado e nas roças, chamadas de machambas, perderam seus locais de trabalho ao serem removidas dos territórios pela mineradora.
A Associação Utchessa tem adotado diferentes estratégias para endereçar as demandas das comunidades impactadas pela Vulcan. Desde o mapeamento e registro dos danos causados pela empresa até o convite à mineradora e ao governo para dialogarem têm sido ações empreendidas, segundo nos contou Jamal Eugénio Esteves, diretor executivo da associação. Ele também apontou como estratégia de resistência e de busca por reparação e justiça a formação em direitos humanos e legislação.
Para saber mais notícias sobre os impactos causados pela Vale, e agora pela Vulcan, às comunidades de Moatize, acesse a ferramenta de pesquisa deste site e digite a palavra Moçambique para acessar tudo o que já publicamos sobre o tema.