Apesar do arquivamento, comunidades sabem que empresa não vai desistir do empreendimento, e que o recuo temporário é apenas uma estratégia da mineradora para retomar o projeto com mais força
No último dia 25 de julho, a Superintendência Regional de Meio Ambiente Jequitinhonha (Supram-Jeq), vinculada à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Minas Gerais, informou a suspensão da audiência pública referente ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Projeto Serra da Serpentina, da Vale.
De acordo com o ofício da Supram, a suspensão se deu porque a empresa pediu o arquivamento do processo de licenciamento do Projeto Serra da Serpentina, que prevê a construção de cavas, mineroduto, a disposição de pilhas de rejeito e outras infraestruturas para extração, beneficiamento e transporte de minério de ferro. O projeto tem grande potencial de destruição socioambiental nos municípios de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Morro do Pilar, Carmésia, Santo Antônio do Rio Abaixo, São Sebastião do Rio Preto, Itambé do Mato Dentro, Passabém, Santa Maria do Itabira, Nova Era e Antônio Dias.
Em seu ofício, a Supram não informou os motivos do arquivamento do processo de licenciamento, e nem sobre sua eventual retomada.
Encontro de resistência
A decisão da Vale de arquivar o processo de licenciamento aconteceu menos de um mês depois que mais de uma centenas de quilombolas, indígenas, membros de comunidades tradicionais e ambientalistas se reuniram em Itabira (MG) para fazer frente à tentativa da empresa de implantar o projeto sobre seus territórios ancestrais.
Entre os dias 1 e 2 de julho, lideranças desses povos e comunidades, além de entidades, movimentos, universidades e mandatos políticos se reuniram para discutir os potenciais impactos do Projeto Serra da Serpentina, que pretende extrair e exportar 47 milhões de toneladas de minério de ferro bruto por ano, ao longo de 39 anos, da região da Bacia Hidrográfica do Rio Santo Antônio, gerando graves impactos sociais e ambientais.
Denúncia durante assembleia de acionistas
Em abril deste ano, uma representante de comunidades quilombolas e indígenas do Alto e Médio Rio Doce, com apoio da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV), comprou uma ação e tornou-se acionista crítica da empresa para ter direito de voz e voto durante a assembleia geral anual da Vale, que aconteceu no final daquele mês.
Durante a assembleia, realizada de forma virtual, a representante denunciou aos demais acionistas os potenciais impactos do novo empreendimento e as violações já cometidas pela Vale no Projeto Serra da Serpentina ao ignorar o direito à consulta prévia, livre, informada, consentida e de boa fé aos povos e comunidades tradicionais garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A denúncia ficou registrada em ata, e a mineradora, assim como seus demais acionistas, não podem alegar desconhecer a violação e nem os impactos que podem gerar às comunidades com este novo projeto.
Após a repercussão na imprensa nacional sobre a participação da acionista crítica durante a assembleia, a empresa afirmou que o Projeto Serra da Serpentina estava sendo revisado, e que o novo EIA seria protocolado tão logo os estudos em andamento fossem finalizados, “com a oportunidade de escuta ampla e ativa, considerando interlocutores da empresa”. A mineradora disse ainda que aguardava a “emissão da autorização de manejo de fauna terrestre e aquática pelo órgão ambiental para finalizar os levantamentos para o EIA do novo projeto”.
Os povos e comunidades, articulados em resistência ao Projeto Serra da Serpentina da Vale, consideram que o arquivamento do processo responde às inúmeras críticas que fizeram às deficiências dos estudos ambientais, que constituíam uma tentativa de licenciamento do tipo “vai que cola”. Também sabem que esse arquivamento é uma vitória parcial da luta contra as violações da empresa, pois em nenhum momento a mineradora ou a Supram falaram em desistência permanente do projeto. Os povos e comunidades sabem que a empresa não vai desistir do empreendimento, e que o recuo temporário é apenas uma estratégia da Vale para retomar o projeto com mais força.
Por isso, os povos e comunidades seguirão atentos e em luta, alertando a sociedade e os órgãos públicos para os impactos que poderão vir com mais esse projeto de uma empresa que já causou tantos danos às populações atingidas e ao meio ambiente.
COLETIVO SOS DOCE SANTO ANTÔNIO
Comissão das Comunidades Quilombolas do Alto e Médio Rio Doce
Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV)
Brigadas Populares
MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração)
Instituto Cordilheira
MovSAM (Movimento pelas Serras e Águas de Minas)
Gesta/UFMG (Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais/Universidade Federal de Minas Gerais)
OCDOCE/Unifei (Observatório dos Conflitos e Confluências Rurais da Bacia do Rio Doce)
Cedefes (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva)
Acaó (Associação de Conservação Ambiental Orgânica) de Santa Maria de Itabira
Cáritas
Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros (Addaf)
Frente Mineira de Luta das Atingidas e Atingidos pela Mineração (Flamaa-MG)
Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região