Vale busca analistas privados que atuem em remoções em Itabira. Movimentos denunciam estratégia da empresa para burlar lei

Membros das Brigadas Populares e do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região denunciam suposta tentativa da Vale em contratar profissional, por meio de processo seletivo privado, para atuar nas remoções de moradores de bairros de Itabira (MG) por conta das obras de descomissionamento de diques do Sistema Pontal. A contratação, segundo a denúncia, violaria o que está previsto na Política Estadual dos Atingidos por Barragens, instituída pelo governo de Minas Gerais após o crime da Vale em Brumadinho, que garante aos atingidos por barragens o direito de ter uma Assessoria Técnica Independente (ATI), custeada pelo empreendedor, para orientá-los nos processos envolvendo remoções, por exemplo.

Segundo membros do Comitê Popular, a Vale tem sido intransigente nas negociações para fazer a contratação da ATI, num evidente desrespeito às leis e aos direitos daquelas e daqueles que impacta diariamente, aumentando os sofrimentos que impõe. Esta não é uma estratégia nova da empresa para evitar cumprir obrigações e ações de mitigação e reparação devidas por seus crimes. Em 2020, a empresa buscou na justiça formas de diminuir o campo de atuação, o tempo de duração e até o orçamento das assessorias técnicas contratadas para dar assistência aos atingidos pelo crime de Brumadinho (MG). Segundo reportagem publicada na época, os argumentos utilizados pela empresa junto à justiça foram os mesmos “que impediram até hoje o início do trabalho das assessorias na Bacia do Rio Doce.”

Vale impede organização dos atingidos

Para Leonardo Ferreira Reis, membro das Brigadas Populares e do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região, a contratação aberta pela empresa significa que ela está ampliando sua equipe de profissionais e escopo de ações para realizar a expulsão de centenas de famílias ameaçadas pela Barragem do Pontal, em Itabira. “Com isso, a empresa impede a organização dos atingidos e o cumprimento da lei que garante a reparação integral e a contratação de Assessoria Técnica Independente, contratada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), mas custeada pela empresa”, afirma Reis.

Segundo ele, no começo do ano a Vale informou ao MPMG que iniciaria as obras de construção do muro de contenção sobre os bairros Bela Vista e Nova Vista em Outubro de 2021, mas após as denúncias do Comitê Popular e a mobilização dos moradores para exigir os seus direitos, a empresa alterou a data, dizendo que as obras só vão acontecer em 2022, pois precisa realizar “estudos prévios”. “Estes estudos não são apenas técnicos, sobre aspectos da Engenharia Civil, mas também são levantamentos socioeconômicos e de desmobilização da comunidade, tentando fazer com que a reparação seja individual e parcial para os atingidos”, declara o membro das Brigadas e do Comitê.

De acordo com notícia publicada no site da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV), a empresa está assediando moradores de Itabira com “rodas de conversa” e levantamento de dados socioeconômicos para, segundo denúncia do Comitê Popular, oferecer acordos e possibilidades de negociação que acabam minando a perspectiva coletiva das reparações.

Remoção com “atendimento humanitário”

As 2 vagas anunciadas em site da empresa são para “Analista relações comunidade sênior – remoção involuntária – corporativo”, com atuação em Itabira. Entre os pré-requisitos obrigatórios que a empresa exige dos candidatos estão a “sólida experiência em processos de remoção involuntária” e “expertise em (…) atendimento humanitário”.

Entre os pré-requisitos desejáveis, a Vale aponta para a “familiaridade com processos alinhados ao Padrão de Desempenho 5 – IFC Banco Mundial.” O conjunto de oito padrões de desempenho desenvolvidos pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), vinculada ao Banco Mundial (BM), fornecem aos clientes do banco “orientação sobre o modo de identificar riscos e impactos e destinam-se a ajudar a evitar, minimizar e gerenciar riscos e impactos, como forma de fazer negócios de maneira sustentável, incluindo o engajamento das partes interessadas e as obrigações de divulgação por parte do cliente no que se refere a atividades no âmbito do projeto.”

O Padrão de Desempenho 5 refere-se à “Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário”. Segundo documento oficial da IFC, o Padrão de Desempenho 5 “reconhece que a aquisição de terras relacionadas a um projeto e as restrições a seu uso podem ter impactos adversos sobre as comunidades e as pessoas que usam essa terra.”

Entre as recomendações dadas aos seus clientes em processos de remoção que levam a cabo, o IFC destaca:

“Para ajudar a evitar a desapropriação e eliminar a necessidade de recorrer à autoridade governamental para executar a transferência, os clientes são incentivados a utilizar acordos negociados que atendam aos requisitos deste Padrão de Desempenho, ainda que disponham dos meios legais para adquirir a terra sem o consentimento do vendedor.”

O incentivo aos “acordos negociados” presente no Padrão de Desempenho 5 reforça a suspeita das Brigadas e do Comitê Popular de que as duas vagas abertas pela Vale são uma forma de burlar a obrigação legal de custear a contratação de Assessoria Técnica Independente (ATI) pelo MPMG, e assim minar a organização e as reparações coletivas.

“Estamos buscando apoio de entidades que possam nos auxiliar a denunciar estes abusos da Vale, assim como a orientar, através de ações de formação, distribuição de cartilhas e manifestações, os atingidos que moram nos bairros mais afetados pelo risco da Barragem do Pontal, em Itabira”, declara Leonardo Ferreira Reis.

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