Ser mulher na luta contra a mineração: entrevista com Liduina Paiva, do Coletivo Mulheres, do MAM

Por Gizele Martins

O que tenho total certeza é que é melhor estar na luta defendendo os pobres, do que morrer curvada diante das injustiças que nos violam”, diz Liduina Paiva, do Coletivo Mulheres do MAM (Movimento Pela Soberania Popular na Mineração).

Finalizando março, mês em que é lembrado e celebrado o Dia Internacional de Luta das Mulheres, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) publica entrevista com Liduina Paiva, do Coletivo Mulheres do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), que está na luta contra a mineração há uma década. 

Liduina tem 47 anos e reside na comunidade Riacho das Pedras, no município de Santa Quitéria, Ceará. O local fica próximo à jazida de Itataia, na Serra do Machado, caatinga cearense. A jazida vem sendo cobiçada por duas empresas: a estatal Indústrias Nucleares do Brasil, e a privada Fosfatados do Norte-Nordeste S/A. As duas formaram o Consórcio Santa Quitéria, e tentam o licenciamento junto ao Ibama para explorar fosfato e urânio na região.

Liduina, antes de iniciar sua luta contra a mineração, desde muito tempo participa de vários movimentos na comunidade. “Iniciei minha militância nas Comunidades Eclesiais de Base. Fiz parte também de um sindicato e em 2009 e 2010 surgiu a articulação antinuclear”, relatou. 

Só depois de tanto tempo na luta contra as empresas de mineração, Liduina disse que se deu conta de que pautar a luta das mulheres era e é importante. “Foi a partir das formações de cursos sobre feminismo e direito das mulheres organizados pelo MAM que senti a importância da luta de nós, mulheres. Nós somos a classe mais atingida, é muito homem na comunidade e existe muito preconceito e machismo. O patriarcado nos coloca só como objetivo e, a partir desse movimento, a gente procura saber da nossa realização como mulher”, diz Liduina. Leia a seguir a entrevista completa: 

Como você iniciou a sua atuação dentro do seu território e como tem sido a construção de luta contra a mineração ao longo desses anos?

Participei de vários movimentos dentro da comunidade, antes se chamava Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em prol dos menos favorecidos. Nós fomos criados em movimento, em romaria, tudo em prol da comunidade, e isso abrangeu outras comunidades e outros estados. Fiz parte também do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. Entre 2009 e 2010 surgiu a articulação antinuclear. 

Em 2014 houve uma audiência pública das empresas e do poder público. Nesse dia a gente só ouviu o quanto essa exploração do território iria beneficiar o Estado e as empresas. Como a gente é de família tradicional, de paróquias, em 2010 a diocese de Sobral puxou outra audiência pública com a participação dessas empresas.

Quando a gente chegou nessa audiência pública, conseguimos apontar muitos defeitos, porque dessa vez corremos na frente junto à Universidade Federal do Ceará e produzimos uma cartografia com a participação de toda comunidade. 

O Ibama negou a licença, mas as mineradoras continuam aqui. Agora em 2022, houve outra audiência pública, mas deu para perceber que eles estavam copiando e modificando poucas coisas. O argumento era a diminuição em 3% do que eles iam gastar da água. Eles disseram que não iria prejudicar o meio ambiente, o que não é verdade. A gente conseguiu fazer os apontamentos e graças à luta o Ibama negou a licença novamente!

Qual o impacto dessas empresas na contaminação e escassez das águas na região, incluindo nos quilombos e aldeias indígenas?

As mineradoras iriam gastar em média 140 carros pipa por hora só para a realização das obras, mas não temos nem 18 carros pipa para abastecer nossa comunidade. Nos perguntamos: por que para o agronegócio tem água? Sendo que nas épocas de escassez, em épocas de seca, a gente não tem esse direito para abastecer nossa comunidade.

Além disso, nos anos de desgoverno de Jair Bolsonaro, o programa de água por meio de carros pipa na nossa comunidade foi cortado, piorando ainda mais a nossa situação. Outro sério problema é a preocupação com os diversos territórios no entorno, porque se a água ficar poluída, todos os outros territórios também vão sofrer o impacto. 

Outro grave problema é que o urânio contamina o ar e isso vai prejudicar também os quilombos e aldeias indígenas aqui próximas. Ou seja, o minério vai ser extraído aqui, vai nos impactar e impactar a vida de outras localidades aqui próximas. E esse impacto é na vida humana, mas também em toda a biodiversidade. Por isso, nossa luta é pelo direito à vida, em defesa da vida e da biodiversidade. 

O que é e como o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) chegou no seu território e como foi começar a pautar a questão das violações na vida das mulheres?

O Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) nasceu no Pará. Lá eles já têm os enfrentamentos [contra a exploração de minério de ferro na mina] dos Carajás. Em 2012 houve o movimento dos atingidos pela mineração. Depois, sentiram a necessidade do MAM sair do Pará e foi levado para outros estados. Em 2016, houve o primeiro encontro estadual do MAM aqui no Ceará. Já em 2017, o MAM sentiu que a gente precisava de uma formação e fizemos um curso político sobre mineração, realizado na Escola Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em São Paulo. 

O mais interessante é que a cada dia que a gente participa destes intercâmbios, percebemos a importância da nossa luta. Sabemos que nós, mulheres, somos a classe mais atingida. É muito homem na comunidade. Existe muito preconceito e machismo. O patriarcado nos coloca como objetivo. Para romper com isso, estamos focando também na nossa formação e a partir desse movimento, estamos discutindo sobre a nossa valorização como mulher. Nesses intercâmbios nos formamos e reproduzimos os conhecimentos para que outras mulheres se valorizem também. 

Quais os aspectos específicos da luta feita pelas mulheres por territórios livres de mineração em Santa Quitéria e em outros lugares?

Aqui na nossa comunidade vamos realizar o primeiro trabalho voltado para mulheres. Toda a mobilização que fazemos é feita no boca a boca mesmo, quando acontece audiência, por exemplo, a gente se organiza assim. 

Hoje, a nossa luta também é de a cada dia se aprofundar mais sobre as temáticas que envolvem a luta das mulheres, assim como a questão sobre a violência contra a mulher. 

Muitas aqui têm medo de falar porque quando tem mulheres como eu com coragem de falar, somos apontadas como rebeldes. Inclusive, fui colocada para fora do meu trabalho porque eu sempre me coloquei, questionei. Afirmo que isso tudo também é violência política. Estou aqui desempregada, mas estou bem, forte!

A nossa pauta no coletivo de mulheres é o feminismo, é a nossa vida. Temos que, a cada dia, fazer mais formações e multiplicar o que aprendemos para outras mulheres, pois a partir do momento que a gente busca o conhecimento, a gente entende que muitas mulheres são violentadas com as violências, sejam elas política, religiosa, dentre tantas outras. O que tenho total certeza é que é melhor estar na luta defendendo os pobres, do que morrer curvada diante das injustiças que nos violam.

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