A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) realizou em 24/02 um encontro virtual entre membros da articulação do Brasil e Moçambique para discutir a saída da Vale do país africano, anunciada recentemente pela empresa transnacional. A operação de saída, que a Vale chama de “desinvestimento”, está cercada por secretismo e desinformação, de acordo com membros da Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC) e da Justiça Ambiental, entidades de Moçambique.
Nenhuma informação objetiva foi passada até o momento às populações afetadas pela extração de carvão das minas a céu aberto de Moatize, na província de Tete, e nem aos trabalhadores da empresa. O temor é de que a operação de “desinvestimento” vire uma estratégia de abando da Vale de todas as reparações, indenizações e reassentamentos que ela deve por mais de uma década de violações de direitos e violências cometidas contra camponeses de Moçambique, incluindo expropriações, desalojamentos, poluição e desestruturação de modos de vida tradicionais.
Entre 2009 e 2010, a Vale reassentou 1.313 famílias que desalojou para instalar as minas de Moatize. As famílias foram divididas em três assentamentos: Bagamoio, Cateme e 25 de Setembro. Além expulsar os camponeses de suas terras tradicionais e lançá-los em terras distantes de onde viviam, pouco férteis, com habitações precárias, escassez de água e distante dos mercados que absorviam suas produções, a Vale ainda assentou parte das famílias em um campo minado, resquícios de um longo conflito armado ocorrido entre 1977 e 1992. Em 27 de novembro do ano passado, uma criança morreu e outras quatro ficaram feridas em Cateme, ao detonarem acidentalmente uma das minas enterradas no local onde a Vale as empurrou a morar.
“As comunidades que não estão na área de impacto [direto], mas na área adjacente, não foram reassentadas, mas não têm área para pasto, para produção de argila/barro queimado. Sofrem impacto direto. Essas comunidades têm solicitado que a Vale as reassente, mas isso não está acontecendo. Vai ser pior quando outra empresa entrar, porque a nova empresa sequer vai considerar que essas pessoas viveram a vida toda com esses impactos. Já temos experiência com outras empresas que saíram: o que deixaram para trás ficou mesmo para trás”, declarou Antonio Zacarias, da AAAJC.
De acordo com membros da Justiça Ambiental e AAAJC, além da falta de informação sobre sua saída do país, para quem venderá suas ações e como – e se – fará valer acordos de reparação, indenização e reassentamento firmados com as populações afetadas, a Vale também vem divulgando informações de que não sairá do país, e que manterá suas atividades. Segundo Zacarias, em 17 de fevereiro, a empresa comunicou a contratação de 60 jovens de 18 a 35 anos para estágios remunerados, dando a entender que continuará suas atividades, e criando expectativas sobre a geração de emprego para a população. “Está havendo muita confusão, a Vale está dizendo que não vão vender [as ações]. Estão tentando fazer com que as pessoas não se mobilizem em relação à saída para ficar mais fácil para a Vale sair. Ela está dizendo que vai vender a mina a uma empresa responsável e que vão resolver pendências, o que não é factível, pois nunca resolveram nada”, afirma Erika Mendes, da Justiça Ambiental, de Moçambique.
Durante o encontro virtual, as entidades aliadas dos atingidos e atingidas pela Vale no Brasil apontaram muitas semelhanças entre a atuação da empresa em Moatize e em territórios brasileiros, e se comprometeram a compartilhar informações e buscar estratégias conjuntas para evitar impactos ainda maiores às famílias camponesas de Moçambique com a saída da Vale do país.