Falta de transparência sobre perseguições a defensores e defensoras de direitos humanos

No dia 30/04, a Vale realizou sua Assembleia de Acionistas anual, durante a qual prestou contas de suas operações aos acionistas. A atividade, como é de praxe, previu uma pauta com diversos pontos de interesse. Sobre cada ponto, os acionistas podiam votar a favor ou contra e explicar o porquê de seu voto. Os votos e justificativas ficam registrados em ata. 

Os acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) estiveram na reunião e apresentaram seus votos contestando pontos específicos da prestação de contas da empresa. Foram 7 votos. Ao longo desta semana, vamos apresentar aqui cada um deles, e suas respectivas justificativas. Os votos serão apresentados aqui tal qual foram lidos pelos acionistas críticos durante a assembleia online realizada dia 30/04.

Voto 1

Falta de transparência sobre medidas relacionadas aos direitos humanos e aos defensores dos direitos humanos

Apresento voto contrário à aprovação dos relatórios referentes ao exercício fiscal encerrado em 31 de dezembro, diante da omissão de informações importantes sobre a política da Vale em relação aos direitos humanos no relatório da Administração de 2020.

Neste relatório há informações que sugerem que a empresa tem tomado as medidas adequadas e suficientes em relação às violações de direitos humanos, e especialmente em relação às comunidades dos territórios onde atua, com foco nos itens sobre “Ambiental, Social e Governança na Vale”. Especificamente sobre a sua relação com as comunidades, sugerem que a Vale tem assumido um processo de escuta ativa e de postura transparente. Neste aspecto, propõem que registraram 15.554 manifestações de comunidades em que 99,01% foram respondidas e 72,6% atendidas.

Entretanto, a quantidade e a natureza dos conflitos judiciais entre a Vale e as pessoas que expõem violações de direitos humanos, bem como o uso de força física e policial contra essas, definitivamente demonstram não apenas a insuficiência dessas medidas tomadas pela Vale como o desrespeito aos direitos humanos em si.

Em Moçambique, por exemplo, segundo o Relatório Espelho de 2021, 1.365 famílias foram removidas e reassentadas em locais completamente precários, com problemas de infraestrutura e traumatizantes, e, diante das reclamações dessas pessoas, a Vale se limita a realizar cadastros de algumas dessas reclamações, sem oferecer respostas concretas. Por outro lado, reprime os protestos locais.

Neste cenário, a Vale tem adotado uma política persecutória, em que o alto grau de litigiosidade da Vale diante das e dos defensores de direitos humanos tem constrangido, também, a população atingida pela Vale a aceitarem negociações injustas com a empresa e seus advogados e advogadas.

Outros aspectos sintomáticos e ignorados pelo relatório da Vale podem ser citados. Entre esses, o Sindicato Metabase Inconfidentes realizou uma ação social em 19 de outubro de 2020, diante das negociações que estavam em andamento com relação ao reajuste salarial. A ação social em questão se restringiu à distribuição de boletins informativos na entrada da Mina de Timbopeba, em Antonio Pereira, onde as atividades praticamente não foram interrompidas, apesar da pandemia de COVID-19. Enquanto o sindicato atendeu às determinações da Vale de que não realizasse suas ações dentro da Mina de Timbopeba, a Vale respondeu com uma ação de interdito proibitório requerendo que os representantes do Sindicato fossem proibidos de organizar manifestações de qualquer espécie dentro da faixa de domínio minerário do Complexo Mariana-MG, sob pena de multa, e que fosse autorizado o uso de força policial para eventuais outras manifestações. Esse tipo de ação judicial é recorrente também contra lideranças indígenas, quilombolas e trabalhadores/as rurais sem terra.

Qualquer aferição de riscos em matéria de direitos humanos, bem como medidas de identificação dos meios de reparação, como o relatório da Vale sugere buscar, depende de avaliação das consequências reais e potenciais aos direitos humanos, como postula o próprio documento de Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos citado nos relatórios. Para isso, é imprescindível que os defensores e defensoras de direitos humanos, em que se incluem as lideranças das comunidades diretamente afetadas, sejam ouvidos e não reprimidos, perseguidos e policiados.

Por esta razão, não aprovo o relatório da administração, por não ter sido exposto o quadro completo das ações da Vale em relação aos direitos humanos, sistematicamente caracterizadas pelas violações desses. Essas situações precisam ser expostas para seus acionistas e, mais importante que isso, devem ser tomadas medidas para que esses atores especializados possam ser efetivamente ouvidos sobre os potenciais e reais impactos da atuação da Vale sobre os direitos humanos.

Encerro o voto, pedindo, ainda, que este seja devidamente juntado à ata da presente assembleia.

Conheça os demais votos

Voto 2

Voto 3

Voto 4

Voto 5

Voto 6

Voto 7

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