Assembleia de acionistas da Vale: violência contra comunidades impactadas por mina na Indonésia
“Remova a concessão da PT Vale Indonesia das Montanhas Lumereo (Bloco Tanamalia)”, diz faixa estendida por agricultores impactados pela empresa. Foto: Divulgação

No dia 26/04, acionistas críticas da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) participaram da assembleia anual da Vale para denunciar aos demais acionistas as violações de direitos cometidas pela mineradora. Cada acionista crítica comprou pelo menos uma ação da empresa para ter o direito de voz e voto na assembleia e assim reprovar os dados apresentados pela mineradora.

Hoje vamos divulgar a íntegra do último dos cinco votos apresentados pelas acionistas críticas provando que, em muitos aspectos, o discurso da empresa é apenas isso: um discurso que serve para ludibriar toda a população e seguir encobrindo as mesmas violações que já vitimaram e vitimam milhares de pessoas todos os dias. Para conhecer os votos um, dois, três e quatro clique aquiaquiaqui e aqui.

O quinto e último voto informa que a Vale tem procurado se colocar como líder global, por meio da sua holding Vale Base Metals (VMB), na extração e processamento de níquel voltado, entre outros, à produção de baterias para veículos elétricos. Esse tipo de mineração, supostamente “sustentável” do ponto de vista socioambiental, não foge à regra da mineração como um todo: apropriação de recursos naturais e espoliação das condições materiais de produção e reprodução da vida de povos e comunidades tradicionais.

“Desde o início do projeto de exploração de níquel no Sudeste da Ilha de Sulawesi, na região de Pomalaa, Indonésia, os moradores do território vêm denunciando os malefícios causados ao meio ambiente e à população local. A expansão da mina da PT Vale Indonésia, no Bloco Tanamalia, irá destruir 4.239,8 ha de plantios de pimenta cultivados por agricultores há mais de 20 anos. Até hoje estas plantações configuram-se como a principal fonte de vida para 3.342 pessoas nas aldeias Loeha, Rante Angin, Masiku, Bantilang e aldeia Tokalimbo”, diz trecho do quinto voto.

Leia abaixo o voto na íntegra.

Se quiser saber mais sobre a estratégia de denúncia do acionismo crítico, baixe nossa publicação “Acionistas Críticos: os 10 anos de atuação da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale”, de 2020. Hoje já são 14 anos que as acionistas críticas utilizam estratégias de contra-narrativa para apresentar seus votos contrários às decisões da Vale que reforçam ou promovem crimes e violações de direitos humanos.


Voto 5

Voto pela REPROVAÇÃO do relatório e das contas da administração e demonstrações financeiras referentes ao exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2023, pelas razões que seguem:

No Relatório da Administrativo de 2023, a Vale apresenta-se como: “uma das maiores produtoras mundiais de minério de ferro, cobre e níquel” (p.4), cujo propósito, valores e pilares estratégicos guiados por “estratégia e sólidos valores, procuramos evoluir diariamente e colocamos as pessoas no centro de nossas decisões. Ao longo de nossa jornada, temos a segurança em primeiro lugar, aprendemos com nossos erros e atuamos sempre com transparência (…) A vida em primeiro lugar • Agir com integridade • Valorizar quem faz a nossa empresa • Fazer acontecer • Respeitar nosso planeta e as comunidades (p.8)”.

As afirmações não condizem com a realidade. Ao observarmos a série de violências nas comunidades nas quais a empresa possui investimentos, o não diálogo e escuta das opiniões da população residente e degradação irreversível causada por crimes cometidos contra o meio ambiente, são travestidos em um atual discurso em prol de uma “mineração sustentável”.

No referido relatório, mais especificamente na página 19, é sinalizada a criação da Vale Base Metals (VBM) no ano de 2023, holding com governança própria, com valor potencial de mercado estimado em US$ 26 bilhões. No centro deste negócio, encontra-se a mineração e o processamento de níquel voltados, entre outros, para a produção de baterias para veículos elétricos. Em seu relatório, a empresa elenca os pontos positivos dos chamados para a transição energética, ou minerais críticos, que, junto com a produção de minério de ferro, a Vale classifica como negócio único e irreplicável. A chamada transição energética tem proporcionado uma espécie de corrida global por fontes de energia denominadas renováveis.

Com a VBM a Vale se posiciona para liderar este mercado global, que tende a crescer nas próximas décadas. No entanto, importa observar que esse tipo de mineração, supostamente “sustentável” do ponto de vista socioambiental, blindado pela narrativa da transição energética, não foge à regra da mineração como um todo: apropriação de recursos naturais e espoliação das condições materiais de produção e reprodução da vida de povos e comunidades tradicionais que ocupam historicamente os territórios onde estes metais são encontrados, o que leva a um aumento dos conflitos.

Atualmente, a empresa brasileira Vale SA é a maior acionista da PT Vale Indonesia Tbk, detendo 43% das ações da PT Vale Indonésia. Mesmo em meio ao processo do Acordo de Princípios Gerais para cumprir a obrigação de desinvestimento da PT Vale Indonesia Tbk (PTVI), a Vale Canada Limited será detentora de 33,9% das ações de emissão da PTVI.

Desde o início do projeto de exploração de níquel no Sudeste da Ilha de Sulawesi, na região de Pomalaa, Indonésia, os moradores do território vêm denunciando os malefícios causados ao meio ambiente e à população local[1]. A expansão da mina da PT Vale Indonésia, no Bloco Tanamalia, irá destruir 4.239,8 ha de plantios de pimenta cultivados por agricultores há mais de 20 anos. Até hoje estas plantações configuram-se como a principal fonte de vida para 3.342 pessoas nas aldeias Loeha, Rante Angin, Masiku, Bantilang e aldeia Tokalimbo.

Na contramão do que a empresa prega como responsabilidade social e ambiental, em prol de uma “mineração sustentável”, as consequências da exploração do níquel na Indonésia acarretará em despejos, empobrecimento, destruição de florestas e poluição de rios e lagos, intimidação, repressão por parte do Estado e outras violações dos direitos humanos que podem causar pobreza extrema aos agricultores, sobretudo, mulheres e crianças em torno do Bloco Tanamalia (área mineira PT Vale Indonesia Tbk.).

O que a literatura sobre compensação da biodiversidade e transição energética indicam é que, além dos conflitos que vem causando, essas políticas e projetos servem para compensar e complementar o capitalismo extrativista, garantido, assim, a sua continuidade e intensificação, agora em nome do clima.

Em relação ao discurso da Vale sobre as mudanças climáticas, a empresa se apoia na noção de impacto líquido positivo e compensação da biodiversidade para se contrapor ao fato de que a mineração produz impactos negativos. No limite, tenta transmitir a ideia de que a mineração protege os recursos naturais ao sugerir que, apesar dos impactos, os benefícios gerados pela mineração superam as perdas em biodiversidade.

Porém não é isso que observamos ao analisarmos a expansão da mineração de níquel no Bloco Tanamalia, que vem causando sofrimento para a vida da população de Loeha Raya, agora e para as gerações futuras, bem como para outros atores econômicos, como coletores de pimenta, distribuidores de fertilizantes, comerciantes.

Reiteramos aqui a denúncia realizada no ano de 2022, no qual foi encaminhado os estudos realizados pela WALHI Sudeste Sulawesi[2], que demonstram que o impacto ambiental da mineração de níquel é muito visível em Pomalaa. E os resultados da investigação em outubro de 2022 confirmaram que a poluição tóxica ocorreu ao redor da área afetada pelos projetos de níquel. Uma poluição significativa com cromo hexavalente ou total excedendo os padrões acima mencionados (0,021-0,124 mg/L) foi encontrada no rio Oko-Oko, que há muito tem servido como fonte de água comunitária, incluindo irrigação para campos de arroz na vila de Lamedai, Distrito de Tanggetada, Kolaka (adjacente ao distrito de Pomalaa).

Embora o rio Oko-Oko tenha sido poluído e assoreado como resultado de atividades ilegais de mineração de níquel por empresas não identificadas, a área de concessão da PTVI abrangendo 20.286 hectares (nos distritos de Pomalaa e Baula, Kolaka) também está localizada na parte superior do rio Oko-Oko. Uma vez que uma grande operação de mineração inicia-se na área de concessão da PTVI, devido à operação da nova usina HPAL, os danos tóxicos no rio Oko-Oko podem se tornar ainda piores, considerando a operação anterior da PTVI nas outras áreas.

É evidente a responsabilidade da Vale sobre a poluição tóxica (cromo hexavalente em particular) já causada nos rios e na água usada pela comunidade, e que serve ao projeto de mineração de níquel e fundições da PT Vale Indonésia (PTVI). O cromo hexavalente, que é um cancerígeno conhecido e causa danos ao fígado e à pele, foi encontrado em alta concentração ao redor dos projetos de níquel do PTVI.

A PTVI extrai minério de níquel laterítico (dentro da área de concessão de 70.566 hectares em East Luwu) e o transforma em níquel em matte (o volume médio de produção por ano é de 75.000 toneladas). O cromo hexavalente Cr(VI) é conhecido como um metal pesado tóxico e cancerígeno, e padrões internacionais e nacionais de qualidade da água para cromo hexavalente ou total foram estabelecidos:

  • Diretrizes para a qualidade da água potável da Organização Mundial da Saúde (OMS)[3]
  • Valor de referência do cromo total: 0,05 mg/L
  • Padrões de qualidade da água para rios/lagos etc. pelo governo indonésio[4]
  • Valor padrão de Cr(VI) para água potável: 0,05 mg/L
  • Valor padrão de Cr(VI) para água de irrigação e cultivo em tanques de peixes de água doce: 0,05 mg/L
  • Padrões de qualidade ambiental para a saúde humana[5]e padrões de qualidade da água potável[6] do governo japonês
  • Valor padrão de Cr(VI): 0,02 mg/L

As comunidades vizinhas aos projetos de níquel da PTVI sinalizam níveis de Cr(VI) que excedem os padrões de água mencionados, conforme descrito abaixo.

Foram realizados testes de qualidade da água em julho e outubro de 2022 e em janeiro de 2023, em Sorowako. Cromo hexavalente ou total excedendo os padrões de água mencionados acima foi encontrado no rio Lawewu, vila de níquel (antiga Sorowako), distrito de Nuha (0,031–0,144 mg/L) e na fonte de água comunitária na vila de Asuli, distrito de Towuti (0,110 mg/ EU). Essa poluição por metais pesados é causada pelas atividades de mineração de níquel na área de concessão da PTVI.

Desde  2017, quando a PTVI começou a expandir sua operação de mineração na área, a cor da água da nascente mudou para marrom e a quantidade de água que sai não é estável. Além disso, Cr(VI) excedendo os padrões da OMS foi encontrado quando foram realizados testes de água em outubro de 2022.

Desde as denúncias realizadas na Assembleia de 2023, passado-se um ano, a Vale só tem centrado seus esforços para a expansão da exploração do níquel, mesmo com inúmeros estudos produzidos pela comunidade, que demonstram a degradação socioambiental e denunciam os riscos iminentes, a empresa se nega a dialogar com a comunidade local.

Repudiamos a informação que em Metais para Transição Energética, a PTVI e a chinesa Zhejiang Huayou Cobalt Co. assinaram acordo definitivo com a montadora global Ford Motor Co. para o desenvolvimento do projeto Pomalaa na Indonésia, no qual a empresa indica uma colaboração tripartite que permitirá avanços na produção mais sustentável de níquel, além de contribuir para redução do custo de baterias para veículos elétricos (p.20). Uma iniciativa sem diálogo com a comunidade afetada, sem a escuta da população do território, que já sofre processos de adoecimentos por conta do extrativismo predatório, não pode se autodenominar como sustentável.

Por fim, peço que a presente declaração de voto seja devidamente numerada, autenticada e arquivada junto à ata da presente assembleia, conforme disposto na Lei n° 6.404/1976 – Lei das S.A.s, artigo 130, § 1o, “a” e “b”; e que a resposta escrita a estas considerações e indagações não ultrapassem o prazo de 30 (trinta) dias corridos, em duas línguas (português e inglês).


[1] Podemos observar os relatos de denúncias dos moradores do território através dos relatos de membros da comunidade com as violências diárias cometidas pela Vale, No episódio #18 do podcast Vozes que Vale(M)!

[2] https://walhisulsel.or.id/3759-official-statement-of-the-people-negatively-affected-by-nickel-production-and-the-sulawesi-alliance-relating-to-the-g20-summit-meeting-in-nusa-dua-bali/#:~:text=To%20save%20the%20remaining%20rainforests,nickel%20industries%2C%20call%20on%20the

[3] https://www.who.int/teams/environment-climate-change-and-health/water-sanitation-and-health/water-safety-and-quality/drinking-water-quality-guidelines

[4] https://jdih.setkab.go.id/PUUdoc/176367/Lampiran_VI_Salinan_PP_Nomor_22_Tahun_2021.pdf

[5] https://www.env.go.jp/content/000077408.pdf; https://enviliance.com/regions/east-asia/jp/report_4557

[6] https://www.mhlw.go.jp/stf/seisakunitsuite/bunya/topics/bukyoku/kenkou/suido/kijun/kijunchi.html#01

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