No dia 30/04, a Vale realizou sua Assembleia de Acionistas anual, durante a qual prestou contas de suas operações aos acionistas. A atividade, como é de praxe, previu uma pauta com diversos pontos de interesse. Sobre cada ponto, os acionistas podiam votar a favor ou contra e explicar o porquê de seu voto. Os votos e justificativas ficam registrados em ata.
Os acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) estiveram na reunião e apresentaram seus votos contestando pontos específicos da prestação de contas da empresa. Foram 7 votos. Ao longo desta semana, vamos apresentar aqui cada um deles, e suas respectivas justificativas. Os votos serão apresentados aqui tal qual foram lidos pelos acionistas críticos durante a assembleia online realizada dia 30/04.
Voto 3
Na condição de acionista, voto pela não aprovação do Relatório de Administração de 2020 porque o mesmo omite informações importantes sobre o empreendimento com carvão em Moçambique que representam elevados riscos aos acionistas.
Peço que os votos sejam anexados na íntegra à ata da Assembleia, em duas línguas (em português e inglês).
- A Vale sonega informações importantes e documentos públicos às comunidades e organizações da sociedade civil moçambicana que convivem com a poeira contínua e constante do carvão.
- A Vale não revela os níveis de poluição no entorno de Moatize e nem informa a composição do pó que as comunidades têm respirado diariamente. Há mais de dez anos operando, as comunidades de Bagamoyo, Nhantchere, Porto Seco, 1 de Maio e Liberdade convivem diariamente com a poeira de carvão emitida pela Vale. Pesquisa da Source International publicada pela Zitamar News, mostra que em Moatize a média de microparticulados, em agosto de 2018, foi de 104 microgramas por metro cúbico de ar. A Organização Mundial da Saúde recomenda um limite de concentração de 25 microgramas por metro cúbico de ar. A legislação moçambicana limita o total de partículas suspensas TSP (que possuem dimensões maiores): máximo de 60 microgramas por metro cúbico. Em Moatize, em 2018, a média anual de TSP foi de 90 microgramas por metro cúbico de ar (1,5 vezes o limite legal!). Segundo informação da própria Vale, em agosto de 2018, a emissão de TSP chegou ao alcançar 209 microgramas por metro cúbico, mais de três vezes o limite imposto pela lei.
Questionamos
– A empresa, contudo, não informa os níveis de poluição e nem a composição do pó de carvão que vem sendo respirados pelas mais de 2 mil famílias que vivem no entorno da mina (dentro da área de concessão, mas fora da área operacional).
- A Vale, diz que é uma empresa transparente, mas nega o acesso a documentos públicos.
A Vale tem negado o acesso de grupos da sociedade, pesquisadores e comunidades aos relatórios ambientais dos empreendimentos em Moçambique. Como a Vale não responde aos pedidos oficiais de acesso aos documentos, em 2019, a Justiça Ambiental JA! Moçambique fez um pedido à Direcção Nacional de Ambiente e uma petição ao Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo solicitando documentos referentes aos empreendimentos e ao licenciamento ambiental de Moatize.
Como acionistas nos questionamos
– Por que a Vale nega o acesso a documentos relacionados aos seus empreendimentos que são públicos?
– Solicitamos que a Vale disponibilize publicamente os relatórios de impacto ambiental dos empreendimentos da Vale em Moçambique.
– Exigimos a disponibilização dos os relatórios de monitoria ambiental da Vale entre 2013 e 2020, pois são documentos públicos que devem ser de amplo conhecimento, em especial, das comunidades que convivem diariamente com as operações da Vale.
- Quais as providências que a Vale tem tomado com relação às famílias que encontraram uma mina enterrada no terreno cedido pela Vale para o reassentamento?
Em 27 de novembro de 2020, em Cateme, uma criança morreu e outras quatro ficaram gravemente feridas quando brincavam na área de lavoura de seu avô, dentro do reassentamento concedido pela Vale. As crianças acharam um objeto enterrado: uma antiga mina de guerra que explodiu.
Gostaríamos que a Vale nos explicasse:
– Como a empresa reassentou famílias num terreno que continha minas enterradas? Solicitamos que a Vale nos dê acesso aos documentos que comprovam que a Vale desminou as áreas dos assentamentos e que informe os critérios que a levaram a entender que aquele terreno era seguro para essas famílias.
– Quais as providências que a Vale tomou para dar assistência a essas famílias? Solicitamos documentos que demonstrem o que tem sido feito para atender às necessidades das crianças e de suas famílias e para minimamente reparar e compensar as mesmas pelo crime cometido?
- A Vale diz que vai desinvestir o Complexo de Moatize e o Corredor de Nacala. A Vale diz que para garantir uma atuação mais “sustentável”, vai sair dos negócios de carbono até 2050 (conclusão de saída de Moçambique em 2021). Ironicamente, depois do estrago que fez no território e dos danos causados a essas famílias e ao meio ambiente, a Vale diz que vai deixar o negócio para se tornar “ambientalmente responsável”.
Diante dessa incoerência, nos perguntamos enquanto acionistas:
– Entre 2009 e 2010, a Vale reassentou 1.365 famílias para instalar a mina de Moatize (assentamentos de Cateme e 25 de setembro). As casas, contudo, estão com muitos problemas (rachaduras, problemas com o esgoto, problemas com o sistema elétrico etc.) e o terreno em que foram instaladas não possui água, infraestruturas e nem solos aptos para a agricultura. Essas famílias têm sofrido muito e estão na pobreza absoluta, e têm repetidamente exigido que a Vale resolva os problemas das suas casas, solicitação que a Vale não tem atendido com a urgência e seriedade necessárias. Solicitamos um documento que ateste todas as medidas que a Vale vem tomando para tratar essas demandas antes da realização do desinvestimento (com o número e identificação das famílias atendidas).
– Há ainda, no mínimo, 2 mil famílias de agricultores que convivem com a mina de Moatize diariamente. São as comunidades de Bagamoyo, Nhantchere, Porto Seco, 1 de Maio e Liberdade. Essas famílias estão adoecendo com a poluição da Vale que a própria empresa reconhece como um problema e estão com suas casas rachadas pelas explosões da mina, exigindo o reassentamento em outro lugar. Exigimos um documento da Vale contendo um plano para o reassentamento imediato dessas famílias em outro local, bem como detalhes a respeito de como a Vale pretende compensar estas comunidades pelos danos à sua saúde causados pela mina.
– Com a mina de Moatize, a Vale fechou áreas que eram importantes para o trabalho dos oleiros que fabricam tijolos. Ainda que a Vale tenha compensado alguns, ainda há muitos oleiros que não foram incluídos nos acordos (cerca de 450 oleiros). Recentemente, para a expansão da mina Moatize III, a Vale cortou o acesso das comunidades de 1 de Maio ao Rio Moatize, impedindo mais 86 oleiros de se sustentarem, e enquanto vai arrastando o processo de negociação das suas compensações estes oleiros não têm como se sustentar a si e suas famílias. O que a Vale tem feito para atender e incluir esses oleiros nas negociações por reparações com relação aos danos causados pelas operações da Vale?
– Ao longo do Corredor de Nacala, cerca de 2000 mil famílias foram reassentadas. Esses reassentamentos estão com muitos problemas: as casas têm problema de infraestrutura, as casas não são seguras (infraestrutura falha, sistema elétrico mal feito, esgotamento ruim etc.) e as terras em que estão localizadas são ruins para a agricultura (solos de má qualidade, são distantes dos mercados, não possuem acesso à água). Pedimos que a Vale nos informe num documento quais as ações que estão previstas para consertar os problemas dos reassentamentos ao longo do Corredor de Nacala).
– Exigimos que a Vale apresente, antes da venda, um Plano para o desinvestimento do Complexo de Moatize e do Corredor de Nacala, contendo a discriminação das ações que serão realizadzs tendo em vista o atendimento desses passivos causados pela empresa na sua operação, com particular detalhe para os impactos ambientais, e as pendências com as comunidades reassentadas, as comunidades que vivem no entorno da mina, os oleiros e os trabalhadores da Vale.