Machismo da Vale violenta mulheres nos territórios onde a empresa atua

No dia 30/04, a Vale realizou sua Assembleia de Acionistas anual, durante a qual prestou contas de suas operações aos acionistas. A atividade, como é de praxe, previu uma pauta com diversos pontos de interesse. Sobre cada ponto, os acionistas podiam votar a favor ou contra e explicar o porquê de seu voto. Os votos e justificativas ficam registrados em ata. 

Os acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) estiveram na reunião e apresentaram seus votos contestando pontos específicos da prestação de contas da empresa. Foram 7 votos. Ao longo desta semana, vamos apresentar aqui cada um deles, e suas respectivas justificativas. Os votos serão apresentados aqui tal qual foram lidos pelos acionistas críticos durante a assembleia online realizada dia 30/04.

Voto 4

Na condição de acionista, voto pela não aprovação do Relatório de Administração de 2020 porque o mesmo omite informações importantes aos acionistas.

Peço que os votos sejam anexados na íntegra à ata da Assembleia, em duas línguas (em português e inglês).

A Vale diz que tem o compromisso de dobrar o número de mulheres empregadas até 2030: de 13% para 26% no quadro geral e; aumentar a presença deste público em cargos de liderança de 12% a 20%. Importante ressaltar que a participação das mulheres ainda é muito pequena (16% no total), o que se replica de forma acentuada em sua diretoria (11 membros, apenas 2 mulheres) e conselhos (12 membros e apenas 3 mulheres).

Gostaríamos, contudo, de chamar atenção para a total falta de preparo e de tomada de decisões da Vale para enfrentar os impactos diferenciados que suas atividades produtivas têm sobre as mulheres que vivem nas áreas de exploração da Vale.

Acompanhamento das atividades mineradoras da Vale no distrito de Morro D’Água Quente e Catas Altas, em Minas Gerais, onde a Vale opera a mina de São Luiz, mostra como as atividades da Vale impactam e prejudicam as mulheres de forma diferenciada.

  1. Aprofundamento da dependência financeira das mulheres. Os empregos gerados pela Vale direta e indiretamente na cidade (nos serviços de apoio à produção) são em sua maior parte masculinos. Essa dimensão constrói um cenário de poucas oportunidades para as mulheres que, quando existem, são em atividades pouco valorizadas e mal remuneradas (como nos serviços de limpeza, no café/cozinha etc.). Isso força a dependência e a subordinação das mulheres.
  2. A poluição decorrente da mineração sobrecarrega mais as mulheres, seja ao acentuar sua carga de trabalho na limpeza e manutenção das casas, seja ao deixarem-nas a cargo do cuidado com idosos e crianças enfermas. Um traço recorrente da atuação da Vale, seja em Minas Gerais, no Pará, na Bahia ou em Moçambique, é a emissão elevada de poluentes que ficam conhecidos como “chuva de prata”; “pó”; “poeira tóxica”. Além de desconhecerem, na maior parte das vezes a composição do pó, essas mulheres têm a sua carga de trabalho ampliada. Elas precisam limpar mais as casas e se desdobram para deixar os alimentos e a água “limpos e descontaminados”. A maior sobrecarga, contudo, se dá com o cuidado dos enfermos, em grande parte idosos e crianças. A poluição do ar e da água, bem como o contato constante com material particulado e tóxico, causa muitos problemas respiratórios, dermatológicos e outros. Além da sobrecarga emocional, são as mulheres que precisam cuidar desses idosos e crianças doentes e buscar atendimento no sistema de saúde que normalmente não está preparado para as doenças causadas pela mineração.
  3. A atração de pessoas de fora em busca de emprego quando uma mina é instalada ou ampliada tem provocado o aumento da violência doméstica e da violência contra as mulheres. A atração e concentração de homens de fora da cidade para a realização de empreitadas temporárias tem mantido uma correlação com o aumento da violência contra as mulheres. A Vale não tem monitorado essas ocorrências, mesmo quando envolvem seus funcionários (diretos ou indiretos).
  4. Impedimento da circulação e a redução da autonomia das mulheres. O aumento das atividades da mineração e o vai e vem de trabalhadores restringe a mobilidade das mulheres que se sentem inseguras para andar em áreas que antes eram parte da comunidade. Isso aconteceu na Serra da Caraça, em Minas Gerais, onde a privatização de áreas para a mineração proibiu mulheres e crianças de terem acesso a áreas que antes eram usadas para a coleta de lenha, busca de plantas medicinais, lazer. Em Moçambique, a Vale restringiu o acesso ao rio, o que impediu as mulheres de terem acesso à água.
  5. O convívio diário com o medo e a insegurança. Como, normalmente, ficam responsáveis pelo cuidado da família e das crianças, muitas mulheres que convivem diretamente com a mineração têm adoecido. O trabalho ampliado e o convívio com o medo do aumento das doenças, de ocorrência de contaminação e do rompimento de mais uma barragem tem causado muito estresse e adoecimento psíquico nas mulheres.

Ademais, quando ocorrem crimes como os rompimentos de Mariana e Brumadinho, as mulheres além de sofrerem diretamente a perda de suas vidas e de suas famílias, têm sido negligenciadas nas ações posteriores de reparação, sofrendo novas violações de direitos. Elas morrem duas vezes. Documento da Fundação Getúlio Vargas que analisa a situação das mulheres atingidas pelo desastre na bacia do Rio Doce, demonstrou alguns dos seus impactos diferenciados como:

  1. Dificuldades de participação: as mulheres seguem invisíveis nos espaços de decisão. Pela estrutura machista e a falta de ações voltadas para o enfrentamento das desigualdades de gênero, as mulheres têm tido dificuldades de participação dos processos de discussão coletiva e tomadas de decisão. Elas seguem invisíveis nos espaços de participação e não são ouvidas no processo de reparação: suas necessidades, logo, são invisibilizadas.
  2. Os direitos de acesso das mulheres às compensações e aos auxílios financeiros têm sido negados. Como normalmente são vistas como dependentes de seus maridos, as mulheres têm tido maiores dificuldades para terem direito a auxílios financeiros e indenizações. Elas têm sido incluídas, não rato, como dependentes de um chefe que família que normalmente é um homem e não como detentoras de direitos.
  3. As atividades produtivas desempenhadas pelas mulheres, como costura, artesanato, hortas etc. não são reconhecidas nos cálculos de reparação. As atividades desempenhadas pelas mulheres, mesmo quando geravam renda (como no caso do artesanato, costura, produção de alimentos etc.) ou eram centrais na manutenção das famílias (como as hortas), não são reconhecidas e seguem desvalorizadas e, logo, não compensadas.

Gostaríamos que a Vale e sua diretoria nos informasse:

  1. Como os impactos das atividades produtivas da Vale, sobretudo da mineração e da logística, sobre as mulheres têm sido monitorados e tratados pela empresa? Há uma política para isso?
  2. Exigimos que a Vale relate e especifique, nos seus relatórios, em seção específica, os danos diferenciados que as atividades produtivas da empresa causam às mulheres, tomando em conta uma dimensão racializada em sua análise, e que nos informe quais são os instrumentos específicos criados para enfrentar os mesmos.
  3. Exigimos que as atividades de reparação decorrentes dos crimes de Mariana e Brumadinho considerem os impactos diferenciados sobre as mulheres e que a Vale desenhe um plano de inclusão das mulheres nas ações de reparação.
  4. Exigimos um informativo com todos os dados referentes às mulheres, incluindo: quantas mulheres têm participado das discussões sobre a reparação; quantas mulheres foram contempladas nas ações de reparação; quais as atividades desempenhadas pelas mulheres que vêm sendo reparadas pela empresa; como as mulheres têm sido ouvidas pela equipe que lida com a reparação.

    Conheça os demais votos

    Voto 1

    Voto 2

    Voto 3

    Voto 5

    Voto 6

    Voto 7

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