No dia 30/04, a Vale realizou sua Assembleia de Acionistas anual, durante a qual prestou contas de suas operações aos acionistas. A atividade, como é de praxe, previu uma pauta com diversos pontos de interesse. Sobre cada ponto, os acionistas podiam votar a favor ou contra e explicar o porquê de seu voto. Os votos e justificativas ficam registrados em ata.
Os acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) estiveram na reunião e apresentaram seus votos contestando pontos específicos da prestação de contas da empresa. Foram 7 votos. Ao longo desta semana, vamos apresentar aqui cada um deles, e suas respectivas justificativas. Os votos serão apresentados aqui tal qual foram lidos pelos acionistas críticos durante a assembleia online realizada dia 30/04.
Voto 6
Empresa induz acionistas a erro ao não revelar detalhes de acordo com governo de MG
Em 4 de fevereiro de 2021, foi fechado um acordo que vinha sendo negociado em sigilo pela Vale. O acordo fez muito bem para a Vale, que viu “suas ações subirem 4,3% no dia do acordo. Uma imagem de quitação de compromissos gerados com o desastre foi passada, assegurando-lhe confiabilidade perante o mercado.” No entanto, os acionistas estão sendo, em grande medida, induzidos ao erro, uma vez que esse acordo, ao contrário do que a empresa vem anunciando ao público, não reflete os parâmetros mínimos para se garantir a reparação adequada.
Dentre os problemas do referido acordo, conforme passaremos a expor a seguir, podemos apontar:
1) a ausência de transparência e de participação das pessoas e comunidades afetadas pelo desastre, que não concordaram com os termos desse acordo; 2) os valores são insuficientes para garantia da reparação integral, de modo que não poderá reparar todos os danos sofridos. Dessa forma, o acordo celebrado mancha a imagem da empresa, e com ele ficará para sempre registrado na história como um perigoso precedente e uma solução extremamente inadequada de se lidar com desastres ambientais dessa magnitude.
Quanto ao primeiro ponto, qual seja, a falta de transparência e de participação, é importante notar que o referido acordo não somente foi feito sem a concordância das pessoa atingidas, como também foi realizado a portas fechadas, ou seja, sem a participação dos atingidos. Foi um acordo negociado sob sigilo e as pessoas e comunidades atingidas não tiveram a oportunidade de se manifestar sobre os seus termos. O acordo foi negociado a portas fechadas entre os funcionários de cúpula do governo de Minas Gerais, do Ministério Público de Minas Gerais, Defensoria Pública de Minas Gerais e Ministério Público Federal, sob mediação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Conforme notoriamente noticiado pelos meios de comunicação, diversas foram as oportunidades em que as pessoas atingidas das comunidades locais solicitaram ter acesso aos procedimentos e às minutas do acordo e, em todas as vezes, foi negada a sua participação. Como exemplo, cito o documento de 07 de dezembro de 2020, intitulado “Manifesto pela participação das pessoas atingidas na discussão do acordo judicial entre Vale S.A”, que foi amplamente ignorado pelas instituições.
Ainda pior do que isso: o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, local onde o acordo era negociado, determinou o segredo de justiça e, posteriormente, a confidencialidade das negociações, o que aumentou, ainda mais, o sentimento das pessoas atingidas de que era realizada uma verdadeira “negociata”, uma transação sobre seus próprios direitos violados, mas que a elas não foi dada a oportunidade de opinar. Tudo isso foi feito com a concordância da empresa Vale S/A, que preferiu negociar diretamente e a portas fechadas com o Estado Minas Gerais e demais instituições, do que garantir que as pessoas atingidas pudessem participar e ter acesso aos termos. Tal atitude vai diretamente contra o princípio da transparência, que empresa alega, supostamente, ter cumprido.
Como consequência da ausência de transparência e dessa negociação somente com a cúpula do governo, o Estado de Minas Gerais viu no desastre de Brumadinho uma grande oportunidade para angariar fundos da empresa Vale S/A e executar verdadeiras “obras faraônicas”, como a expansão da linha de metrô de Belo Horizonte e do anel rodoviário também na capital, que custarão R$ 4,95 bilhões e lhe trarão retornos políticos. Em outras palavras, a Vale S/A optou por negociar um acordo a qualquer custo, aceitando, para isso, pagar bilhões para o Governo de MG com obras que, em nada, têm relação com a reparação dos danos das pessoas atingidas.
Isso nos traz ao segundo ponto: os baixos valores do acordo, que não são suficientes para reparar todos os danos das comunidades atingidas. De todo o valor do acordo, de quase R$ 37 bilhões, somente cerca de R$ 7,4 bilhões serão destinados, de fato, para as pessoas atingidas, ou seja, somente 20% do valor total. Ou seja, as pessoas atingidas receberão menos do que o valor de um trimestre do lucro líquido da empresa. Após 5 meses de barganha, a Vale conseguiu economizar R$ 20 bilhões (o valor incialmente proposto pelo governo de Minas era R$ 56 bilhões). Além disso, apesar de assegurar R$ 4,4 bilhões para serem gastos nos próximos anos com os pagamentos emergenciais aos atingidos, esse valor é somente metade o valor necessário estimado (R$ 9,4 bilhões).
O acordo gerou a indignação das comunidades atingidas, que viram os recursos que deveriam ser destinados à reparação dos danos ao longo da bacia do Rio Paraopeba serem destinados para a construção de obras na capital e para a possível reeleição do governador do Estado. Isso nos mostra que o acordo, além de não ser transparente, violou também o princípio da moralidade, que deveria pautar as ações de reparação da empresa. Pior do que isso: há hoje uma situação de insegurança jurídica, pois o acordo está sendo, inclusive, questionado judicialmente. Atualmente tramitam um recurso de apelação contra a homologação do acordo e uma ADPF (de número 790) perante o Supremo Tribunal Federal.
Para concluir, vemos ser de extrema importância, portanto, que esta assembleia de acionistas tenha conhecimento da realidade do acordo celebrado, que, longe de ser um exemplo de reparação dos danos ambientais no caso de grandes desastres ambientais, significou: 1) a falta de transparência e a ausência de participação das comunidades atingidas, que, até hoje, discordam dos termos do acordo celebrado; 2) a falta de moralidade, uma vez que significou uma barganha da empresa junto aos agentes políticos locais, cedendo, para estes, recursos não relacionados com a reparação dos danos ao longo da bacia do Paraopeba; 3) valores insuficientes para que as pessoas e comunidades afetadas sejam devidamente reparadas, algo que manchará a imagem da empresa perante essas comunidades por gerações a vir; 4) por fim, fonte de insegurança jurídica para a empresa e seus acionistas, em virtude dos atuais questionamentos judiciais em curso contra esse mesmo acordo.