Vale dá prejuízo a acionistas ao investir em Belo Monte

No dia 30/04, a Vale realizou sua Assembleia de Acionistas anual, durante a qual prestou contas de suas operações aos acionistas. A atividade, como é de praxe, previu uma pauta com diversos pontos de interesse. Sobre cada ponto, os acionistas podiam votar a favor ou contra e explicar o porquê de seu voto. Os votos e justificativas ficam registrados em ata. 

Os acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) estiveram na reunião e apresentaram seus votos contestando pontos específicos da prestação de contas da empresa. Foram 7 votos. Ao longo desta semana, vamos apresentar aqui cada um deles, e suas respectivas justificativas. Os votos serão apresentados aqui tal qual foram lidos pelos acionistas críticos durante a assembleia online realizada dia 30/04.

Voto 7

Vale dá prejuízo a acionistas ao investir em Belo Monte

Gostaríamos de chamar a atenção para fatos da maior relevância para a deliberação desta assembleia sobre as demonstrações financeiras da Vale para o exercício fiscal de 2020, referentes ao envolvimento da empresa como acionista do consórcio Norte Energia, S.A. que detém a concessão do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no rio Xingu (Estado do Pará).

O Complexo Belo Monte sempre foi objeto de grande polêmica, principalmente em função de seu desenho básico, prevendo o desvio de mais de 80% da vazão do Xingu para alimentar a casa de força principal, secando um trecho de aproximadamente 130 km do rio a jusante da barragem Pimental na chamada Volta Grande – região de enorme relevância ecológica e cultural. Trata-se de um conflito anunciado entre interesses econômicos de geração de energia e a necessidade de manter a integridade ecológica e os meios de vida de comunidades indígenas e ribeirinhas ao longo da Volta Grande, conforme a legislação sobre a proteção ambiental e os direitos humanos.

Quando a Vale tomou a decisão de participar do consórcio Norte Energia, foram menosprezados alertas sobre os elevados riscos financeiros, legais e de reputação do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte – oriundos da comunidade científica, técnicos do IBAMA e outros órgãos governamentais, Ministério Público, movimentos sociais e entidades da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos socioambientais.

Em particular, foram destacados riscos relacionado: 1) ao sub-dimensionamento de impactos socioambientais do empreendimento, especialmente na Volta Grande do Xingu, 2) à ausência de processos de consulta e consentimento livre, prévio e informado, junto a povos indígenas e outras populações tradicionais afetadas, conforme a Convenção 169 da OIT e outra legislação em vigor, e 3) deficiências nas análises de viabilidade econômica do projeto, relacionados a fatores como riscos de sobrepreço e atrasos no cronograma das obras, não-contabilização de danos socioambientais e cenários futuros de mudanças climáticas, com suas implicações para a diminuição da vazão no rio Xingu e, consequentemente, a capacidade de geração de energia do Complexo Belo Monte.

É importante recordar que em 22 março de 2011, o Diretor Presidente da Vale recebeu uma notificação extrajudicial assinada por mais de vinte organizações da sociedade civil brasileira e internacional, advertindo sobre os elevados riscos financeiros, jurídicos, socioambientais e de reputação da eventual participação da Vale em Belo Monte. Ademais, a Vale foi avisada repetidamente sobre os riscos do empreendimento em assembleias de acionistas a partir do ano de 2012, conforme registrado no relatório sendo lançado hoje: ACIONISTAS CRÍTICOS: Os 10 anos de atuação da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

Num contexto de fortes pressões políticas, os questionamentos sobre os riscos de Belo Monte – inclusive relacionados a violações da legislação ambiental e dos direitos humanos – foram ignorados por instituições envolvidas no seu planejamento, licenciamento ambiental e financiamento, inclusive a própria Vale. Ademais, decisões judiciais favoráveis a ações do Ministério Público Federal, voltadas para a defesa da legislação ambiental e dos direitos humanos, foram inviabilizadas pela utilização da Suspensão de Segurança, artifício legal da época da ditadura militar.

Com a implantação das obras de Belo Monte desde meados de 2011, os riscos alertados sobre a inviabilidade socioambiental e econômica do empreendimento vêm se transformado em fatos concretos, até de forma muito mais grave do que inicialmente previsto. Nesse sentido, ressaltamos as provas apresentadas em 2018 pelo povo indígena Juruna – em parceria com o Instituto Socioambiental – ISA e a Universidade Federal do Pará (UFPa), depois de quatro anos de monitoramento independente – de que os volumes mínimos do chamado “Hidrograma de Consenso” previsto no licenciamento ambiental de Belo Monte não seriam capazes de assegurar as condições necessárias para manutenção e reprodução da vida na Volta Grande do Xingu, especialmente a alagação sazonal de ambientes essenciais para a alimentação e reprodução de peixes e quelônios, o que estava levando ao desaparecimento de espécies de plantas e animais, algumas delas endêmicas da região, e colocando em cheque a segurança alimentar de populações indígenas e ribeirinhas.

A Volta Grande do Rio Xingu, antes e depois do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte

Em dezembro de 2019, o Ibama emitiu parecer técnico que concluiu ser impraticável a implantação do chamado Hidrograma A, previsto no licenciamento ambiental, que prevê a vazão máxima de 4 mil m3/s durante a época de cheia em anos alternados. Seguindo o princípio da precaução, o parecer recomendou que a partir de 2020 fosse aplicado um hidrograma provisório até que informações técnicas complementares solicitadas à Norte Energia fossem apresentadas e avaliadas pelo órgão licenciador.

Em setembro de 2020, sem ter apresentado estudos que pudessem comprovar a validade ecológica dos volumes propostos, a Norte Energia entrou com um mandado de segurança na Justiça contra o Ibama pedindo o retorno ao Hidrograma de Consenso original. A solicitação foi negada em decisão de primeira instância e a empresa recorreu. Por meio de parecer, o MPF pediu que a Justiça não acolhesse os recursos da NESA e que fosse reafirmada a necessidade de implementação de um hidrograma que respeite o Princípio da Precaução. Conforme o texto do MPF, “não existe nenhuma garantia de que a fauna aquática e as florestas aluviais consigam resistir, nos curto e médio prazos, ao estresse hídrico proposto. Ou seja, um ecocídio poderá acontecer”.

No início de novembro de 2020, centenas de indígenas, ribeirinhos e agricultores protestaram contra a hidrelétrica e exigiram a liberação de água para a Volta Grande do Xingu. A vazão reduzida, no contexto de uma seca histórica, provocou mortandade de peixes, seca nos igarapés e impactos nas roças da região. Em manifesto, as comunidades descreveram a situação como “catastrófica”, em que centenas de famílias duramente impactadas pelo Covid-19 em sua segurança alimentar não apenas estão passando fome, mas perdendo completamente seus meios de subsistência”.

Frente a esta situação dramática, seguindo a orientação de sua área técnica e recomendação do Ministério Público Federal, e no início de janeiro deste ano e, a contragosto do governo, IBAMA determinou que a Norte Energia liberasse a quantidade que água apontada por seus especialistas como essencial para manter a sobrevivência da Volta Grande do Xingu, ou seja: 14.200 m3/s até março, e 13.400 e 5.200 m3 nos meses de abril e maio, respectivamente. Tal atuação do IBAMA, orientada pela ciência e pelo respeito às suas competências legais, durou pouco.

Pressionado pela Norte Energia, pelo Ministério de Minas e Energia e por toda a cúpula do setor elétrico, o IBAMA acabou cedendo às investidas do governo e interesses empresariais – um verdadeiro “déjà-vu” na história conturbada e corrompida de Belo Monte. Numa reviravolta sem qualquer explicação técnico-científica, os presidentes do IBAMA e Norte Energia assinaram no dia 08/02/2021 um “Termo de Compromisso”, permitindo à Norte Energia voltar a utilizar o desacreditado “Hidrograma de Consenso” na Volta Grande do Xingu. No início de fevereiro de 2021, o Presidente do IBAMA autorizou oficialmente a retomada pela Norte Energia do “Hidrograma B”, duramente criticado por cientistas3, moradores da Volta Grande e os próprios técnicos do órgão, sem sequer um plano de transição das vazões.

Fonte: Cristiane Costa, MPF/Altamira-PA

Conforme demonstrado no gráfico acima, nos primeiros meses de 2021, a Norte Energia reduziu a vazão na Volta Grande para 3.500 metros cúbicos por segundo em fevereiro, menos de 10.000 m3/s em março e pouco mais 8 m3/s em abril de 2021, em contraste com as médias históricas superiores a 13.000, 18.000 e 21.000 m3/s nos respectivos meses – um verdadeiro golpe de morte no rio Xingu!

Esta redução drástica, contrariando a ciência, está perpetuando uma situação de estresse biológico na Volta Grande do Xingu que inviabiliza a integridade de ecossistemas aquáticos e florestas inundadas, comprometendo a sobrevivência de peixes e quelônios, assim como a segurança alimentar e a sobrevivência física e cultural de povos indígenas e outras populações ribeirinhas.

Impactos do desvio de águas do Xingu na Volta Grande sobre peixes e quelônios, provocados pelo Complexo Hidrelétrico de Belo Monte (2020). Fonte: Cristiane Costa, MPF/Altamira-PA

Um dos indicadores mais dramáticos dos impactos de Belo Monte na Volta Grande do Xingu, registrado na Ilha da Fazenda, é que entre os períodos de pré e pós-barramento do rio, a média de consumo de pescado diminuiu 45% entre moradores locais, enquanto aumentou o consumo de alimentos industrializados (157%).

Monitoramento da piracema (migração sazonal de peixes) na Volta Grande do Xingu, demonstrando insuficiência de água para a alagação de várzeas e igapós, ambientes onde ocorrem a alimentação e desova de peixes (janeiro de 2021)
Fonte: Cristiane Costa, MPF/Altamira
A seca permanente imposta pela Norte Energia na Volta Grande do Rio Xingu está comprometendo também a navegação de pequenos barcos, essenciais para a vida da população ribeirinha, durante até seis meses do ano. Fonte: Cristiane Costa, MPF/Altamira-PA

É importante ressaltar também que a prática de oscilações abruptas na vazão da barragem de Pimental, conforme demonstrado no gráfico abaixo, sem qualquer aviso prévio para a população ribeirinha, tem resultado na perda de equipamento e riscos de acidentes, além de danos ambientais.

Fonte: Cristiane Costa, MPF/Altamira-PA

Depois da divulgação de um acordo firmado entre o Ibama e a Norte Energia, o Movimento Xingu Vivo, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e representantes de cerca de 20 comunidades ribeirinhas, de pescadores, de agricultores e indígenas protocolaram no Ministério Público Federal uma Representação contra os responsáveis pelos danos ambientais causados à

Durante o mês de abril de 2021, somente na Aldeia Furo Seco da Volta Grande, foram perdidos quatro barcos voadeiras em decorrência de aumentos repentinos na vazão da barragem Pimental, na ausência de qualquer aviso para os moradores.

Perante o potencial esgotamento definitivo dos bens naturais que possibilitam a sobrevida econômica, física, cultural e emocional do povo beiradeiro do Médio Xingu, a Representação protocolada no MPF reivindica, entre outras medidas:

●  a instauração de inquérito criminal na Polícia Federal ou ICP no âmbito no MPF, para investigar crimes ambientais relatados, para determinar os responsáveis pelos delitos que resultaram, inter alia, na assinatura do citado Termo de Compromisso de 08/02/2021, inclusive as responsabilidades diretas do Sr. Eduardo Fortunato Bim, Presidente do IBAMA, e do Sr. Paulo Roberto Ribeiro Pinto, Presidente da Norte Energia, S.A.,

●  a propositura de ações e outras medidas necessárias para coibir as violações de direitos associadas à prevalência de interesses econômicos da Norte Energia, e assegurar as reivindicações das comunidades indígenas, ribeirinhos, pescadores/as e agricultores/as atingidas pelas ações e omissões da norte energia e o poder público.

Em 23 de março de 2021, o Ministério Público Federal ajuizou uma Ação Civil Pública contra oTermo de Compromisso entre Norte Energia e IBAMA, questionando seu embasamento técnico-científico e exigindo medidas concretas para garantir “a manutenção dos ecossistemas, dos modos de vida e da navegação na Volta Grande do Xingu” a partir de fevereiro de 2022, por meio de um “regime de vazões suficiente para garantir a efetiva sustentabilidade etnoambiental da Volta Grande do Xingu”. A ACP aguarda decisão na primeira instância da Justiça Federal em Altamira.

Em conclusão, a experiência do Complexo Hidrelétrico Belo Monte demonstra claramente a enorme distância entre o discurso de responsabilidade socioambiental da Vale e o comportamento prático da empresa, onde a percepção de ganhos econômicos imediatos e interesses políticos prevalecem sobre a gestão responsável de riscos socioambientais, legais e financeiros, aplicando o Princípio da Precaução e o respeito aos direitos humanos. Tal comportamento, que se espelha em casos como os desastres e crimes associados de Mariana e Brumadinho, acabam levando não apenas a graves danos socioambientais, como também sérios prejuízos para o balanço financeiro da empresa e seus acionistas, assim como para a sua reputação empresarial.

Considerando todo o exposto, reiteramos a proposta apresentada por escrito em nossos votos em assembleias ordinárias anteriores, a partir de 2012 – que ficaram sem resposta da Diretoria – de que a Vale contrate uma firma de auditoria independente para averiguar sua participação em Belo Monte e analisar a compatibilidade de seu envolvimento no empreendimento com as políticas de responsabilidade socioambiental da empresa, inclusive no tocante aos aspectos de sustentabilidade, biodiversidade, gestão ambiental, gestão territorial, mudanças climáticas e direitos humanos, assim como riscos econômicos, legais e de reputação associados, e que os resultados desta auditoria sejam objeto de apreciação e deliberação por parte do Comitê de Governança e Sustentabilidade e da Diretoria Executiva da Vale, com ampla divulgação de suas conclusões. Sobretudo, devem ser identificadas lições para evitar que a Vale repita os mesmos erros de Belo Monte em outros lugares do Brasil e do mundo, e que caminhe numa direção à altura dos desafios do século 21.

Conheça os demais votos

Voto 1

Voto 2

Voto 3

Voto 4

Voto 5

Voto 6

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